Julgamento no STF

Indígenas acampam em Brasília à espera da decisão sobre Marco Temporal

Ao menos 50 indígenas acompanham o debate do plenário do STF, que reservou assentos para uma delegação de lideranças. Além disso, foi montado telão na lateral do prédio.

Agência Brasil

Atualizada em 07/06/2023 às 15h45
STF voltou a discutir hoje a constitucionalidade da medida.
STF voltou a discutir hoje a constitucionalidade da medida. (Fabio Rodrigues/Agência Brasil)

BRASÍLIA- Centenas de indígenas de diferentes etnias aguardam acampados na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, por uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a constitucionalidade do chamado Marco Temporal.

Às 14h desta quarta-feira (7), Os ministros da Corte voltaram a julgar a legalidade da tese segundo a qual os povos indígenas só teriam direito ao usufruto dos territórios que ocupavam em 5 de outubro de 1988, quando a atual Constituição Federal foi promulgada.

O caso será retomado com o voto do ministro Alexandre de Moraes, que pediu vista (mais tempo para análise) ainda em 2021, quando se iniciou o julgamento. Ao menos 50 indígenas acompanham o debate do plenário do STF, que reservou assentos para uma delegação de lideranças indígenas. Além disso, foi montado um telão na lateral do prédio do Supremo, onde até 250 pessoas podem acompanhar a sessão remotamente.

“Estamos aguardando pelo julgamento do Marco Temporal com a esperança de que os ministros votem a nosso favor, paralisando [a proposta de estabelecer] um marco temporal para os processos demarcatórios das terras indígenas”, disse à Agência Brasil o cacique da aldeia Sauremuybu, de Itaituba (PA), Juarez Saw Munduruku.

À frente de uma delegação de 44 pessoas, na maioria, jovens estudantes, Juarez diz entender que, se aprovado, o Marco Temporal representaria “o fim” do tradicional modo de vida indígena e uma ameaça não só aos processos demarcatórios em curso, mas também aos territórios já homologados.

“Todo mundo [cuja] terra já foi reconhecida, mas não homologada, está preocupado. Sabemos que, em 1988, alguns [povos] não ocupavam as terras de seus antepassados porque foram expulsos e os governantes, apesar dos vestígios da presença indígena [anterior], não reconhecem isso. Nós, mundurukus, ocupávamos toda a área que vai de Belém a Santarém e que desce em direção ao extremo do Mato Grosso, mas com a invasão dos colonos, fomo sendo expulsos e só agora estamos retomando [reivindicando] nosso território”, explicou Juarez, assegurando que os mundurukus sofrem a pressão de garimpeiros e madeireiros que tentam avançar e se estabelecer em áreas reivindicadas pelos indígenas.

Liderança da aldeia Gorotire, em Cumaru do Norte, também no Pará, Sandro Takwyru Kayapó, viajou a Brasília com outros 26 indígenas. Como as demais fontes ouvidas pela reportagem, Sandro afirma que seu grupo está preparado para permanecer na capital federal até que o STF dê o que esperam seja a palavra final sobre a constitucionalidade da tese do Marco Temporal.

“Sabemos que há uma pressão muito grande no Congresso Nacional, mas temos uma legislação que precisa ser levada em conta. Estou convencido de que os ministros vão dizer não [ao Marco Temporal], pois ele é inconstitucional”, sustenta Sandro, destacando que a história dos povos indígenas “não começa em 1988, nem sequer em 1500”. “Esta questão é apenas para tentar tirar nossos direitos aos territórios, que são ancestrais, originários. Nenhum branco vai determinar o momento a partir do qual nós passamos ou deixamos de existir.”

Proveniente do sul da Bahia, região onde os primeiros europeus vindos com Pedro Álvares Cabral pisaram e onde vários indígenas foram assassinados ao longo do segundo semestre de 2022, o cacique Mãdy Pataxó também associou a tentativa de se estabelecer um marco temporal aos interesses de grupos econômicos.

“Nossa Bahia serviu de porta de entrada para os europeus. E de lá para cá, nossa fauna e flora, nossos recursos hídricos, foram destruídos. Isso significa destruir nossa carne, nosso sangue e nossa espiritualidade, que estão sendo prejudicados pelo agronegócio, pelo turismo [predatório] e pela especulação [fundiária]”, afirmou Mãdy, que chegou a Brasília nesta segunda-feira (5), com cerca de 50 representantes de três povos das regiões de Monte Pascoal, Olivença e Camacan.

“Não temos data prevista para voltar para casa. Nossa expectativa é saber o resultado da votação no STF. Enquanto não houver uma posição respeitosa aos povos indígenas, ou seja, enquanto não derrubarem esta proposta e houver algum avanço em relação à novas demarcações, não vamos sair daqui”, afirmou Mãdy.

Segurança

Na contramão do movimento indígena, entidades representantes do agronegócio alegam ser necessário, em nome da segurança jurídica, estabelecer que somente terras ocupadas por indígenas na data da promulgação da Constituição de 1988 podem ser demarcadas.

Nessa perspectiva, o argumento é de que proprietários que ocupavam e produziam em terras antes de 1988 não poderiam ser obrigados a sair somente com base em indícios da existência de indígenas no local em tempos longínquos. Isso colocaria em risco de desapropriação boa parte das terras produtivas do país, alegam os representantes de diversos setores agropecuários.

Em nome da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), o advogado Rudy Ferraz argumentou que o marco temporal é “importante instrumento de conciliação” para a resolução de conflitos agrários.

“Não podemos viver numa insegurança completa, com a possibilidade de qualquer título, daqui a 10 ou 20 anos, ser anulado porque alguém no passado falou que havia possibilidade de ter terra indígena ali”, acrescentou o defensor, em sustentação oral, no início do julgamento.

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