Seguindo de camisa listrada
“Do segundo grupo, aquelas canções das quais nos apropriamos sentimentalmente como, no meu caso, Ouça, Feitiço da Vila, Baby, Marina etc.”
Listas e listras. Listras são fascinantes. Nas vestes, nos enfeites e nos animais (zebras). Quanto às listas, sempre fui vidrado por elas. Tenho desde o Livro das listas a até Listas Extraordinárias, presente de minha confreira amiga, poeta Laura Amélia Damous.
Esses dias, relendo revistas antigas deparei com uma edição da revista Bravo (certamente está na lista das melhores revistas já publicadas neste país) com sua lista das cem canções essenciais da MPB.
Uma rápida olhada na seleção me fez constatar que lá estavam desde as clássicas inevitáveis até as menos votadas, da nossa cota pessoal. Do primeiro grupo Construção, Garota de Ipanema, Carinhoso, Detalhes, de diferentes compositores de peso. Do segundo grupo aquelas das quais nos apropriamos sentimentalmente na base do “somos eternamente responsáveis por aquilo que cativamos”, não é mesmo, Exupéry? No meu caso, lá estavam Baby, de Caetano, Ouça, de Maysa, Feitiço da Vila, de Noel, Marina, de Caymmi. Dentro desse espírito, comecei a ficar incomodado na medida em que percorria os títulos e ela não aparecia. Cadê a Camisa Listrada?
Escutei o samba Camisa Listrada pela primeira vez, quando, em criança iniciei o meu aprendizado de violão sob a batuta de meu pai, ele, um exímio instrumentista que tocava também clarinete e saxofone. Não sei o que me fascinou mais quando ouvi a canção, se a melodia repetitiva que, como no Bolero de Ravel vai num crescendo, enquanto dramaticamente chega ao êxtase, ou se a letra que, com frases bizarras atordoa nossos ouvidos com precisão angelical e infantil. O início do samba “Vestiu uma camisa listrada e saiu por aí”, é uma declaração de independência à brasileira, muito mais inspirada do que “Independência ou Morte”, por exemplo. Quando logo depois o samba deságua num “Mamãe eu quero mamar, mamãe eu quero mamar...” (expressão que, mesmo quando soube que se tratava de uma gíria de época, jamais perdeu sua conotação pueril), o mistério e o êxtase, essenciais em toda obra de arte, se completam.
Ora, listas! Caso citem os melhores hão de ser sempre incompletas e imperfeitas. No caso desta, quando busca as essenciais, já me parece um artifício dos autores para se proteger dos inevitáveis esquecimentos que, no caso do genial compositor Assis Valente (que suicidou-se na década de 50) foi apenas parcial pois incluiu sua canção E o mundo não se acabou.
Por algum motivo E o mundo... foi considerado essencial e não Camisa Listrada ou Boas Festas, a mais plangente canção de Natal que já escutei , também de sua lavra. Vai ver que essas músicas são belas, mas não essenciais, na preferência dos críticos musicais da revista de gosto, certamente, mais refinado que o meu. Enfim, coisas de listas.
Mas a Camisa Listrada deveria estar lá.
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