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Coluna do Sarney
José Sarney é ex-presidente da República.
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A estrutura da Justiça

A minha primeira preocupação ao suceder a Tancredo Neves no dia 21 de abril de 1985, quando ele faleceu, foi com a própria essência do Estado de Direito, que me fez convocar, apenas dois meses depois, a Assembleia Nacional Constituinte.

José Sarney

Atualizada em 02/05/2023 às 23h38
 
 

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Ao longo de minha vida, fosse como Presidente da República ou no Parlamento, nunca abandonei minha preocupação com o Direito e a Lei, o que expressei não só em palavras, mas apresentando ou relatando centenas de projetos. Meu objetivo foi sempre a busca da Justiça Social, nas mais diversas formas, como ao relatar a Emenda nº 11, que acabou com o AI-5, ao propor a Lei de Proteção às Pessoas com Deficiência, a Lei da distribuição gratuita de remédios contra a AIDS, a reforma eleitoral para criação do voto distrital, a Lei de incentivo à cultura, que levou meu nome. Sempre digo que minha causa política foi a cultura. Mas, com a responsabilidade dos cargos que ocupei, não pude deixar de dedicar uma grande parte das minhas preocupações às questões básicas da Justiça.

A minha primeira preocupação ao suceder a Tancredo Neves no dia 21 de abril de 1985, quando ele faleceu, foi com a própria essência do Estado de Direito, que me fez convocar, apenas dois meses depois, a Assembleia Nacional Constituinte. O resultado foi a Constituição de 1988, que fui o primeiro a jurar e tem mostrado sua capacidade de superar grandes crises.

Um dos grandes desafios de nosso Direito foi a elaboração de seus códigos. Nabuco de Araújo lutou toda a sua vida para que o Código Civil fosse realizado, com a colaboração de Teixeira de Freitas, mas isso só ocorreu em 1916, com Clóvis Beviláqua. As profundas transformações da sociedade exigiram sua reforma desde cedo, mas só em 2002, depois de longa tramitação, foi possível reformá-lo.

O Código Penal, entretanto, que tivera sua forma original em 1830 e fora substituído pelo Decreto-Lei 2.848, de 1940, fora modificado pontualmente por inúmeras leis, enquanto surgiam leis penais extravagantes, fora do Código. Na década de 1970 foi elaborado um novo Código Penal, que nunca entrou em vigor. A partir de 1980 uma comissão formulou anteprojeto que resultou na Lei 7.209, de 1984, com revisão da Parte Geral do Código Penal. Em 2012 criei no Senado — por sugestão do Senador Pedro Taques — uma comissão de juristas presidida pelo Ministro Gilson Dipp, que resultou no PLS 236, que apresentei e continua até hoje em discussão, estando hoje, com o apensamento de dezenas de projetos, sob a relatoria do Senador Fabiano Comparato. Dizer que é urgente a conclusão desse trabalho e a aprovação de um novo Código Penal é apenas insistir no óbvio. Agora mesmo o DL 2.848/40 foi modificado para absorver a extinta Lei de Segurança Nacional.

O Código do Processo Penal, DL 3.689/41 — também é do tempo da ditadura Vargas. As várias tentativas de substituição, algumas apresentando vários projetos de lei simultâneos, foram infrutíferas. Em 2009 apresentei o PLS 156, resultado do trabalho de outra comissão de juristas, aprovado pelo Senado em 2010. Também ele aguarda até hoje a manifestação da Câmara dos Deputados. Em janeiro deste ano foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça e na Comissão de Combate ao Crime Organizado daquela Casa, e tenho esperança de que vá a Plenário.

O Código do Processo Civil teve melhor sorte. O CPC da era Vargas foi substituído pelo “Código Buzaid”, de 1973. Em 2009 criei também uma comissão de juristas, que resultou em projeto que apresentei em 2010 e na Lei 13105/2015. É, assim, o único de nossos principais códigos que foi atualizado, com a grande colaboração do Ministro Luiz Fux.

Usei o mesmo processo para formatar a reforma do Código de Defesa do Consumidor, de 1990, resultado de anteprojeto apresentado no final do meu governo. Apesar de recente, as relações de consumo se alteraram profundamente com as novas tecnologias, e o projeto que apresentei em 2012 é muito oportuno.

A Reforma do Judiciário, pela Emenda Constitucional nº 45, foi um grande passo para a modernização da Justiça no Brasil. Uma grande resistência construíra-se contra ela, e a reforma não avançava. Foi o Ministro Nelson Jobim, então Presidente do STF, quem assumiu a tarefa de levá-la à frente e vencer as resistências. Eu era o Presidente do Senado e ajudei-o nessa tarefa. A Reforma do Judiciário viabilizada, votada e promulgada foi um grande momento para os Três Poderes, que fizeram um esforço comum. Ela criou o Conselho Nacional de Justiça e o Conselho Nacional do Ministério Público, adotou a Súmula Vinculante e seus efeitos se estenderam a todas as instâncias do Judiciário.

Os franceses dizem “muita lei, nenhuma lei”, no sentindo de que o excesso de leis acaba desmoralizando o seu cumprimento. Mas essas leis dizem respeito aos fundamentos, à estrutura da própria Justiça, e sua atualização é imprescindível.

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