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COLUNA
Rogério Moreira Lima
Engenheiro e professor, foi coordenador Nacional da CCEEE/CONFEA e vice-presidente CREA-MA (2022). É membro da Academia Maranhense de Ciência e diretor de Inovação na Associação Brasileira de
Rogério Moreira Lima

Cardozo, a Luz e o Concreto: Os 65 Anos da Cidade que Virou Poesia Estrutural

Joaquim Maria Moreira Cardozo (1897–1978) foi um dos mais brilhantes engenheiros estruturais do Brasil e um poeta de rara sensibilidade.

Rogério Moreira Lima

Atualizada em 21/04/2025 às 14h43
Joaquim Maria Moreira Cardozo
Joaquim Maria Moreira Cardozo

Joaquim Maria Moreira Cardozo (1897–1978) foi um dos mais brilhantes engenheiros estruturais do Brasil e um poeta de rara sensibilidade. Sua genialidade no cálculo estrutural foi decisiva para que as ideias ousadas de Oscar Niemeyer saíssem do papel e se tornassem realidade. Sem seus cálculos precisos, as curvas arrojadas e os traços esculturais do arquiteto seriam apenas esboços visionários, sem sustentação no mundo real. A genialidade de Niemeyer encontrou, na poesia estrutural de Cardozo, a parceria perfeita para transformar arte em concreto.

No dia 21 de abril de 1960, Brasília foi oficialmente inaugurada, concretizando um projeto audacioso que transformou o Cerrado em um símbolo de modernidade e inovação arquitetônica. Hoje, ao celebrarmos os 65 anos da capital federal, é impossível não reconhecer o papel crucial de Joaquim Cardozo na concretização desse sonho.

Engenheiro civil formado pela Escola de Engenharia de Pernambuco, Cardozo dominava como poucos a resistência dos materiais e a distribuição de cargas. Foi ele o responsável pela estruturação de obras icônicas, como o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e a Catedral de Brasília, cada uma apresentando desafios estruturais inéditos que exigiam soluções matemáticas sofisticadas. A complexidade dos edifícios projetados por Niemeyer exigia cálculos extremamente precisos, pois suas formas inovadoras não seguiam padrões convencionais. São de Joaquim Cardozo os cálculos estruturais da maioria dos prédios icônicos da capital federal.

Mas Cardozo não era apenas um engenheiro genial; era também um poeta refinado. Sua obra literária explorava, com sensibilidade e precisão, as relações entre o espaço, o tempo e a existência, elementos que também marcavam sua abordagem na engenharia. Sua poesia e seus cálculos compartilhavam o mesmo rigor técnico e estético, refletindo sua visão singular de mundo. Muito ligado a Manuel Bandeira e ao próprio João Cabral de Melo Neto, Cardozo foi eleito para a Academia Brasileira de Letras.

João Cabral de Melo Neto escreveu um belo poema em homenagem a Cardozo, associando sua luz à de Velázquez, o pintor barroco cuja obra influenciou o realismo e o impressionismo:

"Escrever de Joaquim Cardozo/ só pode quem conhece/ aquela luz Velázquez/de onde nasceu e de que escreve / A luz que das várzeas da Várzea/ onde nasceu, redonda /vem até o ex-Cais de Santa Rita/ que viveu: luz redoma, / luz espaço, luz que se veste, / leve como uma rede, / e clara, até quando preside/ o cemitério e a sede".

O que seria da luz de Brasília sem seu traçado e o concreto armado em meio ao Cerrado? A luz de Cardozo veio do Recife, mas encontrou seu espaço nos cálculos dos grandes palácios que fazem do Plano Piloto uma cidade única e, até hoje, futurista.

Joaquim Cardozo nasceu no bairro do Zumbi, no Recife, em 26 de agosto de 1897. Era filho do bibliotecário José Antônio Cardoso e de Elvira Moreira Cardoso. Foi no Ginásio Pernambucano do Recife, para onde viajava todos os dias de trem, pois morava em Jaboatão, que se aventurou pela literatura no jornal O Arrabalde. Sua poesia Os mundos paralelos reflete a vida dupla de poeta apaixonado e frio calculista de grandes espaços vazios sob concreto:

"Todos os meus atos são atos reflexos/ No projetivo espelho tempo/espaço, no fechado não denso / Correspondência injetiva, deprimente, fria, de interno entorno (...)/ No que aqui é doce, no paralelo é amargo".

Vivia em um mundo só seu, como acontece com muitos em Brasília.

A história de Joaquim Cardozo é um exemplo emblemático da importância do conhecimento matemático e da precisão técnica na engenharia. A complexidade da Engenharia Estrutural exige domínio de conceitos avançados, como Álgebra Linear, Equações Diferenciais, Análise de Fourier, Teoria Membranal, Análise Tensorial e Análise Variacional. Esses fundamentos são indispensáveis para o desenvolvimento de projetos seguros, eficientes e compatíveis com as exigências modernas da construção civil.

A Álgebra Linear é essencial para resolver sistemas de forças e deslocamentos, garantindo a estabilidade das estruturas. Ela fornece as bases matemáticas para o cálculo matricial, utilizado na análise de estruturas hiperestáticas. Os edifícios projetados por Niemeyer, caracterizados por vãos livres e formas curvilíneas, exigiam um rigoroso estudo das matrizes de rigidez e das interações entre elementos estruturais. Sem esse domínio, não seria possível analisar corretamente a redistribuição de esforços em sistemas com múltiplos apoios e ligações complexas.

As Equações Diferenciais são fundamentais para a modelagem do comportamento dinâmico das estruturas. Elas permitem prever como uma estrutura irá reagir ao longo do tempo frente a carregamentos variáveis, como vento, sismos ou tráfego. Esses modelos foram essenciais para construções como a Catedral de Brasília, o Congresso Nacional e os palácios governamentais, onde a forma arquitetônica exigia precisão no controle de deformações, vibrações e deslocamentos.

A Série de Fourier e a Transformada de Fourier são amplamente utilizadas para a análise de vibrações, propagação de ondas e estudos estruturais. As Séries de Fourier permitem descrever o comportamento oscilatório de elementos estruturais, como vigas e pontes, submetidos a cargas periódicas. Já a Transformada de Fourier é empregada para identificar frequências naturais e ressonâncias, sendo decisiva na prevenção de falhas por fadiga e na elaboração de estratégias de controle vibracional em estruturas esbeltas ou longas.

A Teoria Membranal é aplicada na análise de estruturas finas submetidas a tensões normais em seu plano, como cascas, placas e superfícies curvas. Considerando os esforços de flexão desprezíveis, essa teoria possibilita a modelagem eficiente de elementos como silos, reservatórios, cúpulas e coberturas de grandes vãos. 

A Análise Tensorial fornece as ferramentas matemáticas para descrever o estado tridimensional de tensões e deformações em materiais e estruturas. Utilizando tensores, é possível representar grandezas físicas que variam conforme a direção, permitindo uma análise precisa de elementos submetidos a esforços combinados. Esse tipo de análise é especialmente útil em zonas críticas, como apoios, ligações e regiões com mudanças abruptas da geometria diferencial.

A Análise Variacional complementa esse conjunto ao oferecer os fundamentos teóricos para a formulação e solução de problemas estruturais complexos. Baseada no princípio da energia potencial mínima, essa abordagem permite derivar equações diferenciais de equilíbrio de forma geral, sendo a base conceitual do Método dos Elementos Finitos (MEF). Com ela, é possível realizar simulações que consideram materiais heterogêneos, carregamentos dinâmicos e geometrias irregulares com grande precisão.

A maioria das obras projetadas por Joaquim Cardoso são em concreto armado e concreto protendido onde garantiu-se a estabilidade em elementos com geometrias curvas. Tal fato foi possível a partir dos conceitos de Resistência dos Materiais, além das propriedades físicas e mecânicas no caso as do Concreto Armado que são essenciais pois com a resistência característica do concreto dosado além da do vergalhão de aço usado no concreto armado, tem-se como verificar a segurança quanto à ruptura e deslocamentos excessivos, no qual são denominados nas normas brasileiras como Estados Limites. A implantação de elementos esbeltos, delgados com grandes vãos vencidos (mais de 10 metros) foi possível a partir do conhecimento das propriedades deste materiais.

A integração entre essas áreas permite à engenharia estrutural aliar rigor matemático, precisão física e tecnologia computacional, proporcionando soluções inovadoras, seguras e duráveis para os desafios da construção civil contemporânea. E impressiona saber que o engenheiro Joaquim Cardozo, responsável pelos cálculos das mais ousadas estruturas de Brasília, realizou todos esses estudos manualmente, em uma época em que não se dispunha de computadores. Cada cálculo era feito à mão, com papel, régua e tabelas, exigindo não apenas profundo domínio técnico, mas também uma disciplina intelectual admirável e uma precisão que hoje seria atribuída a softwares avançados.

Joaquim Cardozo não apenas garantiu a viabilidade estrutural de Brasília, mas também provou que a engenharia e a arte podem coexistir de forma harmoniosa. Seus cálculos deram vida ao traço de Niemeyer, permitindo que Brasília se tornasse um marco arquitetônico global.

Ao comemorarmos os 65 anos da capital federal, devemos lembrar que, por trás da grandiosidade de seus monumentos, há a precisão matemática de um engenheiro-poeta, cuja obra transcende números e concreto, iluminando a cidade que ajudou a construir.

Artigo elaborado em colaboração com o Eng. Civ. Mikhail Luczynski, Mestre em Engenharia Civil/Estruturas pela UFPA, professor de Engenharia Civil da UFMA

 

Fontes:

[1] Azedo, Luiz Carlos. Análise: a luz do poeta Joaquim Cardozo na arquitetura de Brasília. Correio Brasiliense, 2024, disponível em https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2024/04/6842083-analise-a-luz-do-poeta-joaquim-cardozo-na-arquitetura-de-brasilia.html

[2] Relatos do Prof. Adelino Valente

[3] Relatos do Eng. Civ. Jófilo Moreira Lima Júnior 

 

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