Curta

Ensaio sobre a velhice na tela

Filme “Walter do 402”, do cineasta Breno Ferreira, vai estrear no 10º Brazilian Film & TV Festival of Toronto, que será realizado entre os dias 13 e 16 deste mês; obra aborda a solidão na terceira idade

Atualizada em 11/10/2022 às 12h44
Antonio Petrin  em cena de “Walter do 402”, curta de Breno Ferreira
Antonio Petrin em cena de “Walter do 402”, curta de Breno Ferreira (velhice)

Em um prédio antigo de Copacabana, um senhor chamado Walter mora no apartamento 402, não gosta de se relacionar com os vizinhos e, por não conseguir lidar com a solidão, passa os dias em seu apartamento escuro, vendo desenhos animados e se dedicando a planos para acabar com a própria vida. Paralelo a isso, a sua vizinha Vera, tenta se aproximar do vizinho solitário.

Esse é o ponto de partida do curta-metragem “Walter do 402”, do cineasta Breno Ferreira. A obra foi selecionada para o 10º Brazilian Film & TV Festival of Toronto, que acontece entre os dias 13 e 16 deste mês no Canadá. O filme concorre aos prêmios de Melhor Filme, Direção, Ator e Atriz.

Protagonizado pelo ator Antonio Petrin, “Walter do 402” tem um roteiro tragicômico, mas chama atenção ao falar com delicadeza de um problema bem comum na terceira idade: a solidão e a sensação de abandono dos idosos no país. Uma situação observada pelo cineasta e traduzida na produção.

A obra traz no elenco ainda o ator franco-maranhense Antonio Saboia (produtor associado e co-diretor do filme) e outros maranhenses na equipe, como Camila Aranha, na produção; Jr. Balby, que assina como continuísta, e Fernando Braga, como coordenador de produção; além da trilha sonora assinada pelo maestro Joaquim Santos e montagem adicional de André Garros. Em entrevista a O Estado, Breno Ferreira, que é paulista, mas iniciou sua carreira no Maranhão, falou sobre a produção e também de outros projetos na carreira.


O filme fala de um tema sofrido que é a solidão na terceira idade, porém, com um toque de humor e uma leveza. Como vocês pensaram o roteiro? Teve alguma inspiração especial?
Durante anos eu almoçava com minha avó todas as quartas. Como eu sou um perguntador nato, queria saber como era sua vida e, em algumas ocasiões, ela dizia que se sentia sozinha. Ela tão festeira, saindo com as amigas para dançar, foi inclusive miss da terceira idade. Ela é linda! Nessa época, li reportagens sobre o quanto a solidão gerava depressão. Nesse momento, pensei no roteiro. Imaginei alguém como minha avó, tão otimista com a vida, apesar de se sentir só em alguns momentos, deparando-se com outra pessoa que já perdeu as esperanças.
Essa ideia eu desenvolvi e inscrevi em 2007 para uma formação em cinema em Goiânia. Fui selecionado entre 20 e no curso foi trabalhado apenas cinco roteiros, entre eles o Walter. Tive como orientador o Di Moretti e foi enriquecedor o desenvolvimento do trabalho. Nos anos seguintes eu continuava a juntar informações para enriquecer o roteiro, os diálogos. Além disso, a escolha do Rio de Janeiro como cidade para a realização do filme. Segundo o IBGE, o Rio de Janeiro é a cidade com mais pessoas que vivem sós. E Copacabana com maior concentração de pessoas na terceira idade.
Assisti a dezenas de longas e curtas que abordam a solidão na terceira idade. Praticamente todos são complicados de serem exibidos para as pessoas que estão sofrendo de solidão. Eram filmes em que “nós” falamos “deles” e eu via um equívoco nisso. Não faz sentido abordar um tema em que eu não possa mostrar para quem sofre ou quem está na faixa etária. Por esse motivo, também tentei colocar mais de humor e, é claro a música “Aquarela do Brasil”. Quero que a minha avó assista ao filme e, no inicio, já se sinta bem, ao ouvir uma música que marcou de alguma forma sua vida. E o humor também é algo presente nos meus trabalhos. E Walter, mais do que nunca, deveria ter essa pegada.


Você tem parceria com o Antonio Saboia, ator que já trabalhou com você em outras ocasiões, como no curta “Ódio”. Queria que você comentasse a parceria.
Considero os irmãos Antonio e o Bruno, como meus irmãos. O conheço desde 2003 quando ele foi a São Luis. Entre caipirinhas e conversas, acabei mostrando um conto para ele. Ele gostou, e sua insistência fez eu transformar no roteiro de “Ódio”. Sua obsessão em fazer cinema acabou sendo uma das nossas afinidades. O Bruno Saboia ajudou muito nos diálogos, isso tudo fez nos aproximarmos. Depois fizemos um curta em inglês, “Now Departing”, em 2010, quando já morávamos no Rio. Devido a sua competência na atuação, pedi que me ajudasse na condução dos personagens. Antes mesmo de convidá-lo a codirigir, ele quem se ofereceu. Achei mais do que justo, pois pude me dedicar nos outros departamentos como fotografia, arte, locações, enquanto o Antonio conduzia a preparação e ensaios. Após isso, trabalhei no longa “Lua em Sagitário” como assistente de direção. Havia uma cena pequena, indiquei o Antonio e ele filmou conosco em Florianópolis. Engraçado é que na cena eu apareço ao fundo, como figurante. Ou seja, eu posso afirmar que já trabalhamos na frente e atrás das câmeras (risos). Depois veio o “O Tempo Envelhece Depressa”, do Frederico Machado. Acompanhei no laboratório para construção do personagem, em São Bento. Eu fui para contribuir com o roteiro e mostrar o que seria interessante ele acrescentar nos diálogos, pois como ele não mora no Maranhão, eu saberia filtrar o que poderíamos sugerir para que Fred inserisse no roteiro.

O filme foi gravado no Rio de Janeiro. Queria que você falasse um pouco sobre o processo de construção do ambiente do personagem.
As locações do Walter são tão importantes quanto os personagens. E o apartamento deveria deixar claro a solidão, o descaso. Pois, apesar de o filme ter um pouco de humor, iríamos abordar uma temática séria. Junto com o produtor João Rocha, fizemos diversas visitas na pesquisa de locação. E quando entrei no apartamento, eu disse: “perfeito”. As intervenções seriam poucas e o custo diminuiria para a arte. Tanto que a arte no apartamento do Walter é pontual. E o Edifício Andraus, com aquela entrada antiga e com certa imponência seria perfeito para que os personagens se encontrassem. O elevador, as câmeras de segurança, tudo casou com o roteiro. Nós filmamos em dois fins de semana, fizemos alguns stock shots do bairro para ambientar o filme, mas decidi que não mostraria nem a praia, nem o calçadão. Queria mostrar como é dentro de Copacabana. As senhoras na praça, enfim…(risos)

O filme conta com um elenco forte. Como se deu a escolha?
Como passaram vários anos entre o primeiro tratamento do roteiro em 2007 até a realização, eu pensei em diversos atores. Nesse período, eu vivi em diversas cidades (Brasília, São Luís e Rio de Janeiro) e isso contribuía para eu tentar selecionar algum ator que fosse da cidade que eu estava. No entanto, quando o roteiro foi selecionado pelo edital do MinC eu vi que teria maiores possibilidades na escolha do elenco.
Na época, o Antonio Saboia fazia a série da GNT, “Beleza S.A”, em São Paulo, e ele indicou o Petrin. Eu queria um ator que fosse adequado devido ao perfil físico, mas que passasse um pouco da atmosfera do personagem. Almoçamos algumas vezes, e o Petrin tinha um humor rabugento e achei perfeito.
No meu último dia com eles, entreguei o roteiro. Alguns dias se passaram e ele retornou dizendo que tinha adorado o roteiro e que faria o Walter.
Já o porteiro, eu tinha feito testes de elenco para comerciais e feito um pré-select de opções. Era importante que o personagem tivesse uma veia cômica, além de ser bonito, para justificar o seu sucesso com as garotas.
A Vera foi indicação do produtor João Rocha, ele já havia trabalhado com a Alcione Mazzeo. Ela queria muito fazer o trabalho, pois fugia um pouco dos papéis que ela fazia no Zorra total.
As namoradas foram mais fáceis. A Pritty tinha trabalhado comigo na série “Mulher Invisível” e eu escrevi a personagem pensando nela. A Cinara (morena do elevador) tinha estudado com o Gustavo. Já a Dani Fontan foi indicação da Camila Aranha.
Eu queria que tivesse uma personagem idosa que pudesse representar a rabugenta do edifício. A Aracy Cardoso foi indicada pela Alcione Mazzeo. Realmente o elenco foi uma das coisas que fez o filme crescer.

O filme foi selecionado para o 10º Brazilian Film & TV Festival of Toronto. Como você e a equipe receberam a notícia? Além desse festival, o filme concorre ou está inscrito em outros festivais?
Pessoalmente eu contei ao Balby (continuista) que estava comigo. E usamos a fanpage do filme para divulgação. O João Rocha soube ontem. Eu contei ao Antonio quando eu estava respondendo essas perguntas. Até brinquei que teria que falar que somos amigos (risos). O filme foi finalizado no segundo semestre e perdemos festivais do primeiro semestre e do segundo semestre que tiveram as inscrições encerradas. O objetivo é que seja visto, independente se for em festivais, mostras, tv, internet ou cineclubes. Devido à exigência de alguns festivais, só podemos distribuí-lo no calendário de festivais. A Plural Filmes está fazendo a distribuição internacional.

Queria que você comentasse sobre a sua carreira.
Desde criança sempre quis ser jogador de futebol ou trabalhar com publicidade no cinema. Devido a minha qualidade futebolística, deixei o futebol de lado e pude me dedicar ao cinema. Fiz um curso no DAC em 1999. Conheci a Darlene Santos no curso e fizemos o curta em 2002, “O ganhador”, que bateu recordes no Festival Guarnicê com seis prêmios oficiais. Com toda divulgação que o filme conquistou com prêmios e reportagens, eu pude retornar à faculdade de Publicidade no Ceuma. Lá, me deram um emprego dentro da Comunicar (Agência-escola do Ceuma). Lá eu pude aprender a utilizar equipamentos de ponta.
Nesse período eu dirigi diversos curtas e comerciais. Todos serviram para que eu pudesse experimentar, exercitar linguagens. Fui técnico de som, continuísta, produtor, roteirista, montador, fotógrafo. Aquela frase “uma ideia na cabeça, e uma câmera na mão” não me representa. Para mim sempre foi “uma ideia, um planejamento, estudo, referências… até termos um filme”. Em 2005, fiz “Instante”, com Francisco Colombo e Fabio Eneas. Foi o segundo filme em transfer do estado. Era uma tecnologia nova em que se passa de vídeo para película. Com a parceria com Colombo fizemos diversos outros curtas: “Um minuto para o fim do mundo”, “Neorealismo nordestino”, “Ódio” e sempre trabalhava nos curtas dele. Após os curtas, eu sabia que precisava aprender de forma mais profissional. Foi quando eu me mudei para Brasília. Lá, em 2007, trabalhei no primeiro longa, “Um Assalto de Fé”, de Cibele Amaral, como continuísta. Fui ao Rio e, a convite do Hsu Chien (maior assistente de direção do Brasil e um dos diretores do seriado “Pé na Cova”), fui estagiário de direção em produções para o Multishow. Também fui estagiário de direção na Conspiração, a convite do Breno Silveira. Trabalhei como estagiário, 2º assistente, 1º assistente de direção. Eu diria que essa prática com os grandes (Claudio Torres, Carolina Jabour, Daniel Lieff, Breno Silveira, Andrucha Waddigton, Selton Melo, André Moraes, Hsu Chien, Anita Barbosa) me fizeram ser o que sou hoje. Eu trabalhei com o Alejandro Iñarritu para um comercial da Olimpíada de Londres. "Walter do 402" é um pouco do que aprendi e vivenciei. Após esse trabalho, fiz o “Lua em Sagitário”, uma coprodução Brasil/Argentina como assistente de direção. A equipe era formada por argentinos, uruguaios, cubanos, além de brasileiros. Adorei trabalhar em outro modelo de cinema, mais visceral, mais criativo e com menos recursos. E foi uma oportunidade de conhecer a Elke Maravilha, em seu último trabalho.
Este ano, fiz também o filme do Fred (cineasta Frederico Machado), “Tempo envelhece depressa”. Foi ótimo retornar a trabalhar com uma produção totalmente maranhense e, principalmente, com o amigo Frederico, que já havia trabalhado como continuísta no “Na beira de Nenhum Caminho”. E ai veio o Hsu de novo e me convidou para ser o seu 2º assistente no longa “Não Se Aceitam Devoluções”, do diretor André Moraes. Foi maravilhoso, pois o André também é compositor de trilha sonora (ele fez a do “Lisbela e o prisioneiro”. Já foi nomeado no Grammy). E estar com o Hsu mais uma vez também foi maravilhoso. Meu primeiro professor de assistência de direção. O filme, da Total Entertainment, é um filme da Fox, é um remake mexicano do “Não aceitamos devoluções”. Tem no elenco principal Leandro Hassum e uma garotinha de 8 anos. Agora, retomarei os trabalhos como diretor em publicidade em São Paulo.

Ficha Técnica

Elenco

Antônio Petrin

Alcione Mazzeo

Gustavo Arthiddoro

Daniela Fontan

Pritty Borges

Cinara Leal

Antônio Saboia

Participações Especiais

Solange Couto

Aracy Cardoso

Pietro Mario

Direção

Breno Ferreira

Codireção

Antonio Saboia

Continuidade:

Jr Balby

Argumento

Breno Ferreira

Roteiro

Breno Ferreira/Bruno Saboia

Produtores

Breno Ferreira/Camila Aranha

Produtores Associados

Antonio Saboia/João Rocha

Produtor Executivo

João Rocha

Coordenação de Produção

Fernando Braga

Assistente de Produção

Alexandre Valente

Jorge Rodrigo

Marina Trindade

Fotografia

Ralf Tambke

1º Assistente De Câmera:

Clovis Ghiorzi/Pedro Marroig

Elétrica

José Mauro Antunes

Arte

Andrea Moraes

Figurino

Isabella Cardoso

Assistente de Figurino

Tássia Nicolsky

Som

João Paulo Glech

Assistente De Som

Adelos Jacob

Maquiagem

Ana Gangemi

Assistente de Maquiagem

Fábio Francisco

Música

Joaquim Santos

Montagem

Raimo Benedetti

Comontagem

André Garros

Assistente de Montagem

Fernando Alves

Edição de Som

Breno Furtado

Mixagem

Alexandre Ferraz Jardim

Finalização

Link Digital

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