São Luís

Em entrevista exclusiva, mãe de Ana Clara fala sobre a perda da filha

'A perda de Ana Clara é uma ferida que jamais irá cicatrizar', desabafa Juliane Santos.

Thiago Bastos/ O Estado

Atualizada em 27/03/2022 às 11h57

SÃO LUÍS - A mãe de Ana Clara Sousa Santos, de 6 anos, Juliane Santos, entrevistada na tarde de ontem (19) por O Estado, via telefone, afirmou que a perda da própria filha em virtude do ataque criminoso em São Luís, no dia 3 do mês passado, "é uma ferida que jamais irá cicatrizar". Apesar do apoio da família, Juliane Santos - que chegou a interromper a entrevista para tomar um dos dois calmantes receitados a ela desde a semana passada - ainda se diz "muito abalada" pela morte da filha Ana Clara e afirmou também que, apesar da perda, perdoa os acusados de planejar os atos criminosos na capital maranhense e que queimaram, dentre outros, o ônibus da linha Vila Sarney Filho, no qual ela estava. Juliane Santos também informou que permanecerá em Brasília, por tempo indeterminado, dando continuidade ao tratamento a que está sendo submetida para a recuperação de cerca de 40% da pela queimada no dia do ataque em São Luís.

O Estado - Como você está atualmente? Pode-se dizer que você está superando a morte da sua filha?

Juliane Santos - Foi muito difícil saber que ela [Ana Clara] havia morrido. A ficha, para te falar a verdade, ainda não caiu. Penso nela a todo instante. É desumano aceitar que eu, naquele dia que estava apenas voltando para a minha casa com as minhas filhas, tenha sido vítima daquilo. O mundo está desumano. Ninguém acredita mais no valor das pessoas; só pensam o tempo todo em matar, em querer o mal alheio. Isso precisa mudar. Posso te dizer que nos últimos dias estou chorando um pouco menos a morte da Ana Clara, mas o que aconteceu comigo não desejo a ninguém. Posso te dizer ainda que a perda de Ana Clara é uma ferida em meu coração que jamais irá cicatrizar.

O Estado - Sei que é difícil te perguntar isso, mas o que você lembra do dia do incêndio ao coletivo?

Juliane - De pouca coisa. Foi tudo muito rápido. Assim que os bandidos entraram no ônibus e começaram a dizer para nós descermos, não tive outra reação a não ser sair com as minhas filhas daquele inferno. Mas não deu tempo, pois assim que estava na escada já descendo do coletivo, o fogo tomou conta de tudo. Me sinto triste pois não consegui impedir que a Ana Clara fosse atingida pelo fogo. Eu também fui incendiada. A Lorane também. Depois que eu desci do ônibus só me lembro que ao acordar no hospital perguntei por minhas filhas, para saber como elas estavam.

O Estado - Sua família, por opção e orientação médica, falou da morte da Ana Clara mais de um mês depois do ocorrido. Você sentiu mágoa por causa disso?

Juliane Santos - Claro que não, entendi a situação perfeitamente. Lógico que, quando eu perguntava pela Ana Clara, enquanto estive no hospital, tanto em São Luís quanto em Brasília, queria saber a verdade. Mas nem sei como reagiria. Essa notícia poderia realmente me abalar de tal forma que não sei até que ponto não poderia piorar.

O Estado - Você aparenta ser uma pessoa muito religiosa. Como essa fé te ajuda a superar esse momento difícil na tua vida?

Juliane Santos - A fé é tudo. Sem ela, não sei se teria chegado até aqui. Sair do hospital foi uma vitória. Ver a Lorane viva, também. Tudo na vida tem uma razão de ser. Se Deus quis que a Ana Clara não estivesse mais entre nós, então deve haver uma razão. É essa mesma fé que me leva a perdoar os homens que queimaram aquele ônibus e tiraram a Ana Clara de mim. Não vale a pena carregar mágoa em meu peito. De que adiantaria eu alimentar esse ódio todo daqueles homens se Ana Clara não vai voltar?

O Estado - Você saiu do hospital até antes do que previam os médicos. Mesmo assim, seu corpo ainda está muito afetado pelas queimaduras?

Juliane Santos - Está sim. Os próprios médicos disseram que é normal. Ainda estou com as minhas costas com feridas geradas pelas queimaduras e também com os meus braços afetados. Até para pentear o meu cabelo tenho que pedir ajuda. Mas vou melhorar, com fé em Deus.

O Estado - Você deve comparecer três vezes por semana no Hospital Regional Asa Norte, onde esteve internada para continuar com o tratamento. Que procedimento médico você está recebendo?

Juliane Santos - Eles [os médicos] verificam como estão os ferimentos e trocam os curativos. Além disso, também estou fazendo sessões de fisioterapia e me submetendo a tratamento psicológico.

O Estado - Já há uma previsão sobre quando voltará para São Luís?

Juliane Santos - Tudo vai depender do restante do tratamento. Ainda não sei quando irei voltar para São Luís.

O Estado - Até que ponto a presença da Lorane (irmã de Ana Clara) te ajudou a receber um pouco melhor a notícia da morte da Ana Clara?

Juliane Santos - Foi fundamental. Na verdade, está sendo. A Lorane é a alegria da casa onde estou hospedada (Juliane está na casa de uma tia, em Brasília). Ela é um dos presentes de Deus à minha vida. Por ela [Lorane], também que estou lutando para superar esse momento difícil.

O Estado - O que você objetiva para a tua vida daqui para frente? Mantém vivos os sonhos, as metas?

Juliane Santos - Acho que a prioridade é cuidar da Lorane. É a minha filha e que ainda depende de mim. Minha família também espera muito de mim. Sou nova, tenho apenas 22 anos de vida, e espero ainda ter muitas alegrias, apesar de que levarei a Ana Clara em meu coração até o fim dos meus dias.

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De acordo com a família, Márcio Ronny da Cruz Nunes, de 37 anos, também vítima dos ataques criminosos na capital maranhense, permanecia, até o início da tarde de ontem, em estado grave, porém apresentando melhora em seu quadro de saúde. Márcio Ronny está internado desde o dia 8 do mês passado no Hospital de Queimaduras de Goiânia, dando prosseguimento ao tratamento, em virtude dos ferimentos adquiridos na pele. Por enquanto, ainda não há previsão de alta para Márcio Ronny.

Melhora estado de saúde de Márcio Ronny, mas ainda inspira cuidados

O entregador de frangos Márcio Ronny da Cruz Nunes, de 37 anos, que teve mais de 40% do corpo queimado em virtude dos ataques criminosos registrados em São Luís, no dia 3 do mês passado, teve, nos últimos dias, melhora no estado atual de saúde, mas, de acordo com familiares do paciente, seu quadro ainda inspira cuidados.

Ainda de acordo com a família, Márcio Ronny - única vítima dos ataques que ainda permanece internada - não tem previsão de alta no Hospital de Queimaduras ,em Goiânia, onde permanece na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) desde o dia 8 do mês passado.

De acordo com a irmã da vítima, Maria da Conceição Nunes, na sexta-feira (14), Márcio Ronny - durante procedimento de enxerto de pele - apresentou alteração considerada leve no ritmo dos batimentos cardíacos. Por precaução, a equipe médica decidiu, na ocasião, suspender a cirurgia para enxerto de pele e tratar do problema cardíaco. " Meu irmão [Márcio] já tem um histórico de problemas no coração, que foi comunicado aos médicos pela minhã irmã Assunção Nunes, que está em Goiânia. Apesar do problema, ainda segundo os médicos, a questão cardíaca está sendo controlada para que, nos próximos dias, o enxerto possa ser finalmente feito", disse.

Desde que chegou ao Hospital de Queimaduras, em Goiânia, Márcio Ronny já foi submetido a pelo menos dois procedimentos cirúrgicos, feitos há algumas semanas, para enxerto de pele. Em um deles, foi retirado parte do tecido de uma das pernas do entregador de frangos e, em seguida, inserido em um dos braços afetados.

Juliane - Já a paciente Juliane Carvalho Santos segue em Brasília, hospedada na casa de parentes, dando continuidade ao tratamento para a recuperação da pele afetada durante os ataques na capital maranhense, mesmo após ter recebido alta no dia 10 deste mês do Hospital Regional da Asa Norte (HRAN), na Capital Federal, onde estava internada. Segundo os familiares, desde que soube da morte de Ana Clara, Juliane Santos está fazendo uso de calmantes. " Foi um grande abalo para ela [Juliane], assim que soube da notícia. Mas a presença da Lorane [irmã de Ana Clara] com ela está fazendo com que essa notícia triste seja, aos poucos, superada. Apesar disso, nós da família estamos observando a Juliane o tempo todo, já que não queremos que ela [Juliane] entre em estado depressivo", disse.

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