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José Sarney é ex-presidente da República.
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Carnaval sem preconceito

Antigamente estávamos habituados a ver um Carnaval de cordões separados por cor, embora sem radicalismos nem segregações. Era um tempo em que não tínhamos televisão, nem trio elétrico, nem redes sociais.

José Sarney

Atualizada em 02/05/2023 às 23h58
José Sarney escreve para o Imirante às terças.
José Sarney escreve para o Imirante às terças. (Ipolítica)

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É extremamente difícil e quase impossível quantificar os ganhos sociais numa sociedade que vive sob permanente pressão para buscar ascensão social o mais rápido possível. Felizmente agora as minorias segregadas têm o poder de mobilização e decisão que elas sempre desejaram alcançar. 

Confesso que fiquei — sem dados efetivos nem estudos sociológicos — bastante surpreso ao recolher do último Carnaval a sensação de que a convivência racial no Brasil tem aumentado bastante. Não sei justificar por que cheguei a essa conclusão, mas a verdade é que pretos, brancos, índios, asiáticos se misturavam sem nenhuma restrição e se uniam ao som dos ritmos da imensa variedade de formas dos grupos carnavalescos. 

Antigamente estávamos habituados a ver um Carnaval de cordões separados por cor, embora sem radicalismos nem segregações. Era um tempo em que não tínhamos televisão, nem trio elétrico, nem redes sociais. Neste Carnaval eu tive a impressão de que havia quase uma unidade racial do povo que se dispunha a participar desta festa popular tão marcante no Brasil. Ao mesmo tempo, o combate à homofobia libertou os segmentos LGBTQIA+, que sempre exerceram seu poder criativo nas fantasias e, como deixou de ser tabu, podem mostrar o corpo e se expressar em plenitude.

A nudez, promovida pioneiramente por Joãosinho Trinta, se banalizou. Roberto Campos, que era um craque em sintetizar ditados e provérbios populares, quando surgiu o biquíni, disse que ele “mostra tudo e esconde o essencial”. Eu, por minha vez, saí com uma definição mais pobre dizendo que as minissaias ficavam melhor nas mulheres do que nos escoceses. Mas na verdade nada disso dominava a paisagem carnavalesca. O geral era mesmo o simplesmente descamisado, e isto se justifica pelo lado econômico, uma vez que é mais barata essa fantasia do que todas as outras: é de graça. 

Outra coisa que me chamou a atenção é que eu não sabia que o brasileiro gostava tanto de se fazer de índio. Mais do que nunca as fantasias de índios dominaram, quase todas elas marchando na vanguarda e comandando com mais ânimo e mais alegria a festa. 

Nas baterias, antigamente latifúndio dos homens, sem que as mulheres tivessem direito a participar, neste Carnaval elas se misturaram aos homens, e os tambores, as cuícas, os pandeiros e todos os instrumentos, tradicionais ou improvisados, estavam também nas mãos de mulheres. Mas o objeto da fascinação do público não deixou de ser a aparição das rainhas das baterias, sempre lindas com suas fantasias esfuziantes e seus corpos modelados. As passistas continuaram deslumbrantes, cruzando pés e pernas, numa habilidade incrível de quem está dominada pelo alucinante ritmo do samba. Mas tudo isso não superou a música e a letra dos samba-enredo, na voz de sambistas e puxadores de samba, empolgando os passos e os gingados.

Na multidão de formas do Carnaval — blocos de todo tipo e tamanho, cordões, trio-elétricos, maracatus, sambas de roda, afoxés, frevos etc., o reino do desfile é coroado pelas escolas de samba, lembrando sempre Joãosinho Trinta, que saiu com esta “O povo gosta de luxo. Quem gosta de miséria é intelectual.”

E nós? Gostamos mesmo é do Carnaval!

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