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COLUNA

Gabriela Lages Veloso
Escritora, poeta, crítica literária e mestranda em Letras pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA).
Gabriel Lages Veloso

Sereno mundo azul

Sereno mundo azul (2023), de Marina Colasanti, é um livro infantojuvenil, que reúne 15 contos de fadas, ilustrados por Elizabeth Builes.

Gabriel Lages Veloso

Atualizada em 18/04/2024 às 16h59

Marina Colasanti nasceu em Asmara, na Eritreia, viveu em Trípoli e na Itália, e enfim mudou-se com a família para o Brasil. Pintora e gravurista de formação, é também ilustradora de vários de seus livros. Foi publicitária, apresentadora de televisão e traduziu importantes obras da literatura mundial. Jornalista e poeta, publicou livros de comportamento e crônicas. Sua produção para crianças, jovens e adultos é extensa, recebendo numerosas premiações, dentre elas o Prêmio Machado de Assis (o mais significativo do Brasil) pelo conjunto da obra, em 2023.

Ilustração: Bruna Lages Veloso
Ilustração: Bruna Lages Veloso

Após a premiação, a primeira publicação de Marina Colasanti foi Sereno mundo azul (2023), um livro infantojuvenil, que reúne 15 contos de fadas, ilustrados por Elizabeth Builes. Recentemente, essa obra recebeu o Selo Hors Concours no VII Prêmio AEILIJ de Literatura, promovido pela Associação de Escritores e Ilustradores de Literatura Infantil e Juvenil. Esse reconhecimento foi merecido pois, em Sereno mundo azul (2023), encontramos a união perfeita entre um texto em prosa carregado de poesia e ilustrações que coadunam com o ar mágico do livro.

Um dos aspectos mais interessantes da obra em questão é a sua relação com as cores. Cada conto possui, ao menos, uma cor predominante. É importante ressaltar que a maioria delas coincidem com as cores primárias: azul, vermelho e amarelo. E as demais cores se repetem numa paleta verde, marrom, prata, dourado, preto e branco. Além disso, existe um constante jogo entre luz e sombra. Sereno mundo azul (2023) apresenta um mundo encantado, onde tudo é possível. Ao folhearmos suas páginas, adentramos no campo do maravilhoso. Mas a autora deixa uma ressalva: “há que estar limpo para ter acesso ao maravilhoso” (Colasanti, 2023, p. 32), isto é, é necessário ter a mente aberta, livre de preconceitos, assim como a de uma criança. Vamos às narrativas.

Anel pequeno com pequena pedra conta a história de um anel errante, cuja pedra refletia as cores que estavam ao seu redor, assim como um espelho. Nesse conto há o predomínio da cor azul, por conta do mar, lugar onde o protagonista se encontrava. Essa narrativa fala sobre o destino e deixa uma reflexão: o que é seu sempre retorna para você. Já o conto Cintilantes como trigais ao sol apresenta uma curiosa aventura vivida por um idoso, um morcego e uma bela jovem, cujos cabelos eram loiros e brilhantes, por isso, nota-se que a cor preponderante é o dourado.

Rei só fala uma vez é uma narrativa que possui um importante tema: a censura. Após a leitura, nos indagamos se a arte possui vida própria. Os quadros da história têm um quê mágico, se por um lado os peixes solicitados pelo monarca, que estavam visíveis mas sem água, se encontravam mortos e logo apodreceram, por outro, na paisagem, que fora desprezada pelo rei, um peixe vivo pulou no rio. Às vezes, somos muito literais, no entanto, a arte requer metáforas e liberdade para os artistas. Além disso, a cor azul, mais uma vez, se fez presente.

O que é um corpo sem uma sombra? A sombra demarca a presença da pessoa no mundo. Essa e outras reflexões ecoam no conto Um desejo nunca antes. Nele, os protagonistas são um reflexo um do outro. O “eu” depende do “outro” que o vê e tem sentimentos por ele. O fato do jovem bordar uma sombra para a moça simboliza que o seu amor/afeto lhe deu uma identidade, e vice-versa. O amor nos faz ser alguém no mundo. Como essa história se passa em uma floresta, a cor principal é o verde.

Por sua vez, em Um punhado de terra há o predomínio da cor marrom. Esse conto narra a longa jornada de um rapaz que tem um hábito curioso: ele carrega consigo um saco cheio de terra que trouxe de sua cidade natal, como se fosse um tesouro, e dá um punhado dessa terra para algumas pessoas que cruzam seu caminho. Para cada uma delas, ele diz que se trata de um pó mágico que pode realizar os seus maiores desejos. Depois de muito andar e conhecer várias pessoas, o saco de terra se esvaziou. Então, ele percebeu que o importante não era a terra em si, desapegou-se do material, guardou as memórias com carinho e finalmente decidiu “ancorar o barco da vida”.

O conto Três peras no prato narra a história de um rei ganancioso que tinha uma sede insaciável e de um jovem humilde que trabalhava nos estábulos do palácio. O rapaz levou três peras para o monarca, de uma árvore que havia plantado no pomar. O rei matou sua sede ao consumir aquelas frutas suculentas. Porém, ao invés de demonstrar gratidão, o monarca tomou a árvore para si mesmo e apenas pagou pelas três peras. Com o dinheiro, o jovem plantou sua própria pereira e passou a vender suas frutas para os serventes do palácio que as davam ao rei, pois a sua árvore real (cheia de cuidados) estava definhando, mas seus súditos preferiam ludibria-lo para evitar a sua fúria.

Apesar de ter enriquecido, o jovem continuou trabalhando nos estábulos para garantir o bom estrume que servia de adubo à sua preciosa árvore. Essa narrativa deixa uma importante mensagem: não podemos esquecer nossas raízes/origens, pois são elas que nos impulsionam para o futuro. Vale ressaltar que a cor preponderante desse conto é o amarelo, que coincide com a coloração das peras.

O ano em que lembra o ditado popular que diz: “um dia é da caça, outro, do caçador”. Nesse conto, no qual há o predomínio das cores branca (da neve) e vermelha (do sangue), uma mulher faz um acordo com um lobo (que havia matado seu marido, sem o conhecimento dela). Logo eles estreitam laços e se tornam praticamente amigos. Mas a luta pela sobrevivência leva os seres à situações extremas. Mulher e lobo, em um inverno rigoroso e repleto de fome. Um dos dois seria a caça, mas a mulher agiu mais rápido.

O conto Atrás da janela entreaberta faz um interessante jogo de luz e sombra, por isso, suas cores predominantes são preto e amarelo, em referência à escuridão e à claridade, respectivamente. O fato do protagonista sair das sombras para luz lembra o mito da caverna, de Platão, quando a verdade é revelada. Essa narrativa demonstra como o amor torna as pessoas únicas, diferentes, especiais.

Por outro lado, no conto Um palácio apertado, no qual as cores principais são amarelo e branco, uma rainha sofria com um calor sufocante. O seu antigo palácio havia sido destruído em um incêndio. Acreditavam que seus calores tinham sido provocados pelo incidente. No entanto, o real motivo era o estresse e o excesso de deveres e pessoas ao seu redor. Por fim, o rei percebeu que havia tomado uma boa decisão ao se mudar para um castelo menor, pois locais pequenos nos fazem aprender a lidar melhor com as outras pessoas, nos ensinam a adaptar-nos.

“Só sei que nada sei”, essa frase célebre do filósofo Sócrates resume bem o significado do conto Uma pergunta, apenas. Nessa narrativa, um rei presunçoso, que acreditava saber sobre tudo do universo, pediu que um sábio fizesse uma pergunta difícil, pois as únicas coisas que o monarca não tinha eram dúvidas. Ouvindo isso, o sábio nada respondeu e o seu silêncio feriu profundamente os ouvidos reais. Muito tempo se passou, e um dia o rei retornou para a casa do ancião mas, dessa vez, ele tinha muitas perguntas a fazer para o sábio. Com o tempo, ele percebeu que a sabedoria advém da humildade de compreender que nada sabemos e de que passaremos a vida inteira em constante aprendizado. Nesse conto as cores preponderantes são dourado, azul (da água) e marrom (da terra/poeira).

A água sem limites é um texto belíssimo, repleto de poesia, no qual predominam as cores azul e prata, em referência à água e à luz da lua, respectivamente. É curioso como essa narrativa diz que cada gota d’água vem (e retorna) para outra água, o que nos faz lembrar do romance Água Viva (1973), de Clarice Lispector, no qual o(a) narrador(a)-personagem diz que: “Um pedaço mínimo de espelho é sempre um espelho todo” (p. 55). Assim, esse conto apresenta a água como espelho da lua, assim como a lua é espelho do sol.

A narrativa de O presente mais precioso gira em torno de um rico comerciante que buscava um presente valioso para dar à sua amada esposa. Um dia, ele se deparou com uma linda rosa branca, no jardim de um hotel. Ele a achou tão perfeita que decidiu pagar o quanto fosse necessário para consegui-la. Ao arrancar apressadamente a flor, espetou seu dedo em um espinho e acabou tingindo a rosa de vermelho com o seu sangue. A guardou em um lenço e escondeu dentro da camisa, na direção do coração, para provar o seu amor. Porém, quando foi entregar a rosa à sua esposa, ele sentiu um bater de asas em seu peito. No lugar da flor, surgiu uma pomba branca que alçou voo. Logo, podemos inferir que o presente mais precioso é a liberdade.

À beira do penhasco trata-se de um belo conto que aborda a importância do diálogo. Assim como no texto anterior, nele há o predomínio das cores branca e vermelha. A palavra servia de alimento para o protagonista. Contudo, ele era sozinho, por isso, se alimentava das próprias palavras. Até que um dia ele pescou uma palavra diferente, que pertencia a outra pessoa. Logo, ele começou a “lapidar com mais atenção suas palavras para formar com elas um raciocínio fácil de acompanhar” e passou “a ler, para oferecer outros temas a quem o escuta. Um passo depois do outro, o homem se faz melhor do que havia sido até então” (Colasanti, 2023, p. 84).

O conto Sereno mundo azul é homônimo ao livro de Marina Colasanti. O referido texto carrega uma linguagem poética e fala sobre a importância de lidar com o inesperado, o incerto. As certezas dessa vida se partem, como o frágil prato de porcelana do conto, e só quem tem consciência da fugacidade do tempo, e das coisas, é que permanece firme, sereno. Como o próprio título indica, há a preponderância da cor azul. O azul significa tranquilidade, serenidade e harmonia, mas também está associado à frieza, monotonia e tristeza. Sem dúvida, essa foi a cor mais recorrente ao longo do livro, isso porque simboliza a água, o céu e o infinito. 

Por fim, o conto E a noz se abriu, no qual predominam as cores verde, marrom e vermelho, apresenta um mundo desconhecido que só pode ser acessado por uma noz. Essa noz é um portal de ida e volta, que lembra a toca do coelho para Alice do País das Maravilhas e o guarda-roupa para as crianças que encontraram Nárnia. Esse conto simboliza a saída do campo do maravilhoso, tal como foi delineado no livro de Marina Colasanti, mas também é um convite: a porta (ou a noz) sempre está aberta. Sempre, independente da idade, podemos adentrar o maravilhoso.

 

REFERÊNCIAS:

CARROLL, Lewis. Alice no País das Maravilhas. São Paulo: Cosac Naify, 2009.

COLASANTI, Marina. Sereno mundo azul. Ilustração Elizabeth Builes. 1. ed. São Paulo: Global Editora, 2023.

LEWIS, C. S. As crônicas de Nárnia: O leão, a feiticeira e o guarda-roupa. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

LISPECTOR, Clarice. Água Viva [1973]. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 2020.

PLATÃO. Apologia de Sócrates e Banquete. São Paulo: Martin Claret, 2002.

________. O mito da caverna. In: A República. Tradução de Carlos Alberto Nunes. 3. ed. Belém: EDUFPA, 2000.

 

Sereno mundo azul  está disponível para venda no site da Global Editora: https://grupoeditorialglobal.com.br/catalogos/livro/?id=4607 

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