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COLUNA

Allan Kardec
É professor universitário, engenheiro elétrico com doutorado em Information Engineering pela Universidade de Nagoya e pós-doutorado pelo RIKEN (The Institute of Physics and Chemistry).
Coluna do Kardec

E os pobres, onde ficam?

Como os pobres entrarão na equação do consumo de energia?

Allan Kardec

Atualizada em 02/05/2023 às 23h39
 
 

“Jogar no mato” até recentemente era entendido como uma forma de se livrar de algo. Digo isso enquanto me lembro do cara que dirigia à minha frente que se livrou de um coco e o mesmo veio rolando em direção ao meu carro. Em um golpe de vista, desviei.

Essas lembranças me ocorrem também junto com um verso de um panfleto de literatura de cordel que li ainda criança “Pai e mãe é bom, mas barriga cheia é melhor. O poder de Deus é grande, mas a mata é maior”. Quem dizia isso é Cancão de Fogo, personagem muito similar a João Grilo, que foi imortalizado em no “Auto da Compadecida”, de Ariano Suassuna. Tanto um quanto outro são espertalhões que sobrevivem na seca do Nordeste.

Olhando para trás e vendo a nossa situação, entendo a luta do autor dos versos, que não sei quem é, podendo ser o Leandro Gomes de Barros, que ilustra o início desta crônica. No entanto, é bom lembrar que há décadas a fome continua a ser uma pauta fundamental a ser debelada no Brasil. Não só no nosso querido Nordeste, mas se estima que mais de 70 milhões de brasileiros não têm as três refeições completas em um dia. Claro que isso justifica o investimento nos programas avançados e ousados do Governador Carlos Brandão nos Restaurante Populares. Você já foi a um deles? Ou passou na frente na hora do almoço?

A segunda parte, eu me lembro bem, em minha infância em Grajaú: a mata parecia infinita. Os frios das noites de julho eram particularmente mais intensos pelo medo de onças que nós, as crianças, tínhamos quando íamos dormir em sítios ermos, sem energia elétrica. O céu escuro evidenciava a fuga das estrelas à noite: eu me encantava tentando tocá-las, mas meus amigos não deixavam apontar porque poderia criar verruga na ponta do dedo.

Tinha também veado, paca, tatu e sariema, assim como manga, pequi, bacuri e mutamba – quando falo desta última ninguém conhece, mas cansei de comer quando atravessava o rio a nado e sumia na mata brincando até anoitecer. Voltava pra casa com a pele enrugada de tanto mergulhar, então soprávamos nas mãos fechadas e depois colocávamos nos olhos para eles deixarem de ficar vermelhos e a mãe não brigar.

A mata não é mais aquela. Passados os anos, ela virou “floresta” e, cada dia mais, o que não cresceu aos olhos do versejador de cordel, ganhou em respeito, beleza e importância. Hoje o mundo volta os olhos para a Amazônia. Não só para o caso do terrível sofrimento Yanomami, mas para sua exuberância em beleza, diversidade de produtos naturais e conhecimentos ancestrais dos seus povos.

Há um dilema propagado internacionalmente que diz que temos uma equação a se resolver: como aumentar a produção de energia e diminuir a emissão de carbono? Óbvio que estamos de acordo com a questão, mas acrescento a ela um termo: diminuir a pobreza. Falo isso porque chega a ser incômoda a repetição quase sem filtros do discurso que é largamente europeu que, claro, só precisa se preocupar com os primeiros termos, pelo estágio de avanços sociais que já alcançou. Mas faltam aí muito das Américas, Áfricas, Ásia e Oceania. 

John Kerry é enviado presidencial especial dos Estados Unidos para a mudança climática. Na preparação para uma cúpula climática da ONU em Glasgow em 2021, ele apontou para avaliações científicas sugerindo que talvez metade das reduções de gases do efeito estufa necessárias até meados deste século “virão de tecnologias que ainda não temos”. 

A afirmação de Kerry provocou reação de alguns, segundo a The Economist, que afirmavam que já há, por exemplo, as energias eólica e solar, assim como o hidrogênio verde “na ponta da agulha”. No caso do Brasil, já temos etanol de cana de açúcar, biodiesel de soja e sebo, além de hidroeletricidade.

Há mais de 80 bilhões de neurônios em nosso cérebro. Junto com eles, está um elenco de três outros tipos de células cerebrais — micróglia, oligodendrócitos e astrócitos — chamadas coletivamente de células gliais (abreviação de “neuroglia”, do grego para “cola nervosa”). Até recentemente, estes eram negligenciados pela comunidade científica. Isso mudou. Células gliais são agora tópicos de estudos intensos. Resultado: não são mera cola!

 
 

Por exemplo, há evidências de que o mau funcionamento dos astrócitos desempenha um papel nos transtornos do humor, como depressão e ansiedade, e em doenças neurodegenerativas, como o mal de Alzheimer. E não são apenas os psiquiatras que se inspiram nas recém-descobertas funções da glia. Os cientistas da computação também estão entrando em ação e usando o conceito de glias em redes neurais artificiais, essa que seu celular usa para várias tarefas, entre elas a de localizar rostos nas fotos.

As redes neurais artificiais são baseadas em um modelo de como os neurônios funcionam. Seguindo a natureza e o sucesso anterior, cientistas da computação adicionaram glias artificiais às redes. Vários grupos descobriram independentemente que livrar-se de sinapses raramente usadas, que é o trabalho das células gliais, ajuda as redes neurais artificiais a codificar novas informações e armazenar memórias, melhorando o desempenho, portanto.

Lembro dessas pesquisas porque trabalhamos com redes neurais artificiais em nosso laboratório e, por muitos anos, só usamos o conceito de neurônios artificiais, esquecendo o de glias. Da mesma forma, me ocorre perguntar – e já fiz isso em crônicas anteriores – se a intenção do trabalho de “pegada de carbono” é a preservação da Humanidade, onde o pobre entra na equação?

Pergunto por ignorância mesmo, porque ainda não vi artigos defendendo, incluindo e simulando em como será, nos próximos anos, o consumo energético de pelo menos um bilhão de pessoas que se estima viver abaixo da linha da pobreza. A sobrevivência da Humanidade funcionará sem atenção à pobreza? A pauta energética independe do pobre?

*Allan Kardec Duailibe Barros Filho, PhD pela Universidade de Nagoya, Japão, professor titular da UFMA, ex-diretor da ANP, membro da AMC, presidente da Gasmar.

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