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COLUNA

Marcos Silva
Marcos Silva Marcos Silva é assistente social, historiador e sociólogo.
Marcos Silva

Água, um direito humano inalienável, não pode ser entregue ao mercado

Se a modernidade nos trouxe as leis assegurando o direito à vida como um direito inalienável, então, sem água não existe vida, portanto, o direito à água deve também ser um direito inalienável.

Marcos Silva

Atualizada em 29/08/2023 às 15h18

Afirmar que a água é imprescindível ao desenvolvimento e manutenção da vida e, portanto, é um direito humano, parece ser redundante. O que precisamos é buscar meios que possam proteger e garantir o acesso à água potável, a todas as pessoas. Conforme Camdessus et al. (2005), no século XX foram mortas, por ano, mais de 800 milhões de pessoas em função de problemas de saúde resultantes do uso da água em condições inadequadas. Por outro lado, os autores reconhecem que existe uma má distribuição geográfica da água, pois essa situação se comprova por meio da escassez enfrentada em diversas regiões do globo, quando para outros a população enfrenta até o caos com constantes alagamentos, o excesso é grande.

Tal situação produz traumas criados pelos danos materiais e por vidas interrompidas em função das enchentes nas grandes cidades. Assim como nas regiões de escassez, o resultado é o sofrimento das pessoas na procura de água para a higiene e a nutrição. É urgente a necessidade de sensibilização das pessoas para abrir os olhos para os problemas oriundos das atitudes antrópicas, então orienta para a informação de que a água doce não é um bem infinito.

Ribeiro (2008) afirma que já foram realizadas diversas reuniões internacionais com o objetivo de regulamentar o uso da água de forma institucionalizada, entretanto ainda não se conseguiu um instrumento formal global, visto que existem simplesmente algumas intenções de pactos sobre o tema. No entanto, o que parece é que são voltados para a busca de criar valor econômico (valor de troca) sobre a água como forma de enfrentar a escassez em algumas localidades e, principalmente, nos países com maior desenvolvimento industrial.

Conforme destaca Ribeiro (2008), no ano de 1977, em plena disputa entre o bloco capitalista e o bloco socialista, conhecida historicamente como Guerra Fria, foi realizada, na Argentina, a Conferência de Mar Del Plata, sob a coordenação e responsabilidade da Organização das Nações Unidas. Reuniu-se uma grande quantidade de representantes de países para discutir, pela primeira vez, sobre a questão da água. Tal atividade teve dois resultados importantes, ou seja, o plano de ação e a década internacional da água que foi instituída no referido evento.

A partir dessa conferência vários países se comprometeram basicamente com recomendações que visavam à eficiência no uso da água, também estabeleceram programas e projetos sanitários no sentido de garantir a despoluição das águas e obter um melhor padrão de saúde humana, além do uso de planejamento, pesquisa e educação ambiental sobre os empregos dos recursos hídricos e as cooperações regionais e internacionais. Ademais, foram estabelecidos os acordos que levariam aos países membros a busca de políticas públicas de abastecimento de água, de forma que até 1990, a maioria das populações do globo deveria ter acesso a tais serviços públicos de abastecimento de água, ou seja, como visto é uma longa história.

Outro importante aspectos foi à Resolução da ONU nº 35/18, de 10 de novembro de 1980, que para o período de 1981 a 1990 estimula investimentos de mais de 100 bilhões de dólares para o provimento do acesso ao abastecimento de água potável a uma população de 1,3 bilhão de pessoas no mundo, e esgotamento sanitário para uma população de 750 milhões de habitantes (RIBEIRO, 2008). O problema é que:

[...] depois de mais de 30 anos da realização do evento de Mar Del Plata, as metas de acesso à água e saneamento a todos estão sendo proteladas. Tal afirmação comprova o resultado da ineficiência dos governos na implementação de políticas públicas de abastecimento de água e esgotamento sanitário, além do desejo de deixar à disposição do setor privado a realização dos investimentos e operação dos sistemas (RIBEIRO, 2008, p.78).

Pode-se perceber por meio dos indicadores que realmente os objetivos de Mar Del Plata ainda estão longe de serem alcançados. Nesse caso, uma grande parte da população ainda continua com falta do acesso ao abastecimento de água potável, ou quando existe, é precário.

Em conformidade com o trabalho de Riva (2016), já em 1985 autoridades internacionais cogitaram as possibilidades de uma terceira guerra mundial relacionada ao uso da água. O autor também diz que a ONU estima que em 2025 possa existir 1,8 bilhões de pessoas habitando regiões com escassez hídrica e 2/3 da população mundial em áreas de estresse hídrico. O autor ainda garante que a escassez de água coloca as pessoas em disputas pelo líquido e leva a vários conflitos. 

De maneira que o autor também diz que as metas do objetivo do milênio de levar água potável para 77% da população mundial não foram alcançadas, e que a última medição ficou em 68%. Assim, verifica-se o desafio de tornar esse direito humano em uma realidade para todos (ONU, 2014, tradução nossa).

Portanto, um dos elementos importantes têm sido as tentativas de ampliação das discussões sobre o tema meio ambiente que envolve a questão dos usos múltiplos dos recursos hídricos e a defesa do meio ambiente. De acordo com Ribeiro (2008), foram realizadas algumas atividades internacionais entre reuniões e conferências que beneficiam a discussão sobre a questão da água, entre as quais se destacam:

  1. Conferência de Mar Del Plata, realizada em 1977, foi a pioneira em termos de atividade multilateral com uma participação mais global realizada sob a Organização das Nações Unidas e que enfocou a problemática da água;
  2. A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, aconteceu no Rio de Janeiro, em 1992, e se posicionou a favor dos interesses dos países desenvolvidos. Constituiu A Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento e a Agenda 21;

c)    Conferência Internacional sobre Água e Meio Ambiente, realizada em 1992, em Dublin, Irlanda. A conferência formulou um plano de ações para as próximas décadas que se basearam em princípios democráticos e socioambientais;
d)    Conferência Internacional da Água e Desenvolvimento Sustentável aconteceu em Paris, na França, no ano de 1998 e foi realizada pela UNESCO.  A declaração ministerial construída nesse evento teve como foco máximo a sustentabilidade no uso da água.

e)    Conferência da Água das Nações Unidas de 2023 ocorreu na sede da -ONU em Nova York, de 22 a 24 de março de 2023, com a abertura no dia 22, conhecido como o Dia Mundial da Água.

Pode-se dizer que, apesar de existirem algumas iniciativas importantes do ponto de vista internacional visando à discussão sobre a gestão dos recursos hídricos e os múltiplos usos, a questão da água no planeta ainda carece de uma maior preocupação do ponto de vista de compreender que esse líquido é parte da vida e pode ser perigosa a sua transformação em um mero instrumento de lucro para os capitalistas, ou seja, ser ofertado como um produto de mercado. Água precisa ser entendida como um direito fundamental, um dos mais dignos direitos humanos.

Se a modernidade nos trouxe as leis assegurando o direito à vida como um direito inalienável, então, sem água não existe vida, portanto, o direito à água deve também ser um direito inalienável. Neste sentido, Riva (2016) diz que a Declaração Universal dos Direitos Humanos em seu artigo 25 assegura que todos têm direito a um padrão de vida capaz de assegurar o bem-estar social e a saúde plena. O que nos leva a entender que o acesso à água é elemento fundante da existência da plena cidadania.

Assim sendo, é entendido que a distribuição de água potável para as populações urbanas e rurais para o uso doméstico, na higiene e nutrição, é de grande importância social, também assegurar os recursos hídricos suficientes para agropecuária, agricultura, comércio e indústria, além do uso nos serviços públicos deve ser uma das mais nobres tarefas da gestão pública em todas as nações.

Conforme expõe Moraes (2018), o acesso ao direito de uso da água é a base fundamental de garantias dos direitos humanos. Esse autor afirma que a ONU orienta as organizações e os Estados membros a viabilizarem recursos financeiros e tecnológicos para a garantia do uso da água potável com preços razoáveis e com qualidade, quantidade e regularidade em todos os países, a todas as pessoas, independente de classes sociais.

Portanto, o debate entre a exploração dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário deve-se levar em consideração os direitos humanos. Pois é sabido que o saneamento básico embora seja uma importante política pública, mas não possui fundos públicos igualmente as políticas públicas de saúde e de educação. Portanto, a sustentabilidade se dá por meio da cobrança de taxas e tarifas.

Assim é importante a instituição de estruturas de governança dos recursos hídricos e do saneamento para garantir uma gestão que ampliei a cidadania e reduza as desigualdades na oferta e distribuição dos serviços de saneamento básico (abastecimento de água, esgotamento sanitário, drenagem de águas pluviais e resíduos sólidos). Planejamento com diagnósticos e prognósticos rumo a implementação de metas universalizantes, instituição de tarifas acessíveis às condições da população e a implantação de tarifas sociais para as famílias em condições de extrema pobreza.

O governo Lula não pode ceder às pressões do mercado e deve fazer todos os esforços para romper a lógica privatista do novo marco regulatório contido na lei 14.026/2020. O capital pode participar nas condições de parceiros com as Parceiras Público e Privado e complementando os sistemas na qualidade de serviços terceirizados. Qualquer caminho que leve os serviços de saneamento básico para a escuridão do mercado. Pois será uma medida neoliberal e que só vai contribuir para a expansão das desigualdades econômicas e sociais no Brasil.

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