Trabalho infantil Doméstico

Explorador aproveita o sonho de uma vida melhor na cidade

Quadro é quase sempre o mesmo: a família pobre do interior entrega sua filha para uma família abastada, na capital, para que ela estude e tenha uma vida melhor; mas a criança vira empregada doméstica, sem direitos

Adriano Martins Costa / O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h44

[e-s001]O trabalho infantil domés­tico é uma das mais cruéis formas de exploração de crianças. Porque, segundo Franciana Ibiapina, auditora da Superintendência Regional do Trabalho, o explorador se camufla na ilusão e se aproveita dos sonhos dos jovens, para poder obter mão de obra barata, ou gratuita. “É uma estrutura complicada. Ela explora a pobreza de forma mascarada”, afirma.

A assistente social Carla Serrão conhece bem essa estrutura, já que passou vários anos de sua vida estudando essa situação. Segundo conta, dos jovens de 7 a 18 anos incompletos que trabalham em residências no trabalho doméstico, 77% têm de 15 a 18 anos, 19% de 12 a 14 anos e 4% de 7 a 11 anos.

Mas quase todas as crianças/adolescentes que entraram na pesquisa de Carla Serrão já exerciam as atividades há alguns anos. Ou seja, quem realiza o trabalho doméstico hoje com 17 ou 18 anos pode muito bem ter começado aos 7.

E o quadro pintado é sempre o mesmo: a família da criança mora no interior do estado e não tem condições de sustento. Daí aparece um “padrinho”, “madrinha”, “tio”, ou ainda um desconhecido, que oferece uma “vida melhor” na capital. “Outro fator observado no favorecimento da vinda das crianças e adolescentes de outro município a São Luís é a intermediação de pessoas que, geralmente, já residiram no local onde encontram as crianças”, ressalta Carla Serrão.

Ou seja, geralmente, é alguém do interior que conhece alguém na capital que indica a criança. Quem nunca ouviu aquela conversa: “Ah, conheço uma menina boazinha que quer vir estudar”. Segundo Carla Serrão, a situação não chega a se configurar como uma rede organizada de tráfico de crianças, mas funciona tal qual, informalmente, e tem funcionado até então.

Sonhos amassados
Pelo menos 95% das crianças exploradas em trabalho doméstico são meninas e 74% delas são negras. As famílias geralmente são grandes, com uma média de seis irmãos. Os pais e mães, na maioria das vezes, são agricultores, empregadas domésticas, pedreiros, pescadores, vendedores, ou estão desempregados, vivendo de bicos. “O trabalho infantil doméstico é feito por meninas, negras, pobres e nas áreas urbanas”, destaca Clóvis Silva, coordenador do projeto “Trabalhar não é Brincadeira”, da ONG Plan.


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Ou seja, estão todos na base do sistema capitalista. Daí, quando aparece alguém oferecendo estudos “de graça” na capital e as condições de uma vida melhor no futuro, quem não começa a sonhar de olhos abertos? Tanto que, segundo Carla Serrão, 80% das crianças e adolescente que exercem algum tipo de trabalho doméstico afirmam que terão uma vida melhor que seus pais. Eles querem ser advogados, juízes, delegados, policiais, médicos, jornalistas, professores, jogadores de futebol.

Esses sonhos são esmagados pelo contingente de trabalho que lhes é infligido. Por isso pelo menos 67% dos jovens que trabalham e estudam já ficaram reprovados pelo menos uma vez. Além do que, eles nem mesmo estudam na mesma escola que os filhos dos patrões.

Essa relação de empregado-patrão é outra complicação. A maioria das crianças/adolescentes explorados no ambiente doméstico vive no mesmo local de trabalho, dividindo o espaço com outros membros da família e dormindo em espaços menos priorizados da casa, como sala e quartos do fundo, ou corredores.

Poliana Mendes, secretária executiva do Fórum Estadual de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil do Maranhão (Fepetima), ressalta que essa relação prejudica somente um dos lados, no caso o mais fraco que é a criança. Ela afirma que essa criança vai crescer doente, com marcas no corpo – queimaduras, fraturas – e na alma, devido à violência sexual e moral que quase sempre sofrem. “Geralmente, a primeira relação dessas meninas é com os patrões ou com os filhos dos patrões”, destaca.

SAIBA MAIS

Evento
Na sexta-feira, o Fórum Estadual de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil do Maranhão (Fepetima) e a Coordenação de Combate ao Trabalho Infantil da Superintendência Regional do Trabalho (SRTE/MA), aproveitando a semana da criança, discutiu o tema em uma mesa-redonda com diversas entidades do sistema de garantias de direitos. O tema era: "Um presente para as crianças: Não ao trabalho infantil doméstico".

Cidades que mais fornecem crianças para o trabalho infantil doméstico
Chapadinha, Cururupu, Bequimão Monção Penalva, Anapurus, São João Batista, Buriti, Santo Onofre, Brejo, Icatu, Bacuri, Cachoeira Grande, Barreirinhas, Turiaçu, Pinheiro, Alcântara, Viana, Santa Quitéria, Vargem Grande, Paço do Lumiar, Grajaú, Raposa, Acailândia, Nova Olinda, Santa Inês, Humberto de Campos e Primeira Cruz.

DEFINIÇÃO (Fonte:Unicef)
O trabalho infantil doméstico caracteriza-se como “aquele que é realizado por crianças e adolescentes, fora de suas casas e dentro da casa de terceiros, que tem sido executado em troca de um salário ínfimo ou de uma promessa de roupa, escola e alimentação” (Costa, 1996).
De acordo com o Decreto nº 6.481/06/008, o trabalho infantil doméstico está caracterizado como uma das piores formas de trabalho infantil, que pode causar às crianças e adolescentes riscos ocupacionais, como: esforços físicos intensos; isolamento; abuso físico, psicológico e sexual; longas jornadas de trabalho, com acúmulos de tarefas.

* Frases colhidas pela professora Carla Serrão, em escolas da rede pública, durante sua pesquisa.

Eu vim para estudar trazida por minha tia”*(P. C, 12 anos)
Minha irmã foi me buscar para eu vir trabalhar com ela”*(J.S.C, 14 anos)
Vim com minha mãe e a família que eu moro”* (M.A, 15 anos)
Vim, porque meu patrão era amigo do meu pai e eles me trouxeram. Eu queria ajudar minha mãe”*(C.T.M.M, 14 anos)
Vim trazida por meu patrão, estava muito doente e lá no meu lugar não tinha o recurso que precisava, logo que fiquei boa passei a trabalhar para eles"*(M.I.V.S, 15 anos)

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