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Coluna do Sarney
José Sarney é ex-presidente da República.
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A longa visita do Aedes brasilicus

Apesar de muita pesquisa a cura da dengue ainda não chegou, mas descobrimos vacinas, em breve teremos até a nossa caseira.

José Sarney

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Há muitos anos contei como o aegypti abrasileirou-se. Naqueles tempos pré-pandêmicos lembrei uma reunião do InterAction Council que relacionara as doenças desconhecidas como ameaça ao futuro da humanidade. Uma delas, vestida de Covid-19, veio e ficou. Mas mais longa é a visita do Aedes brasilicus.

O bichinho é danado. Africano, tornou-se brasileiro cedo. Trouxe nossas primeiras epidemias, de febre amarela de 1685, no Recife, e de 1686, em Salvador, com alguns milhares de mortos. No século XX, Rodrigues Alves convocou Osvaldo Cruz para fazer uma revolução sanitária no Rio de Janeiro. A cidade era só epidemia: peste, cólera, varíola, febre amarela, malária. Os mata-mosquitos de Osvaldo Cruz zeraram a morte por febre amarela em 1909. Em 1955 o Aedes foi erradicado no Brasil. Mas ele reapareceu em 67, no Pará. Lutamos com toda a força em meu governo. Logo depois, em 1990, a Sucam foi extinta, e com ela se foram os mata-mosquitos. Naquele ano passaram de 100 mil os casos de dengue. De lá para cá os números milionários se sucedem. 

O único caminho é a erradicação do mosquito. Já se avançou muito na produção de mosquitos estéreis, boa ideia surgida sem dúvida da má ideia de esterilizar as pessoas, que nos faz hoje termos um gigantesco problema demográfico pairando em nosso futuro. Mas não é solução mágica, como não basta acabar com as larvas. Durante as epidemias, é preciso atingir a forma alada — “adulta” —, pois o mosquito continua infectando durante toda a sua vida, de um mês e meio a dois meses. Para um e outro controle, ponto a ponto, não basta conscientizar a população, das capitais e do interior, para que elimine os pontos de água parada, ou pedir que use mosquiteiros, roupas que cubram todo o corpo, repelentes. Temos que mobilizar corpos profissionais com a única tarefa de combater o Aedes aegypti e os outros vetores de doenças tropicais, Anopheles (os impaludistas), Aedes albopictus (outro dengoso) etc.

A Sucam fora criada em 1970 para reorganizar os mata-mosquitos, arregimentados desde 1903 por esse gigante que foi Osvaldo Cruz. Os mata-mosquitos, espalhados pelo Brasil inteiro, batiam de porta em porta, furavam latas, limpavam depósitos, borrifavam fumaça, sabiam o que fazer. Já perguntei, mas não ofende repetir: por que não voltar o mata-mosquito, um corpo de funcionários públicos que só acumulou vitórias? É saudosismo? Pode ser. Mas deu certo.

O presidente Rodrigues Alves, tão receoso das epidemias que vivia em sua cidade natal, Guaratinguetá, pensando estar longe delas, morreu de gripe espanhola. Essa gripe foi devastadora, matou — quem sabe? — 100 milhões de pessoas no mundo. Ora, direis, naquela época… A gripe suína de 2009 matou 400 mil. A Covid, sete milhões (e o Brasil sempre naquela conta perversa da morte lhe dar preferência: com 3% da população mundial, sempre temos 10% das vítimas fatais). E no dia a dia, entra ano sai ano, vão-se outros 500 mil com as gripes “comuns”.

Falamos de morte e — como no caso da dengue, da chicungunha e da Zika — de muito sofrimento (sem falar nos casos delicadíssimos e trágicos da microcefalia). Às vezes com repetições. Tive malária três vezes, sei o que foi. O velhíssimo impaludismo, transmitido pelos Anopheles, apesar dos grandes progressos comandados pela OMS ainda é talvez a coisa mais perigosa do mundo: as estatísticas mundiais chegaram a 250 milhões de casos, com 600 mil mortes, em 2022 — claro que a pandemia provocada por bala &cia é sempre a maior vilã. 

Apesar de muita pesquisa a cura da dengue ainda não chegou, mas descobrimos vacinas, em breve teremos até a nossa caseira. Sempre fui a favor das vacinas, promovi as “vacinações num só dia” para acabar com varíola no Maranhão, há mais de meio século; meu governo criou o Zé Gotinha. Nossa história com as vacinas é bem-sucedida e antiga, a primeira vacinação no Brasil é de 1804 e em 1811 já tínhamos uma “Junta Vacínica”.

Mas essas vacinas transitórias — é difícil fazer a conta das contra a Covid que tomei, imagine as contra a gripe — têm, além da limitação do tempo, a dos vetores. Com craques que jogam em todas as posições, como o Aedes brasilicus, o caminho certo é erradicar o mosquito. Vale para os Anopheles, vale para o Aedes. Ambos brasileiríssimos, migrantes de enésimas gerações, mas vamos esquecer há quanto tempo estão aqui e mandá-los para as profundezas do Tártaro: Cérbero que os mantenha lá.

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