Lava Jato

Clima de tensão do julgamento de Lula deixa Supremo em estado de alerta

Ministra Cármen Lúcia pede serenidade ao país e lamenta os tempos de intolerância e intransigência vividos por conta das diferenças ideológicas

Atualizada em 11/10/2022 às 12h32

A proximidade do julgamento que poderá resultar na prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva aumentou a polarização no País e levou a presidente do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia, a fazer um apelo incomum por paz social.

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidirá na quarta-feira (4) se aceita um pedido de habeas corpus apresentado pela defesa de Lula - condenado a 12 anos e um mês de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro - até esgotar os recursos judiciais em todas as instâncias.

Se o recurso for negado, nada impediria uma eventual prisão do ex-presidente (2003-2010). Se for aceito, contudo, enquanto o caso correr na Justiça, Lula, de 72 anos, poderia fazer campanha para as eleições de outubro, as mais indefinidas desde a volta do Brasil à democracia, em 1985.

"Vivemos tempos de intolerância e de intransigência contra pessoas e instituições. Por isso mesmo, este é um tempo em que se há de pedir serenidade. Serenidade para que as diferenças ideológicas não sejam fonte de desordem social", escreveu a ministra Cármen Lúcia em texto divulgado por sua assessoria.

"Problemas resolvem-se garantindo-se a observância da Constituição, papel fundamental e conferido ao Poder Judiciário, que o vem cumprindo com rigor", acrescentou a magistrada, que apoia publicamente a jurisprudência vigente que permite prender condenados em segunda instância, como Lula.

O caso confronta juízes "garantistas" e os defensores da Operação 'Lava Jato', uma ampla investigação que usou a prisão preventiva, as delações premiadas e o cumprimento de penas após uma condenação em segunda instância para desvendar uma bilionária rede de propinas entre empresários e políticos.

Também alimenta as divergências políticas. Na semana passada, a polarização descambou para a violência, quando dois ônibus da comitiva de Lula foram atingidos por três tiros durante caravana no sul do país, sem deixar feridos.

À medida que se aproxima o 4 de abril, a pressão sobre o STF aumenta.

O ex-Procurador Geral da República Rodrigo Janot e o procurador da 'Lava Jato' em Curitiba, Deltan Dallagnol, assinaram, com outros 5 mil integrantes da Justiça, um pedido para que o STF não modifique seu entendimento atual, o que colocaria Lula atrás das grades.

Dallagnol, que se define como "seguidor de Cristo", anunciou, ainda, um dia de jejum e oração.

"A quarta-feira é o dia D da luta contra a corrupção na Lava Jato. Uma derrota significará que a maior parte dos corruptos de diferentes partidos, por todo país, jamais serão responsabilizados, na Lava Jato e além. O cenário não é bom. Estarei em jejum, oração e torcendo pelo país", escreveu Dallagnol no Twitter.

Sua mensagem gerou uma onda de apoio e questionamentos.

Simultaneamente, diversos grupos da sociedade civil, muito ativos durante o impeachment que depôs a presidente Dilma Rousseff em 2016, convocaram manifestações em todo o país na véspera da sessão do Supremo.

Polarização da Justiça

Lula foi sentenciado por receber um apartamento tríplex da empreiteira OAS, envolvida no esquema de corrupção na Petrobras. Além disso, responde a outros seis processos por tráfico de influência e obstrução da Justiça.

Apesar de sua situação delicada, o ex-presidente é franco favorito para vencer as presidenciais, mesmo com a perspectiva de que a justiça eleitoral deveria bloquear sua candidatura em agosto - quando se abrir a janela oficial para inscrever as candidaturas - por já ter uma condenação ratificada em segunda instância.

"Há uma politização da justiça, o judiciário se posiciona como um ator político que busca sanear a política pela via externa e cria uma instabilidade", disse à AFP Emerson Cervi, professor da Universidade Federal do Paraná.

"A expectativa é que as eleições consigam apontar um caminho, uma alternativa, uma saída política e não policial para a crise brasileira", acrescentou.

Protestos contra Lula movimentarão

mais de 100 cidades em todo o país

O Movimento Brasil Livre (MBL), o Vem Pra Rua (VPR) e outros movimentos que lideraram manifestações do impeachment da presidente cassada Dilma Rousseff preparam nesta terça-feira, 3, atos em mais de 100 cidades e 20 Estados do País em defesa da prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, um dia antes da Corte analisar em plenário o mérito do habeas corpus impetrado pela defesa do líder petista.

O VPR informou que também organizou protestos em ao menos quatro cidades fora do País: em Boston (EUA), na praça da Universidade de Harvard; em Santiago, na frente da embaixada do Brasil; e na entrada dos consulados brasileiros em Londres e Roma.

O MBL organizará manifestações em pelo menos 80 cidades, enquanto o VPR já confirmou 101. No início da tarde desta segunda-feira, o MBL promoveu entre as avenidas Juscelino Kubistchek e Faria Lima um ato para divulgar os protestos de amanhã na cidade de São Paulo. A avenida Paulista será o palco principal da mobilização.

A manifestação do Movimento Brasil Livre na capital paulista contará com um carro de som doado pela startup "Levante". Além disso, o MBL arrecadou mais de R$ 14 mil em uma "vaquinha" online para custear os protestos. O número é superior ao da meta estabelecida inicialmente, de R$ 11 mil.

Na quarta-feira, 4, o MBL também deve promover uma manifestação em frente ao prédio do STF, em Brasília. O VPR informou que pretende mobilizar protestos apenas nas redes sociais no dia do julgamento.

A análise do habeas corpus é decisiva para o futuro de Lula. Condenado a 12 anos e um mês de prisão pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), Lula já teve seus recursos negados na segunda instância da Justiça Federal e também não teve sucesso no HC enviado ao Superior Tribunal de Justiça. Atualmente, a liberdade do ex-presidente é garantida por um salvo-conduto concedido pelos ministros do Supremo.

O líder do MBL, Kim Kataguiri, afirmou à reportagem que o movimento tem uma expectativa positiva do julgamento na quarta-feira. Para ele, o voto decisivo, a favor da prisão de Lula, deve ser da ministra Rosa Weber.

Juízes e membros do Ministério Público

entregam documento por prisão em 2ª instância

Juízes e procuradores foram ao Supremo Tribunal Federal com abaixo-assinado contendo mais de 5 mil assinaturas

Juízes e membros do Ministério Público
Juízes e membros do Ministério Público

Integrantes do Ministério Público (MP) e do Judiciário protocolaram nesta segunda-feira, 2, no Supremo Tribunal Federal (STF) uma nota técnica e um abaixo-assinado com cerca de 5 mil assinaturas, entre juízes e membros do MP, para que a Corte não mude o entendimento que permite a prisão de condenados na segunda instância.

Segundo o promotor de Justiça de Brasília Renato Varalda, o ato não é uma forma de pressão sobre os ministros do STF, mas uma tentativa de "sensibilização" para que o Supremo respeite a jurisprudência firmada em 2016 (que possibilita a execução antecipada da pena) quando for julgar o habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, nesta quarta-feira, 4.

Varalda compõe o grupo de dez pessoas, entre integrantes do MP e juízes, que entregou os documentos no prédio do tribunal, em Brasília, na tarde desta segunda-feira. No momento, eles passam nos gabinetes dos ministros para deixar a nota técnica e o abaixo-assinado. No entanto, não há audiências com ministros previstas para esta tarde.

O manifesto, que conta com a assinatura do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot, é apresentado dois dias antes do julgamento pelos 11 ministros da Suprema Corte do habeas corpus de Lula, condenado a 12 anos e 1 mês no caso triplex. As assinaturas continuarão sendo colhidas até esta quarta-feira. Portanto, o grupo não fala num número fechado de adesões, que ocorrem desde quinta-feira, 29, de forma virtual.

De acordo com Varalda, o movimento não é feito em função do caso de Lula, mas pelo que pode acontecer no julgamento do habeas corpus dele, caso a Corte atenda ao pedido do ex-presidente, que pede que eventual prisão somente seja executada quando não couberem mais recursos na Justiça contra a condenação por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Segundos os membros do MP, a preocupação é com efeito "cascata" de eventual decisão.

"Esse abaixo-assinado é de procuradores, promotores e juízes preocupados com a impunidade e com o grande índice de criminalidade no Brasil. A preocupação é que ocorra um efeito cascata, em que haja a liberação de homicidas, latrocidas, estupradores, traficantes do Brasil todo a partir do momento em que o tribunal rever o posicionamento e inviabilizar a execução de pena após condenação em segunda instância", afirmou.

O grupo de juristas e integrantes do MP também aborda a interpretação que é dada ao princípio constitucional da presunção de inocência, usado como principal argumento entre os que defendem a prisão de condenados somente após o trânsito em julgado das ações penais. "Presunção de inocência não tem essa abrangência toda. Ela é um princípio relativo como qualquer outro princípio. Ela deve ser analisada e balizada com outros princípios da Constituição Federal, como o princípio à vida, o princípio da garantia da propriedade e da segurança pública. Por isso, é possível, sim, a execução provisória em segundo grau", disse.

Manifesto

Também apoiam o documento o coordenador da força-tarefa da Operação Lava Jato, no Paraná, procurador Deltan Dallagnol, as procuradoras da Lava Jato em São Paulo Thaméa Danelon e Anamara Osório, os procuradores José Augusto Vagos e Sérgio Luiz Pinel Dias, da Lava Jato no Rio, a procuradora regional da República Ana Paula Mantovani, além dos procuradores-gerais de Justiça de Goiás, Benedito Torres, de Alagoas, Alfredo Mendonça, e do Rio, Eduardo Gussem, e, ainda, o procurador do MP junto ao Tribunal de Contas de União (TCU), Júlio César Marcelo de Oliveira.

"Nada justifica que o STF revise o que vem decidindo no sentido de que é juridicamente adequado à Constituição da República o início do cumprimento da sanção penal a partir da decisão condenatória de segunda instância. A mudança da jurisprudência, nesse caso, implicará a liberação de inúmeros condenados, seja por crimes de corrupção, seja por delitos violentos, tais como estupro, roubo, homicídio etc", afirma o abaixo-assinado.

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