Enganoso
A idade mínima para se aposentar no Brasil é 62 anos para mulheres e 65 para homens. Ela foi estipulada em 2019, durante a Reforma da Previdência sob o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). O governo Lula (PT) não apresentou projeto para aumentar a idade mínima para 78 anos. O número aparece em estudo do Banco Mundial que analisa o sistema previdenciário brasileiro e projeta que essa deverá ser a idade mínima para aposentadoria em 2060 caso nada seja feito sobre os problemas do atual sistema.
Conteúdo investigado: Citando manchete publicada em um site, post afirma que a idade mínima para se aposentar deve subir para 78 anos e atribui essa possibilidade ao governo Lula, responsabilizando os eleitores dele. “Esse é o Brasil que vocês escolheram: menos dignidade para quem trabalha, mais privilégios para quem vive da mamata”, afirma.
Onde foi publicado: X
Conclusão do Comprova: O governo Lula não apresentou projeto para aumentar a idade mínima para aposentadoria. Desde 2019, mulheres podem se aposentar aos 62 anos e homens aos 65. O post aqui verificado retira de contexto um estudo do Banco Mundial que projeta aumento da idade mínima para 78 anos em 2060. O documento afirma que esse será o cenário caso nada seja feito para aprimorar o atual sistema previdenciário (leia mais abaixo).
A última vez que a idade mínima para a aposentadoria subiu foi em 2019, sob o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, quando ocorreu a Reforma da Previdência por meio da Emenda Constitucional 103 (EC 103). Ela começou a tramitar em 2016, ainda sob a gestão de Michel Temer. Conforme a regra atual para o Regime Geral de Previdência Social (RGPS), mulheres podem se aposentar com idade mínima de 62 anos e o mínimo de 15 anos de contribuição, e homens com 65 anos de idade e 20 anos de contribuição. Acompanhando a reforma, o governo federal criou regras de transição para quem já estava no mercado de trabalho. As normas vão alterar as exigências a cada ano até 2031.
O autor da publicação que viralizou no X baseia sua alegação no título “Idade mínima para se aposentar deve subir para 78 anos”, publicado pelo site Diário do Comércio, em 21 de abril. O texto, contudo, não atribui essa expectativa ao governo federal ou à eleição de Lula. Na verdade, replica informações de uma reportagem publicada em agosto do ano passado pelo Valor Econômico sobre o estudo do Banco Mundial sobre a Previdência Social no Brasil.
Conforme o jornal, sem novas mudanças nas regras de concessão de aposentadorias e pensões no país, o Brasil precisaria estabelecer uma idade mínima de 72 anos em 2040 e de 78 anos em 2060 para manter a razão de dependência dos idosos no mesmo patamar de 2020.
O Comprova entrou em contato com o autor da publicação, mas não obteve resposta até o fechamento deste texto.
Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. O post aqui verificado somou 363,9 mil visualizações, além de 11 mil curtidas, 3 mil compartilhamentos e 650 comentários até o dia 29 de abril.
Fontes que consultamos: Reportagens do Valor Econômico e do Diário do Comércio, sendo a última citada no texto em que o usuário do X se baseou para fazer a publicação, estudo do Banco Mundial sobre a previdência social brasileira e o especialista em previdência Luis Lopes Martins.
Estudo faz projeção baseada em cenário atual
A projeção de que a idade mínima para aposentadoria no Brasil precisará aumentar está no estudo The Brazilian Pension System Under an Equity Lens, assinado por Asta Zviniene e Raquel Tsukada e publicado em dezembro de 2023. O texto aponta que, apesar de o Brasil ter conseguido desenvolver um pacote de benefícios para idosos abrangente, ele tem um alto custo. O estudo dá como exemplo o ano de 2019, em que o sistema previdenciário brasileiro consumiu 12,7% do Produto Interno Bruto (PIB), gasto que não é compatível com grande parte dos países membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), onde a média é de 7,7%.
As pesquisadoras ainda apontam que embora a proporção entre a população em idade ativa e a população idosa no Brasil ainda seja favorável, o país está envelhecendo rápido. Também pontuam que o sistema previdenciário brasileiro cria desigualdades por conta de regras diferentes para alguns grupos de trabalhadores.
Conforme os números apresentados pelo estudo, apenas 56,4% da população economicamente ativa no Brasil contribui para o RGPS. O regime e o Benefício de Prestação Continuada (BPC) têm 32 milhões de pensionistas, enquanto o País tem apenas 20,7 milhões de idosos acima de 65 anos e 11% dos beneficiários recebem mais de um benefício do governo. De acordo com as pesquisadoras, para manter a mesma taxa de dependência, a idade de 65 anos para aposentadoria teria de aumentar para 72 anos até 2040 e 78 anos até 2060.
Por fim, o estudo propõe reformas para melhorar a situação do sistema previdenciário brasileiro. Algumas são alterações nas condições de elegibilidade ao benefício, como a eliminação das diferenças de gênero nas idades de aposentadoria e das diferenças de aposentadoria para professores. Outras alterações são nas contribuições e benefícios, como a eliminação das distinções urbanas/rurais e o aumento das taxas de contribuição do empregador para profissões de risco.
Qual o cenário da previdência social?
Em 2024, o déficit do Regime Geral da Previdência Social, administrado pelo INSS e que cobre trabalhadores do setor privado, foi de aproximadamente R$ 297 bilhões. Se considerado todo o sistema previdenciário brasileiro, ou seja, com os servidores públicos civis e militares, esse “rombo” chega a R$ 410 bilhões.
O doutor em Direito Luis Lopes Martins, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Direito Rio e pesquisador na área previdenciária, explica que, em relação às contas públicas, a previdência brasileira apresenta situação delicada e desequilibrada, mesmo após a reforma realizada em 2019, sendo o principal gasto não financeiro da União.
“Estamos falando de mais de R$ 1 trilhão para a previdência social e mais de R$ 280 bilhões para a assistência social, sem contar estados e municípios.” Para fins de comparação, diz, o orçamento da União para Ciência e Tecnologia é de R$ 22,3 bilhões. “É impossível discutir o orçamento sem discutir a previdência”.
Os pontos mais sensíveis da previdência são o envelhecimento da população e a modificação da pirâmide etária brasileira, com cada vez menos jovens e, portanto, menos novos trabalhadores no mercado, tendência que tende a se agravar. Projeções da ONU (Estadão, UOL) indicam que a população em idade ativa do Brasil deve ser reduzida, enquanto a população idosa triplicará até 2100.
O especialista ressalta que a reforma de 2019 eliminou algumas distorções, como a aposentadoria por tempo de contribuição, e teve resultado importante, pois permitiu uma relativa estabilização do déficit nos anos seguintes. Contudo, quando se fala em previdência, é comum que as reformas demorem muito tempo para gerar efeitos porque não mudam a situação daqueles que já estavam aposentados ou que tinham direitos adquiridos anteriormente.
O problema foi causado pela eleição de Lula?
Não é correto afirmar que o atual governo seja responsável por uma eventual necessidade de ampliação da idade para aposentadoria porque o problema da previdência não é recente e tampouco uma particularidade brasileira.
Conforme o especialista ouvido pelo Comprova, grande parte dos países está tendo a mesma discussão que a brasileira. “Embora vivam uma realidade absolutamente diferente da brasileira, países como a Dinamarca já têm regras de aumento automático da idade de aposentadoria conforme o crescimento da expectativa de vida nacional”, observa.
Como medidas para o futuro, Martins observa que será importante que novas reformas enfrentem as distorções do tratamento dos militares, que ainda contam com um conjunto de regras desproporcionalmente mais vantajoso que o restante da população. Além disso, com o envelhecimento da população, será inevitável rediscutir a idade de aposentadoria e a aproximação da idade do homem e da mulher, ainda que sejam temas politicamente sensíveis.
Martins defende que as próximas reformas repensem estruturalmente a previdência brasileira. “O modelo adotado, com imenso foco no trabalho formal, se mostrou inadequado para a nossa realidade e precisa ser debatido”, afirma, observando haver uma crescente massa de trabalhadores informais desamparados tanto pelo INSS quanto pelo BPC e que ficarão vulneráveis no futuro.
Por que o Comprova investigou essa publicação: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas e eleições e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.
Outras checagens sobre o tema: Conteúdos desinformativos sobre a previdência social e o governo são frequentes. O Comprova já demonstrou, por exemplo, ser falso que Lula tenha confirmado lista com 800 mil idosos que perderiam benefício do INSS e que post engana ao omitir que salário de grevistas do órgão também foi cortado por Bolsonaro. Também explicou que o instituto pagou 13º em novembro de 2023 apenas para beneficiários que não tiveram adiantamento.
Notas da comunidade: A publicação chegou a possuir uma nota da comunidade com a seguinte descrição: “O autor, por desconhecimento ou ignorância, ignora o fato de que trata-se de um estudo do Banco Mundial no qual é apontada a idade mínima de 78 anos para aposentadoria no ano de 2060, caso nada seja feito sobre o atual sistema previdenciário”. Entretanto, o conteúdo foi excluído posteriormente.
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