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Coluna do Sarney
José Sarney é ex-presidente da República.
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O poeta dos Timbiras

Mestiço, filho natural, baixinho — “pequeno, baixo, ligeiro”, disse Machado de Assis quando o viu —, baixíssimo — chamava a si mesmo de Tom Thumb.

José Sarney

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Aproxima-se o bicentenário de nascimento de Gonçalves Dias. Haverá festa, aqui e ali, mas não vejo programada a grande homenagem que o Brasil deve a seu primeiro grande poeta. 

Ele morreu muito moço, afogado, quando chegava de volta ao Maranhão. Voltava para morrer de vários males, o principal a tuberculose, e estava já agonizante. Na véspera, avistada a linha da costa, pedira que o levassem ao convés para ver seu Brasil, seu Maranhão — e desmaiou de emoção!

Mestiço, filho natural, baixinho — “pequeno, baixo, ligeiro”, disse Machado de Assis quando o viu —, baixíssimo — chamava a si mesmo de Tom Thumb, nome de famoso anão de circo — essas condições que tinha sempre presente não o tolheram, com a única exceção da vez que mais importava, quando pediu a mão de Ana Amélia. Por trás dos modos que chocaram as populações do Ceará quando lá foi com uma Comissão Científica havia um pesquisador da maior responsabilidade. Suas observações etnográficas sobre o Nordeste e a Amazônia são preciosas. 

Os curtos 41 anos de sua vida mostram a pressa com que o fado o empurrou. Nascido nos arredores de Caxias, então Aldeias Altas, na época em que o Maranhão aderia à Independência, filho de uma mestiça com um português, órfão de mãe viva aos cinco anos — o pai “despediu” sua mãe —, órfão de pai aos 14 anos, aprende as primeiras letras aos sete anos, sob pancada; aos onze, estuda latim, francês e filosofia; morto o pai, seus admiradores o enviam para Coimbra; lá outros maranhenses lhe custeiam os estudos; aos 21 é bacharel em Direito e volta para São Luís. 

Traz na bagagem muitos textos, sobretudo poemas, entre eles a “Canção do Exílio”. Mais tarde Manuel Bandeira reclamaria da avaliação de José Veríssimo: “Versos quase sublimes.” “Por que o quase?” — perguntava. O retrato sem adjetivos não é do Maranhão, mas do Brasil, que tem todo ele as palmeiras onde canta o sabiá. É a certidão de emancipação de nossa literatura. 

Um dia vê, em casa de seu maior amigo, Alexandre Teófilo Leal, uma menina, uns “olhos negros, tão belos, tão puros”. Mas parte para o Rio. Torna-se professor, escreve em vários jornais. E escreve, escreve. Publica os Primeiros Cantos. Os primeiros do Brasil. Tem 23 anos. Quer “ser o primeiro poeta do Brasil, e, se houver tempo, o primeiro literato”. Alexandre Herculano atesta o desejo realizado. Publica os Segundos Cantos, Leonor de Mendonça, os Últimos Cantos

Escrevera o primeiro poema nacional contra a escravidão, “Meditação”: “E eu vi que esses homens tentavam desligar-se das suas cadeias, e que dos pulsos roxeados lhes corria o sangue sobre suas algemas.” Escreve sobre o indígena tendo como modelo os que conhecera ainda menino. Raimundo Lopes ressaltava que, por trás do idealismo que criava o símbolo irretocável da coragem no “Y-Juca-Pirama”, havia a precisão do conhecimento etnográfico. Mas o “Tu choraste em presença da morte? / Na presença de estranhos choraste? / Não descende o cobarde do forte…”, o “E à noite nas tabas, se alguém duvidava / Do que ele contava, / Tornava prudente: ‘Meninos, eu vi!’ são imortais.

Aos 28 anos volta a São Luís. Encontra Ana Amélia, os “olhos negros”. Amam-se profundamente. E a família amiga o rejeita. Supera a tentação de aceitar a oferta da amada de fugir com ele e, no Rio, casa-se com moça da corte, num casamento infeliz. Os inúmeros namoros nada significam: ao ver em Lisboa, em 1855, malcasada, pobre, infeliz, seus “olhos negros”, escreve os mais belos versos de amor da língua portuguesa: “Enfim te vejo! — enfim posso / Curvado a teus pés, dizer-te, / Que não cessei de querer-te, / Pesar de quanto sofri.” “Perdão da minha miséria, / Da dor que me rala o peito, / E se do mal que te hei feito, / Também do mal que me fiz!” “Negou-me nesta hora extrema, / Por extrema despedida, / Ouvir-te a voz comovida / Soluçar um breve Adeus!”

Foi incansável. Correu o Brasil e a Europa estudando o Brasil. Mas fixou a imagem do País como poucos o fizeram, e nenhum antes dele. Declarou nossa literatura independente da portuguesa. Declarou o direito de falarmos nossa língua do nosso modo. E fez nossa literatura nacional com a língua do Brasil.

Grande brasileiro. O pequenino Antônio Gonçalves Dias é um gigante como escritor e como brasileiro. O Brasil precisa prestar-lhe homenagens nacionais. 

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