Robôs dominarão o mundo?
Com a revolução da inteligência artificial seria possível aparecer um “exterminador do futuro”?
Superestimamos a ameaça de uma subjugação por inteligência artificial (IA), confundindo inteligência com o desejo de dominação – ou a ânsia por poder. Hoje muitos temem que a capacidade das máquinas possa em breve alcançar ou superar a humana, criando a possibilidade de que elas se voltem contra nós e nos substituam como a principal forma de vida na Terra. Há mesmo o receio de que nossas próprias criações possam nos dominar ou mesmo nos extinguir.
Esta confusão é compreensível, dado que, em nossa história evolutiva, a inteligência foi essencial para o domínio social e sucesso reprodutivo. Enquanto isso, a inteligência se tornou uma força atuante na sociedade, mas não creio que tenha necessariamente o impulso de dominar o outro. Bom lembrar também que a IA não tem tampouco um "instinto de sobrevivência" no sentido biológico.
No livro "O Erro de Descartes", António Damasio aborda importantes questões relacionadas à associação entre emoção e razão. Damasio argumenta que as emoções desempenham um papel crucial na tomada de decisões ditas “racionais”, desafiando a visão tradicional de que emoção e razão são separadas. Ele utiliza pesquisas científicas e estudos de casos clínicos para ilustrar como as emoções afetam nossa capacidade de tomar decisões.
O livro também explora questões relacionadas à consciência e à identidade, argumentando que as emoções desempenham um papel fundamental na construção do nosso senso de “self” e na nossa interação com o mundo. Damasio defende a ideia de que as emoções não são obstáculos para a razão, mas sim componentes essenciais do processo de tomada de decisões.
Existem, certamente, riscos associados à IA. Por exemplo, a possibilidade de uma disrupção na economia ou o uso indevido por agentes maliciosos, como tem sido usado largamente na política. Mais ainda, devemos nos preocupar com o fato de que haverá um aumento gigantesco no consumo de energia para treinar os algoritmos. No entanto, o que mais preocupa as pessoas é a ideia de robôs poderosos decidindo dominar o mundo por vontade própria. A questão é: por que uma IA consciente desejaria dominar o mundo?
Em artigo na revista Scientific American, Anthony Zador e Yann LeCun defendem que a inteligência é a capacidade de adquirir e aplicar conhecimento e habilidades para alcançar objetivos. Já a inteligência natural evoluiu como uma adaptação sob seleção natural, melhorando a sobrevivência e propagação das espécies. Ora, os sistemas de IA, não tendo passado pela seleção natural, não desenvolvem instintos de sobrevivência.
Os dois autores lembram que, se evoluíssemos de outra espécie como orangotangos ou elefantes, poderíamos ver a inteligência mais como um facilitador de cooperação do que de domínio. Elefantas asiáticas, por exemplo, vivem em grupos cooperativos sem hierarquias claras de dominação, enquanto os machos lutam por domínio. Os orangotangos são em grande parte solitários. Enquanto isso, as fêmeas não buscam poder, embora os machos lutem pelo acesso às fêmeas.
Essas e outras observações sugerem que o comportamento de busca de dominação talvez esteja mais relacionado à testosterona do que com a inteligência. Mesmo entre os humanos, não há evidências de uma relação direta entre inteligência e poder.
Os instintos de sobrevivência em organismos vivos muitas vezes estão ligados a estados emocionais, como medo, fome, sede e desejo de proteger a própria prole. A IA não possui consciência, emoções ou estados subjetivos. Ela não é capaz de sentir medo, fome ou qualquer outra emoção, e, portanto, não tem a base biológica necessária para desenvolver instintos de sobrevivência porque, como defende Damasio, precisaria de emoção para ser sábia, ética ou o contrário, perversa.
Em resumo, a IA não possui instinto de dominação porque é uma criação humana, não é um organismo vivo, não passou por processos evolutivos naturais e não possui a capacidade de experimentar raiva, contrariedade, empatia ou o estágio avançado que é a consciência. Seu comportamento é estritamente determinado por sua programação e seus objetivos definidos por seus criadores.
* Allan Kardec Duailibe Barros Filho, PhD pela Universidade de Nagoya, Japão, professor titular da UFMA, ex-diretor da ANP, membro da AMC, presidente da Gasmar.
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