São freqüentes os casos de consumidores que levam seus carros a uma oficina mecânica, recebem o orçamento, aprovam o serviço e, no momento do pagamento, são surpreendidos por um valor diferente, geralmente muito maior do que o valor combinado, em razão da execução de serviços extras. Analisando um caso como esses, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que os serviços extras, não autorizados pelo consumidor, devem ser pagos pelo fornecedor.
No julgamento do Recurso Especial 332869/RJ, em 24 de junho de 2002, relatado pelo ministro Carlos Alberto Menezes Direito, a Terceira Turma do STJ entendeu que o consumidor somente estará obrigado pelo valor que aprovou expressamente em orçamento prévio apresentado pelo fornecedor. A cobrança de quaisquer outros valores, referentes a serviços executados que não constavam do orçamento, apresenta-se como imprestável, ficando por conta do próprio fornecedor.
Ao julgar o Recurso Especial, o relator reconheceu a existência de violação ao artigo 39, VI, do Código de Defesa do Consumidor (CDC), que veda ao fornecedor "executar serviços sem a prévia elaboração de orçamento e autorização expressa do consumidor, ressalvadas as decorrentes de práticas anteriores entre as partes". Incorre nessa prática abusiva o fornecedor que pretende receber o pagamento por serviços não autorizados expressamente pelo consumidor. Nesses casos, o consumidor obriga-se a pagar apenas o valor referente aos serviços expressamente autorizados, de acordo com o orçamento apresentado pelo fornecedor.
Ricardo Hasson Sayeg, no artigo "Práticas Comerciais Abusivas", Revista de Direito do Consumidor nº 07, explica que, pelo inciso VI do artigo 39 do CDC, "o fornecedor para prestar o serviço fica subordinado a dois atos: o primeiro consistente na elaboração de um orçamento e o segundo na autorização expressa do consumidor. Quanto ao orçamento, este para o Código de Defesa do Consumidor, conforme o art. 40 é contrato definitivo, vinculando os partícipes da relação de consumo e somente podendo ser alterado mediante livre negociação das partes, de sorte que o consumidor não responde por nada que nele não esteja explícito".
Prossegue o autor, "se o serviço for prestado sem orçamento ou autorização do consumidor, ou tão-somente com orçamento e sem autorização, este equipara-se analogicamente a prática abusiva prevista no inciso III - enviar ou entregar ao consumidor sem solicitação prévia, qualquer produto ou fornecer qualquer serviço – valendo, para efeitos de liame obrigacional, como amostra grátis".
Na situação objeto do recurso, o consumidor aprovou um orçamento para conserto do seu veículo e o fornecedor pretendeu cobrar valores referentes a serviços executados que não constavam do documento aprovado e que não foram negociados pelas partes. Uma vez feito o orçamento, o fornecedor fica a ele vinculado. Mesmo antes da aceitação pelo consumidor, o documento já obriga o fornecedor, ensejando, inclusive, possibilidade de exigência judicial do cumprimento. Essa obrigatoriedade decorre do fenômeno da oferta, artigo 30 do CDC. Dessa forma, inexistindo ajuste posterior, o consumidor não tem obrigação de pagar por qualquer serviço que não constava do orçamento expressamente aprovado e que foi executado pelo fornecedor por sua conta e risco.
Em primeira instância, a sentença considerou provada a prestação de serviço e a autorização do consumidor, julgando a ação de cobrança procedente. Assim, foi interposta, pelo consumidor, a Apelação Cível 03588/2000 perante o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, a qual foi negado provimento. O Tribunal ateve-se à análise das provas produzidas no processo, entendendo não ser aplicável a inversão do ônus da prova prevista no art. 6º, VIII, do CDC, mesmo tratando-se de relação de consumo, e que o consumidor não forneceu elemento probatório que levasse a um julgamento favorável a sua alegação.
A decisão do STJ acabou por considerar a questão da prova como secundária, já que para caracterização da prática abusiva do artigo 39, VI, do CDC, basta a ausência de autorização expressa do consumidor para execução do serviço, sendo irrelevante a alegação do fornecedor de que foi comunicado ao consumidor sobre a necessidade de execução de serviços adicionais. Inexistindo autorização expressa, o serviço não poderia ter sido realizado. No caso, o valor autorizado pelo consumidor foi de R$ 250,00 e não de R$ 880,00 cobrado pelo fornecedor.
É importante destacar que o CDC prevê uma exceção à regra da necessidade de autorização expressa do consumidor para execução do serviço, permitindo ao fornecedor, no caso de existirem relações jurídicas anteriores, que a prestação de serviços no tocante ao orçamento e autorização seja regida pelo uso e costume das partes na relação de consumo.
Para Luiz Antonio Rizatto Nunes, essa exceção "está dirigida especialmente a casos em que o consumidor pessoa jurídica, tendo longo relacionamento com o prestador de serviços, pode valer-se das práticas já existentes entre eles, sem exigir orçamento prévio. Por exemplo, o consumidor pessoa jurídica que manda os carros de seus diretores para revisão na concessionária e que acerta o serviço realizado posteriormente a sua feitura" ("Comentários ao Código de Defesa do Consumidor", Editora Saraiva, São Paulo, 2000, páginas 488 e 489). Não é a situação que pode ser verificada no processo, na qual as partes não apresentavam relações de consumo anteriores. Por isso, a importância da execução dos serviços estar vinculada ao orçamento aprovado.
A presente decisão do STJ consagra o princípio da repressão aos abusos praticados no mercado de consumo, adotado pelo Código de Defesa do Consumidor, ressaltando a importância da harmonia das relações de consumo, e fazendo com que prevaleça a boa-fé e o equilíbrio contratual entre as partes.
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