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COLUNA

Allan Kardec
É professor universitário, engenheiro elétrico com doutorado em Information Engineering pela Universidade de Nagoya e pós-doutorado pelo RIKEN (The Institute of Physics and Chemistry).
Coluna do Kardec

O Pós Covid

Falamos sobre depressão, ansiedade e outros no mundo pós Covid.

Allan Kardec

Atualizada em 02/05/2023 às 23h38
 
 

Grigori Perelman recusou US$ 1 milhão de dólares! Se sentiu ofendido quando lhe ofereceram o dinheiro e teria dito que a monetização do êxito seria um insulto à matemática! Louco? O que isso tem a ver com Covid?

Retornemos um pouco no tempo. O final do século 19 e o início do século 20 foi uma época ilustremente iluminada. Em 1905 um menino de pouco mais de 20 anos publicou um artigo que viria a ser conhecido como a Teoria da Relatividade. Einstein, ao contrário de hoje, deixou de referenciar alguns autores importantes. Um deles era outro gênio conhecido como Henri Poincaré.

Tanto quanto Einstein, Poincaré escreveu sobre a relatividade. E sobre outros temas, por exemplo, questionando se o nosso universo tinha alguma forma e, se tivesse, qual seria. Ele não chegou a uma conclusão, mas, nos idos de 1900, ele formulou aquela que seria conhecida como “a conjectura de Poincaré”.

100 anos depois, mais precisamente em 2003, nosso Perelman – que falei acima – resolveu a famosa conjectura que algumas dezenas de mentes brilhantes tentaram por todo esse século! A ele foi oferecido o prêmio que falamos acima. O russo, nascido em Leningrado, agora São Petersburgo, ficou conhecido como excêntrico.

Rejeitou inclusive a medalha Fields, equivalente matemático a um prêmio Nobel, por "suas contribuições à geometria e suas ideias revolucionárias" - um prêmio da Sociedade Matemática Europeia e o milhão de dólares, que falei, do Instituto Clay, por solucionar um dos problemas do milênio. "Se a teoria está correta, não necessita de outro tipo de reconhecimento" – disse, ou "não me interessa o dinheiro ou a fama. Não quero estar em exibição como um animal em um zoológico". Perelman abandonou a matemática e a vida pública e foi viver com a mãe.

Duas décadas depois, tivemos a Covid. E só na última quarta, 17, as aeronaves deixaram de obrigar os passageiros a usar máscaras. O que aconteceu nesse interim e durante a pandemia?

Lembro de entrevista da historiadora Lilia Schwarcz onde afirmava que a pandemia marca o início do século XXI assim como a Primeira Grande Guerra marcou o início do século XX. Junto com Sidarta Ribeiro e Dráulio Araújo, grandes neurocientistas do Instituto do Cérebro, em Natal, escrevemos um artigo em que afirmávamos, ainda em 2020, que “o novo mundo que adentramos traz consigo um dos maiores desafios à humanidade: o entendimento dos mecanismos cerebrais da angústia e da depressão”.

Sobre esse tema, há um artigo na BBC de Begoña Peraita, “Millennials e geração Z: por que elas são a geração deprimida”. Bom esclarecer o que seria, antes de continuar. Lembro que meu orientador no Japão já se referia aos “babies boomers”, a turma que teria nascido logo após a segunda grande guerra. Os especialistas resolveram classificar da mesma forma as crianças que nasceram em um determinado período. A geração X é definida por aqueles entre 1965 e 1980. E foram seguidos pelos “millenials” ou geração Y, de 1981 a 1999. Depois deles, a geração Z, os nascidos a partir dos anos 2000.

Há um certo consenso que a depressão é o Mal do Século 21. As causas são profundas, variadas e a Covid certamente aumentou o número de pacientes. O isolamento social é um dos recursos mais utilizados para entender estresse.

Em experimentos científicos com animais, foi mostrado que o isolamento leva ao desenvolvimento de sintomas compatíveis com os observados na depressão. Nesse estado, a pessoa pode ficar mais introspectiva e acabar “ruminando” pensamentos negativos ligados ao passado ou ao futuro, algo similar à cachoeira que nunca para do famoso quadro de M. C. Escher – que ilustramos no início desta crônica.

O grande problema, para os humanos, é que, uma vez isolados ou sozinhos, somos obrigados a conviver com nós mesmos. Por exemplo, no livro o “Oraculo da Noite”, o neurocientista Sidarta Ribeiro mostra que perdemos, ao longo dos anos, o interesse pelos nossos sonhos – algo que nossos ancestrais faziam regularmente! Similarmente, perdemos o interesse pelos nossos pensamentos. Não conseguimos mais observar nossa própria cabeça. Observar “como pensamos”. Ou seja, a habilidade introspectiva – a capacidade que o ser humano tem de observar seus pensamentos e emoções.

Seria esse um fenômeno social ou uma escolha pessoal? Segundo os estudiosos, o Brasil tem uma filosofia pragmática – focada em resultados, em que toda gestão pública é medida em números, algo que nasceu do pensamento positivista de Augusto Comte. Aliás, o “ordem e progresso” na nossa bandeira vem do pragmatismo positivista, que é bem diversa daquela humanista do século 19, onde o homem era o centro das políticas públicas e das agendas sociais. Dialeticamente, a religião, naquele contexto, que ajudava na construção social, passou a ter um papel lateral no Brasil do século 20, e continua da mesma forma neste que se inicia.

Ou seja, hoje, o jovem brasileiro está submetido a uma pressão de seleção absurdamente insustentável! Não sei se você assistiu, mas lembra a devastação exposta no filme “Mad Max”: um mundo distópico e absurdamente surrealista a la Salvador Dali – frenético, pragmático e deserto! Os hinduístas falam que, quando sonhamos, acreditamos que aquilo que estamos sonhando é realidade. E eles perguntam: quem disse que o que estamos vivendo é de fato realidade ou apenas um sonho?

Nessa área de depressão, ansiedade e outros sinais neuropsicossomáticos, há uma classe de remédios que está emergindo e provavelmente revolucionará a ciência do século XXI. Eles vêm das tradições ameríndias ou orientais. Nas primeiras, cabe destacar o potencial de plantas como a Cannabis e a Ayahuasca. A primeira vem sendo usada, com grandes avanços para tratamento de Parkinson, Alzheimer ou mesmo aqui no Maranhão, nos nossos estudos na Universidade Federal do Maranhão, em crianças com epilepsia por conta da Zika. Já na segunda, o grupo de Dráulio Araújo, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, constatou redução significativa dos sintomas de depressão — um dia após a sessão. Vale notar que, com os medicamentos tradicionais, as terapias demoram em torno de 15 dias para fazer efeito.

Entre as orientais, estão os resultados extraordinários da ioga. A meditação é importante para enfrentarmos estados emocionais em que, recorrentemente, pensamos nas mesmas coisas. Um dos antídotos para isso é trabalhar com técnicas que aumentem nossa capacidade de introspecção. Modular a introspecção também ajuda em processos patológicos relacionados à ansiedade ou mesmo à depressão. Por exemplo, em técnicas respiratórias da ioga como a pranayama. Os resultados podem ser observados no cérebro através de imagens por ressonância magnética.

A sociedade moderna da ultra velocidade de internet suplica por repouso da mente. Roga por introspecção e autoconhecimento – algo que os antigos, sejam orientais, ocidentais ou ameríndios buscavam e ensinavam a seus filhos - basta perscrutar os livros antigos, sejam os Vedas, o Bhagavad Gita, a Bíblia ou a Torá.

Retornemos a Grigori Perelman, que não quis usufruir a fama e resolveu voltar a São Petersburgo para viver na casa da mãe e ir ao teatro quando bem lhe aprouvesse... o louco é ele? 

*Allan Kardec Duailibe Barros Filho, PhD pela Universidade de Nagoya, Japão, professor titular da UFMA, ex-diretor da ANP, membro da AMC, presidente da Gasmar.

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