Acordei num sábado desses com a sensação de ter passado a noite inteira ouvindo bem distante um som abafado e fora de compasso.
Tentei ajustar os neurônios para saber se era verdadeiro ou se teria sido apenas objeto de um sonho. Não era ritmo de matracas, nem de pandeirões e muito menos dos tambores de crioula, até porque não era tempo dos festejos juninos. Mas de onde teria partido aquele som?
Sentado à mesa do café da manhã, tomei conhecimento de que o meu vizinho, um importante político nacional e que morava na quadra ao lado, possuía uma criação de jabutis autorizada pelo Ibama.
Dias depois, tive a oportunidade de estar em sua casa e lembrei do sonho. Perguntei se tinha fundamento o que me haviam falado sobre sua criação e a resposta partiu de sua esposa, dizendo que já não dormia há muitas noites por conta do barulho que os jabutis faziam à noite.
− No período do cio, eles passam a noite inteira copulando! E o barulho dos cascos deles me deixa louca...
Sugeri que ela separasse os machos das fêmeas, mas o conselho não surtiu efeito, pois ela não tinha a menor ideia de como distinguir um jabuti de uma jabota.
Seus amigos o chamavam carinhosamente de Castrol"
Recordei-me de ter ouvido tempos atrás a estória de um tio meu, da família Castro Leite, que em meados do século passado havia aportado em São Luís, proveniente de Pinheiro, para continuar seus estudos. Seus amigos o chamavam carinhosamente de Castrol e por ser muito alegre e divertido, por onde andava estava sempre rodeado dos colegas.
Vindo do interior trazia para a cidade grande os trejeitos, o sotaque impecável da Baixada com seu português castiço e as experiências da vida simples do interior.
Certa feita, já na Faculdade, o professor de biologia reunia os alunos em torno de uma mesa de laboratório para uma aula prática sobre os répteis dotados de carapaças. Emborcado em cima da mesa, servia de modelo vivo um enorme jabuti, do gênero chelonoidis e da ordem dos quelônios.
O mestre discorria sobre as características do quelônio e iniciava as explicações sobre como identificar o sexo da espécie.
− Alguém aqui sabe como identificar? - perguntou o professor.
Ante a negativa de todos, passou a mostrar a carapaça inferior do animal explicando, entre outras coisas, que as fêmeas tinham barriga reta, tipo tanquinho e que no macho havia uma concavidade exatamente para encaixar no casco superior da fêmea para facilitar o acasalamento.
Nesse momento, o rangido da porta desviou a atenção de todos. Era Jurandy que, atrasado, acabara de chegar. Todos se voltaram para ele e apontaram:
− Professor! − O Castrol sabe distinguir um jabuti de uma jabota!
O mestre pediu que ele se aproximasse da mesa e educadamente perguntou se, de fato, ele sabia fazer a distinção do sexo entre os quelônios.
Ao responder que sim, espiou por entre os colegas e viu o jabuti-piranga, com seu casco convexo, emborcado em cima da mesa, agitando as patas e o pescoço e contorcendo-se todo. Para o espanto dos colegas, perguntou se podia pegar no animal. Desvirou o quelônio e o colocou sobre o piso de madeira da sala.
Ufa! Deve ter pensado o jabuti. E em disparada saiu andando em direção a porta de saída, não sem antes ter ouvido Jurandy exclamar:
− É macho! É um jabuti!
Todos ficaram impressionados, pois ele não havia presenciado as explicações dadas!
− Mas como você descobriu? Perguntou o professor?
− Eu conheço só pelo jeitão do andar do bicho...
Até hoje não sei se a mulher do político falou com o Jurandy, se ela separou os jabutis das jabotas, ou se foram todos pra panela. O certo é que reina a paz aqui no Calhau.
Nunca mais ouvi o barulho do coito dos jabutis.
Ex-deputado estadual, membro da Academia Pinheirense de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão
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