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José Sarney é ex-presidente da República.
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As vítimas são esquecidas

O universo das vítimas de violência se estende muito além, no entanto, das mulheres atacadas por seu gênero. Mães, filhas, irmãs, esposas, mas também pais, filhos, irmãos, maridos perdem todo dia um ente querido.

José Sarney

Atualizada em 02/05/2023 às 23h58
O ex-presidente José Sarney escreve às terças no Imirante
O ex-presidente José Sarney escreve às terças no Imirante (Imirante)

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No Dia Internacional da Mulher a Câmara dos Deputados deu um grande passo: aprovou o projeto das deputadas Maria do Rosário, Rejane Dias, Professora Rosa Neide, Gleisi Hoffmann, Natália Bonavides, Luizianne Lins, Benedita da Silva e Erika Kokay criando uma pensão para os filhos ou dependentes menores de mulheres vítimas de feminicídio, um crime horrendo. Lembremos que muitas vezes as vítimas de feminicídio já sofreram outras agressões punidas pela Lei Maria da Penha, um marco na proteção às mulheres, mas que não pode resolver por si só as situações de preconceito da própria sociedade.

Já a Constituição de 1988 estabelecera, no artigo 245 — o último artigo da redação original —, a “assistência aos herdeiros e dependentes carentes de pessoas vitimadas por crime doloso”. 

O universo das vítimas de violência se estende muito além, no entanto, das mulheres atacadas por seu gênero. Mães, filhas, irmãs, esposas, mas também pais, filhos, irmãos, maridos perdem todo dia um ente querido. São cerca de 150 mortos por dia no Brasil. A eles temos que somar os que ficaram incapacitados ou feridos, os que tiveram sua estrutura familiar rompida, sem sustento financeiro, sem emprego, juntando ao sofrimento físico o trauma psíquico. O que acontece, por exemplo, com as famílias que veem seus filhos derrubados por balas perdidas? 

O artigo 245 não foi regulamentado, o que é uma forma discreta de anulá-lo. Já as famílias dos presos recebem o auxílio-reclusão, previsto em lei. Assim, paradoxalmente, a família apoiada pelo Estado é a do criminoso, não a de sua vítima.

Em 2003 apresentei no Senado Federal um projeto para regulamentar esse artigo da Constituição. Ouvi especialistas nos problemas da violência e em Direito Penal e pedi o parecer do doutor Saulo Ramos, o grande jurista. O projeto estabelecia que as famílias das vítimas de crime de violência receberiam do Estado — além da proteção física, quando necessária — o amparo financeiro que as permitisse se recompor. Não podemos esquecer, no entanto, que a perda de um ente querido é irreparável. 

Os recursos para viabilizar a lei sairiam de um Fundo Nacional de Assistência às Vítimas de Crimes Violentos, com várias fontes de receita, inclusive das rendas ou do patrimônio do autor do crime, pois o Estado se sub-rogaria no direito de indenização da vítima. 

O projeto foi aprovado no Senado Federal em maio de 2004. Apesar da prioridade de todo projeto aprovado na outra Casa do Congresso Nacional, e estando no regime de urgência previsto no Regimento Interno da Câmara dos Deputados, o projeto está desde então sob análise e com o peso de dezenas de projetos apensados. Certamente um dia irá à deliberação do Plenário, mas as vítimas, até lá, estão desamparadas. 

Quando um crime é muito divulgado, como o bárbaro assassinato por policiais rodoviários federais de Genivaldo de Jesus Santos, sufocado numa câmara de gás improvisada, se recorre a projeto especial para criar para uma família a ajuda que a Constituição garante para todos. Mas e as outras centenas de milhares de famílias de vítimas? Não se pode aceitar que sejam duplamente punidas: pela violência do criminoso e pela violência do Estado ao negar-lhes o direito estabelecido na Constituição. 

Examinem o meu projeto, que o Senado achou bom. Se precisa de aperfeiçoamentos, que os façam. Mas não deixem as famílias das vítimas desamparadas. 

Não esqueçam que há vítimas que continuam vivas!

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