As lendas são parte importante no processo de construção da identidade social de uma comunidade. No estado do Maranhão, terra de grande riqueza cultural, há variedade de lendas que são passadas de geração a geração. Carruagem de Ana Jansen, Manguda, Serpente da Ilha e Milagre de Guaxenduba, são algumas lendas tipicamente maranhenses.
A maioria de nós – quando crianças, principalmente – já ouviu algumas dessas lendas. Mas saiba que as lendas não são apenas histórias inventadas sem qualquer razão. Elas possuem um objetivo, compreendido a partir da análise de seu contexto histórico, do momento em que foram criadas. Para discorrer sobre o assunto, conversamos com Rodrigo do Norte, historiador e guia turístico em São Luís.
Lenda da Manguda
Diz a lenda que, no final do século XIX, um fantasma assombrava a região onde fica a Praça Gonçalves Dias. Os que afirmavam tê-lo visto, contam que era muito branco e possuía uma estranha luz no lugar onde seria a cabeça.
Rodrigo do Norte explica o porquê da invenção dessa lenda: “Nós tínhamos [em São Luís] um porto no Jenipapeiro, lá onde é o SOAMAR hoje. Aquele porto era um dos mais distantes e por isso ele era muito utilizado para contrabando.” Em Jenipapeiro, os contrabandistas não precisavam se preocupar com o pagamento de impostos, mas, sim, com as visitas inoportunas de alguns curiosos. Por causa disso, os defraudadores começaram a divulgar estórias de assombrações. Nesse momento surge a Lenda da Manguda.
“Eles [os contrabandistas] se fantasiavam de fantasma com um lençol. Então as pessoas começaram a espalhar: ‘olha, não vai ali, que tem uma Manguda!’”, narra Rodrigo. E completa: “As lendas têm um objetivo. Nesse caso do Jenipapeiro, era de espantar os curiosos”.
Lenda da Carruagem Encantada da Ana Jansen
Apesar de muito conhecida em nosso estado, alguns maranhenses conhecem Ana Jansen apenas como sendo um personagem de lenda, fruto da imaginação. Contudo ela, na verdade, existiu. Morou em São Luís, no século 19, e foi uma mulher muito mal falada.
“É muito importante colocar a Ana Jansen no contexto. A Ana Jansen era uma mulher à frente do seu tempo. Foi uma comerciante riquíssima, casou duas vezes – e era um preconceito enorme você casar duas vezes! –, era mãe solteira... Isso, para aquela sociedade, incomodava muito. Além disso, os homens ficavam loucos de ódio, porque ela tinha uma influência muito grande na política”, conta Rodrigo.
“Outra coisa que as pessoas contam muito sobre Ana Jansen: ‘Ela andava sobre os escravos, matava os escravos... ’. Comprar um escravo era caríssimo! Ninguém andava matando escravo assim”, assegura Rodrigo. Sobre os maus tratos contra escravos, dos quais ela era frequentemente acusada, ele diz: “Ela maltratava escravo assim como toda a sociedade brasileira maltratava, não era exclusividade dela. A escravidão foi um negócio horrível. O escravo comia mal, dormia mal, o tempo de vida dele era de 35 anos, no máximo! Então falar que Ana Jansen maltratava escravo era colocar as outras pessoas como santas. Todo mundo maltratava escravo, então por que só ela que pegava a fama? Por causa do incômodo de ter uma mulher que mandava na política”, afirma ele.
Se, quando viva, Ana Jansen já era difamada, depois de sua morte a situação ficou ainda pior. “Começaram a dizer que ela aparecia lá [no porto do Jenipapeiro] numa carruagem com mula-sem-cabeça, tudo com o intuito de afastar os curiosos.”
Lenda da Serpente da Ilha
Segundo Rodrigo, existem dois tipos de galerias no Centro Histórico de São Luís: as de captação de água da chuva e escoamento pluvial – que são as maiores, com mais ou menos 1500 metros – e as de captação da água que brotava nas fontes do Ribeirão e das Pedras.
Diz a lenda que uma serpente enorme habitava as galerias: a cauda do animal estaria na igreja de São Pantaleão, a barriga na igreja do Carmo e a cabeça na Fonte do Ribeirão. Segundo a estória, quando a cabeça encontrasse a cauda, a Ilha de São Luís afundaria. “Inventou-se essa lenda porque essas galerias maiores, as de 1500 metros, eram usadas por contrabandistas e, às vezes, para fuga de escravos fujões, e também para encontros amorosos. Então, pra evitar que as pessoas usassem essas galerias, criaram lendas desse tipo. Essa é uma das explicações”, elucida Rodrigo.
Ainda sobre as galerias, sobre o burburinho de que os padres as utilizavam, pois, após a realização da missa na Igreja da Sé, rapidamente apareciam na Igreja do Carmo, sem serem vistos caminhando pelas ruas da cidade, Rodrigo diz que foi desmistificado. “Durante a reforma [Projeto Reviver], não foi encontrado nenhum tipo de galeria ligando as duas igrejas”, afirma ele.
Lenda do Milagre de Guaxenduba
A lenda narra um episódio miraculoso ocorrido durante o principal combate entre portugueses e franceses, ocorrido no dia 19 de abril de 1614, no forte de Santa Maria de Guaxenduba, localizado na ilha de São Luís, próximo ao município de São José de Ribamar. Quando os portugueses estavam à beira da derrota, surgiu entre eles uma mulher envolta em auréola resplandecente. Com as mãos, ela transformou a areia em pólvora e os seixos em projéteis. Assim, os portugueses conseguiram vencer a batalha.
“O contexto histórico da Batalha de Guaxenduba e da lenda é a contrarreforma. A Igreja Católica tinha perdido muitos fiéis com a reforma protestante. O protestantismo estava crescendo, arrebanhando muita gente. Então era interessante para ela [Igreja Católica] divulgar milagres”, explica Rodrigo.
Em homenagem a Nossa Senhora, a quem foi atribuído o milagre, a Igreja da Sé foi denominada Igreja Nossa Senhora da Vitória.
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