Lava Jato

Kakay critica “banalização” da delação premiada: “O Estado não quer mais investigar”

Durante participação em evento jurídico em São Luís, criminalista diz que MPF quer combater a corrupção "a qualquer custo"

Gilberto Léda

Atualizada em 11/10/2022 às 12h35
(foto)

O advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, o “Kakay”, fez ontem duras críticas à forma como a Lava Jato tem tratado o instituto da delação premiada. Durante uma palestra no Hotel Luzeiros – curiosamente, o palco de uma das primeiras fases da operação, quando da prisão dodoleiro Alberto Youssef –, o criminalista disse ser a favor das colaborações de delatores, mas apontou que o Ministério Público Federal (MPF) as “banalizou”.

“O Estado não quer mais investigar”, declarou, ao apontar que, a partir das delações, o MPF tem proposto diversas medidas cautelares contra alvos da operação, sem aprofundar a apuração para confirmar se o que dizem criminosos colaboradores é verdade.

“É óbvia a importância da Lava Jato. Ninguém poderia imaginar que existia uma corrupção tão capilarizada, tão institucionalizada. O único questionamento que se faz é: como fazer o enfrentamento desta corrupção? Parte da Lava Jato, parte desse pessoal que banalizou o instituto da delação, que não sabe usar o instituto da delação, quer fazer o enfrentamento [da corrupção] a qualquer custo, tornando a prisão preventiva obrigatória, deixando de lado as garantias individuais tão duramente conquistadas. Nós queremos esse mesmo enfrentamento, com a mesma seriedade, mas dentro dos princípios e garantias individuais”, destacou.

Para o advogado, os procuradores da Lava Jato têm dado valor demais aos depoimentos dos delatores, o que, segundo ele, inverte a lógica original do instituto da delação.

“A doutrina, em qualquer parte do mundo, dá à palavra do delator uma importância menor. Há necessariamente uma dúvida quanto à palavra do delator. Você tem ação penal no Paraná, de 15 réus, onde são 13 são delatores. É óbvio que eles explodiram o instituto da delação”, completou, acrescentando: “A palavra do delator pode servir para começar a investigação já com medidas cautelares, com pedido de prisão, com pedido de busca e apreensão? Evidente que não. [Delação] não é prova”.

Após o evento, em entrevista a O Estado, ele reforçou a tese. “Essa banalização das delações, essa criminalização da política, faz um mal ao estado democrático de direito. Nós temos que fazer uma investigação muito ampla no Brasil? Temos, é importante que se faça. Não sou contrário, acho que ninguém está acima da lei. Agora, o Ministério Público tem que agir de uma forma mais ágil”, comentou.

Superpoder – Kakay aponta, ainda, que o desenrolar da Lava Jato criou um “Superpoder Judiciário” – “que está legislando, e legislando para trás” – e alçou ao MPF a uma posição de ainda maior poder que a Justiça.

“O que aconteceu com esse empoderamento do Ministério Público Federal? Nós temos hoje um poder maior até, muitas vezes, do que o Poder Judiciário, que é o MPF. Até porque o Poder Judiciário só age se for acionado. O Ministério Público tem o poder enorme de denunciar, como o poder de arquivar. E onde está o Poder Judiciário no momento da delação, onde o Ministério Público impõe pena? Pena sem processo. Estabelece forma de cumprimento”, questionou.

O advogado acredita que procuradores e juízes que atuam na Lava Jato acabaram assimilando o discurso de que são como “heróis” do povo brasileiro.

“Nós não precisamos de juízes para salvar o país, não. Triste de um país que precisa de heróis. E esse grupo [de trabalho da Lava Jato] está se auto intitulando herói. Eles acreditaram que eram heróis. Começaram a dizer que eles eram heróis e eles acreditaram”, reiterou.

E concluiu com uma espécie de profecia: “A única certeza que eu tenho é que nós estamos lidando com um instrumento importantíssimo de combate à corrupção e que foi banalizado. Certamente não será destruído porque esses donos da Lava Jato passarão”.

Ao citar Sarney, advogado condena “espetacularização” do processo penal

Em entrevista a O Estado, Antonio Carlos “Kakay” comentou especificamente os casos ds delações envolvendo o ex-presidente José Sarney (PMDB) e a ex-governadora Roseana Sarney (PMDB).

Para ele, o caso do ex-presidente foi uma clara “tentativa de criminalizar da política”. “Infelizmente, no final do mandato do doutor Janot, houve uma tentativa de criminalização da política muito forte”, declarou.

Ele lembrou como se deu a delação envolvendo Sarney, gravado em casa pelo ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado.

“Talvez tenha sido um momento teratológico da Lava Jato. Um cidadão completamente desqualificado, que teve a ousadia de entrar na casa do ex-presidente, convalescendo depois de 21 dias de hospital, gravou-o de forma covarde, tentou puxar o ex-presidente para falar coisas que tivessem algum tipo de importância. Não há, em nenhum daqueles diálogos, absolutamente nada que justificasse uma investigação. No entanto, o Ministério Público, através do doutor Janot, resolveu dizer que havia obstrução à Justiça e ousou pedir a prisão de um ex-presidente da República”, destacou, ao defender que Machado perdesse os benefícios conseguidos a partir da delação.

“Porque estava mentindo e porque não tinha o que oferecer”, completou.

Para Kakay, “o caso da Roseana é quase que emblemático”. Segundo ele, os dois delatores que citaram a peemedbista entraram em contradição.

“Houve um delator que disse que o Alberto Youssef teria entregue R$ 2 milhões para ela, a pedido do [senador Edison] Lobão. Foi ouvido o Youssef e ele disse: ‘eu nunca entreguei dinheiro algum para Roseana. Isso não aconteceu’. Então eu provoquei uma tentativa de acareação dos dois delatores”, relatou.

O advogado criticou o MPF pela demora antes de pedir o arquivamento do caso.

“Naquele momento, o MPF deveria ter tido a lealdade imediata de pedir o arquivamento, porque a Roseana já estava sendo investigada indevidamente, injustamente. Ainda assim, mais de um ano e meio até vir o pedido de arquivamento. Sem que tivessem absolutamente mais nada a investigar, porque o fato não era verdadeiro. A única coisa que existia era a palavra deum delator, que comprovou-se ser uma inverdade”, avaliou.

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