São Luís que não dorme

Trabalhadores noturnos relatam a sua rotina diária de serviço

Luta contra o sono e a insegurança são algumas das dificuldades a serem superadas para cumprir o turno diferenciado de trabalho

Jock Dean / O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h55

[e-s001]O dia é dividido em três turnos. Os períodos da manhã e tarde são reservados para o trabalho e a noite para o descanso. Certo? Não para todos. O horário comercial no Brasil está convencionado de 8h às 18h, mas existe uma grande parcela de profissionais que invertem a ordem comum da sociedade e trabalha, enquanto os outros estão dormindo. Para eles, a rotina é diferente e é preciso disciplina para se enquadrar em outras atividades sociais. Na madrugada de sexta-feira, dia 4, O Estado percorreu as avenidas da cidade em busca de personagens dessa São Luís que não dorme nem mesmo quando anoitece.

Mas diferentes dos grandes centros, a madrugada ludovicense não oferece tantos serviços para a população. Então, foi preciso quase ir à caça, pois nem todos os profissionais da noite estavam dispostos a contar como é sua rotina de trabalho. Se tem estabelecimentos que não param nem mesmo à noite, são os postos de combustíveis. E foi em um deles que encontramos Adilma Nunes dos Santos, que é frentista há um ano na Avenida dos Holandeses - ela pediu que o nome do posto não fosse divulgado por segurança.

E ela tem por que temer. "Este ano, no Sábado de Carnaval, fomos vítimas de um assalto", contou. Dedicada em fazer seu trabalho, Adilma Nunes dos Santos nem desconfiou da ação. "Era mais ou menos 1h30. Eu estava abastecendo um carro quando chegou uma motocicleta. O motoqueiro esperou o carro sair, se aproximou da bomba e, quando eu acabei de abastecer, ele anunciou o assalto, levando toda o dinheiro que tínhamos", informou. O assaltante disse que estava armado, mas não mostrou o revólver a ela, que entregou a renda do posto sem questionar. "Nossa profissão é um perigo. Não iria perder meu tempo discutindo", frisou, afirmando ainda que a ronda policial é constante na área.

Necessidade - Apesar do risco, ela prefere, ou melhor, precisa trabalhar à noite. "Tenho marido e dois filhos. A mais nova tem 7 anos e depende totalmente de mim. Meu filho e marido trabalham durante o dia e ela não tem quem a leve para a escolar, quem faça o almoço e fique com ela durante o dia. Pela noite, ela fica com o pai e irmão. Por isso, para mim, trabalhar à noite é o ideal", explicou a ex-vendedora de loja de shopping.

“O que mais vemos na madrugada de trabalho é acidente de trânsito. Uma vez, eu ajudei uma garota que se acidentou. Felizmente, não foi nada grave"Adilma Nunes dos Santos, frentista

Mas o trabalho noturno não chega a ser tão cansativo, ainda que seu turno seja das 19h às 7h. "O maior movimento é até a meia-noite. Depois disso, a gente passa a maior parte do tempo esperando alguém passar para abastecer. Só depois das 6h o movimento aumenta", disse. Para passar o tempo, ela e o companheiro de jornada batem papo, assistem televisão e observam o movimento da via. Em frente ao posto, há uma lanchonete que funciona quase toda a madrugada. "Mas o que a gente mais vê são acidentes de carro, principalmente sexta-feira e sábado", revelou.

[e-s001]Medicando 24h - Depois da conversa com Adilma Nunes dos Santos, O Estado voltou a rodar pela cidade. A nova parada foi em uma farmácia 24 horas na Daniel de La Touche, onde o gerente ficou tímido diante da câmera. Na Jerônimo de Albuquerque, outra farmácia que atende durante a madrugada, e mais uma vez os funcionários preferiram continuar seu trabalho em silêncio.

Felizmente, um pouco mais adiante, no Retorno da Forquilha, Antônio Carlos Rodrigues da Silva, atendente de outra farmácia 24 horas, aceitou falar sobre seu trabalho. "Eu trabalho aqui há apenas cinco meses, mas me acostumei rápido à rotina. Fico na farmácia das 19h às 8h", disse. Ao longo da madrugada, o estabelecimento recebe principalmente mães com filhos doentes. "A maioria dos pacientes, acho que uns 80%, são crianças com febre e garganta inflamada", informou.

Uma dessas mães é Edinete Oliveira, que apareceu na farmácia à 1h em busca de remédios para um dos seus filhos. "Ele precisou ir ao hospital porque estava com febre desde cedo e o médico disse que ele deveria começar a tomar a medicação ainda hoje. Eu já morei aqui perto e conhecia a farmácia. Então, mesmo morando um pouco longe agora, vim direto aqui", afirmou.

Mas é preciso ter muita concentração para trabalhar no horário em que se deveria estar dormindo. "Quando dá 2h, bate aquele sono, e esse horário praticamente não temos movimento. Sinto uma vontade de dar uma cochilada rápida, mas eu não posso dormir. Então, aguento", disse. A cafeteira em cima do balcão ajuda a manter os olhos bem abertos, sobretudo no fim de semana. "É que tem muita gente voltando do bar, da balada e compra remédio para enjoo, para dor de cabeça", contou.

Seguindo pela Jerônimo de Albuquerque caminho ao Turu, duas cenas chamaram a atenção. A primeira foi a grande quantidade de funcionários em um supermercado quase às 2h. Sabe quando você vai de manhã ao supermercado para comprar alguma coisa e acha tudo limpo e organizado? É porque dezenas de pessoas passaram a madrugada varrendo, lavando, repondo mercadorias nas prateleiras. Mas não foi possível acompanhar o trabalho. Um pouco mais à frente, um técnico mexia na fiação de um poste e após concluir seu trabalho disse do que se tratava.

Luan Máximo Luzeiros trabalha em uma empresa de TV a cabo e sua função é garantir que os clientes consigam utilizar o serviço na manhã seguinte. "Eu fico de plantão das 23h às 7h. Quando a central informa que há um problema na rede, eu e meu companheiro de trabalho nos deslocamos até o local para fazer o reparo. Temos de concluir o trabalho ao longo da noite para que o cliente utilize a TV ou acesse a internet sem problemas no dia seguinte", explicou.

Concluído o reparo, eles voltam para a base, onde aguardam um novo chamado. "Tem noites que são bem tranquilas e outras que são muito corridas. Quando começamos o plantão, de acordo com a equipe do dia, nós já sabemos se teremos uma madrugada corrida ou calma", comentou o técnico da empresa de TV a cabo. Terminado o trabalho na Cohab, eles já tinham outro chamado para resolver, na Cohama. E assim seguiu a madrugada.

DIREITOS DO TRABALHADOR NOTURNO
A lei protege quem faz horário noturno
, e o trabalhador deve estar atento a seus direitos. O horário caracterizado como trabalho noturno é das 22h às 5h. Aqueles que cumprem essa carga estão regidos pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) e têm direito ao adicional noturno de no mínimo 20% e a hora noturna fecha em 52 minutos e 30 segundos. Isso significa que se trabalha menos horas, mas se ganha como se trabalhasse 8 horas com adicional.

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