SÃO LUÍS - “Eu sempre falava que só iria sair do mundo do crime, depois que eu morresse. Eu gostava muito do crime”. Este é o relato de Isaias Sodré*, 20 anos. Hoje ele é ajudante de pedreiro, mas dos 13 aos 17 anos viveu em função do tráfico de drogas. Assim como ele, outros adolescentes infratores conseguiram deixar a criminalidade e seguiram vivendo de maneira honesta.
Por ter começado muito novo, Isaias praticou diversos tipos de pequenos crimes. “Eu pinchava. Depois comecei a fumar baseado e logo em seguida já fui me envolvendo. Na verdade, eu nunca gostei de usar droga, meu negócio mais era ganhar dinheiro. Mas eu só parei de usar, depois que eu percebi que ela atrapalhava no meu lucro”, relembra.
Ele diz que o dinheiro fácil foi o estimulo para a sua entrada no mundo do tráfico. “Na boca de fumo, o dinheiro é mais fácil, tudo é mais fácil. Hoje em dia, se você começar cedo a ganhar dinheiro fácil, mais para frente você não vai querer trabalhar para ganhar um dinheiro difícil”, declara.
O rapaz afirma que perdeu as contas de quantas vezes passou pela Fundação da Criança e do Adolescente (Funac). “Nas primeiras vezes eu não fiquei detido. Depois que eu tive muitos desvios de condutas, tomei liberdade assistida, serviço comunitário eu não paguei. Após um tempo, eu comecei a ficar cautelado. Cheguei a ficar 20, 40 dias. Nas audiências era mais tranquilo, pois muita das vezes eles liberavam a gente. Mas nas últimas eu comecei a ficar com o coração mais apertado, porque eu já estava correndo o risco de pegar internação”.
Para Isaias, as medias alternativas, a demora para internar os adolescentes e as idas frequentes a fundação, estimulam o crime. “Muita das vezes o adolescente é liberado. Eles chegam lá e o juiz libera e aí eles falam que não vai ficar preso. Eu estava preso ali. A gente sofre, é ruim, mas você vê que um dia vai sair, não tem como”, diz.
Para alguns, a experiência na fundação serve como lição. Entretanto, para outros, não significa nada. “Quando a gente sai, nem lembra que a gente estava preso, não motiva muito. Porque quando você está lá dentro, você quer mudar de vida. Mas quando chega aqui fora, o clima muda”, argumenta.
Isaias fala sobre como é a rotina na instituição. “Lá tem escola, mas vai quem quer. Eu ia, porque serve como bom comportamento e ajuda para sair mais rápido. Eles perguntavam o que a gente queria da vida, se a gente quer mudar e eu lembro que muita gente falava ‘querer, a gente quer, mas é muito difícil sair do crime’. A pessoa que entra no crime hoje é de uma em mil para sair. Eu só conheço pessoas que saíram, porque se converteram em alguma religião. Mas até hoje eu não conheço ninguém que saiu porque quis sair”.
Mas, sair desse caminho, não foi uma tarefa fácil. O ex-adolescente infrator contou com a ajuda de um obreiro de uma igreja evangélica, que o visitou no seu período de internação. “Ele pregou para mim e foi falando sobre o amor de Deus. Nesse momento, eu parei e pensei no que estava fazendo com a minha vida. Quando minha mãe me visitou, eu falei que mudaria de vida. Ela não acreditou nem nada. Só quando eu saí ela pôde ver a minha mudança”, conta.
Sobre a maioridade penal, ele condena a decisão. “Eu acho isso errado, porque não tem como menores de idade conviverem com maiores. A chance de um adolescente, que convive com um adulto na prisão, voltar para o mundo crime é bem maior. O criminoso quando está na prisão só pensa em sair e voltar para a vida à margem da lei, não pensa em se libertar e sair fora. E isso influência negativamente o adolescente”, afirma.
Opinião de um especialista
A psicóloga do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), Artenira Sauaia, ressalta que, com um sistema carcerário caótico como o brasileiro e diante das inúmeras dificuldades em se acompanhar devidamente os adolescentes cumprindo medidas sócio educativas em meio aberto e em meio fechado, não é possível considerar nenhum benefício de uma possível redução da maioridade penal no Brasil.
“Em termos práticos, a redução da maior idade penal vai contribuir para agravar a questão das superlotação das prisões e não reduzirá os índices de violência. Nos últimos dez anos, a nossa população carcerária aumentou em mais de cinco vezes e o número de homicídios dobrou no mesmo período, além do número de feminicídios ter aumentado em mais de 234% no lapso temporal considerado. Ou seja, prender em maior quantidade não tem tido impacto positivo sobre a violência no Brasil. Em suma, precisamos ser uma sociedade melhor, precisamos ser pais melhores, precisamos ser educadores melhores, efetivando genuinamente o ECA, para que possamos educar nossas crianças e adolescentes rumo a um futuro não violento. Temos um débito junto à infância brasileira e a redução da maior idade penal apenas aumentará este débito em larga escala”, destaca.
*Nome fictício do entrevistado, que preferiu não revelar sua identidade.
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