(Divulgação)
COLUNA
Gabriela Lages Veloso
Escritora, poeta, crítica literária e mestranda em Letras pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA).
Gabriela Lages Veloso

Arte Cotidiana

É importante destacar duas poetas que abordam a arte cotidiana com maestria em seus livros: Dalva Lobo e Rilnete Melo.

Gabriela Lages Veloso

Ilustração: Bruna Lages Veloso
Ilustração: Bruna Lages Veloso

A arte não tem gênero, língua, religião, cultura, etnia ou nacionalidade. A arte tem o poder de reunir mundos. Quando paramos para observar a vida cotidiana percebemos que ela é repleta de contrariedades, momentos difíceis, pequenas vitórias e esperanças. Mas é justamente a arte que faz com que os nossos dias não sejam sempre os mesmos. A poesia não está contida apenas em dias excepcionais, ela também está presente no cotidiano. Diante disso, é importante destacar duas poetas que abordam a arte cotidiana com maestria em seus livros: Dalva Lobo e Rilnete Melo. 

A escritora e poeta paulista Dalva Lobo reside atualmente em Lavras (MG). É doutora em Letras pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), pós-doutora em Literatura Brasileira pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), professora da Universidade Federal de Lavras (UFLA) e membro da Academia Lavrense de Letras. Em 2022, a autora publicou o seu primeiro livro, Poesilha, dos pequenos tratados do cotidiano, pela Editora Siano (MG). 

Já a escritora e cordelista maranhense Rilnete Melo reside em Pindaré-Mirim (MA). É graduada em Letras/Espanhol pela Faculdade Santa Fé e membro da Academia de Artes, Ciências e Letras do Brasil (ACILBRAS) e da Academia Biblioteca Mundial de Letra y Poesía (ABMLP). Além disso, é colunista do Feminário Conexões e colaboradora da Revista internacional The Bard. Em 2023, publicou o seu segundo livro, O máximo de mim e outros mínimos poemas, pela Editora Penalux (SP).

Em Poesilha, dos pequenos tratados do cotidiano (2022), Dalva Lobo reúne 30 textos (poemas e prosas poéticas) que apresentam as diferentes nuances da vida diária de modo sinestésico. Por isso, no prefácio do livro, o escritor Vanderlei Barbosa afirma que a escrita da autora “aguça os cinco sentidos [...] toca corpo-alma” (p. 11). Com uma linguagem poeticamente elegante, Dalva tece reflexões acerca do tempo, do amor, da ancestralidade, do dualismo sagrado-profano, do silêncio e do vazio que preenche nossas existências.

Porém, a poeta deixa uma ressalva, Poesilha é destinado aos “loucos, poetas e errantes, [...] Porque neles reside a sabedoria de quem ama a vida, a beleza e a virtude” (Lobo, 2022, p. 15). É um livro que encanta pela força e profundidade de seus temas e a leveza de sua linguagem. É digna de nota a presença de poemas metalinguísticos que refletem sobre o fazer poético e de referências a escritores clássicos, tais como Homero, Mallarmé, Rimbaud, Pessoa, Rosa e Leminski. Há também uma excelente paródia do poema “No meio do caminho”, de Carlos Drummond de Andrade:

 

A pedra e o(s) caminho(s)

 

Por entre as pedras havia vários caminhos

Havia vários caminhos por entre as pedras

Jamais os esqueci

 

Por entre as pedras havia vários caminhos

Cada um me apontando para uma direção

Tive de escolher, descartar,

Abrir caminhos, fechar portas.

 

Por entre as pedras havia vários caminhos

Jamais os esquecerei

Eles me trouxeram aqui

Onde me encontro neste momento

 

Caminhos que tracei, outros que deixei,

Todos me ensinaram 

Que há vários caminhos entre as pedras

 

Elas, as pedras, são apenas um momento,

Uma parada para respirar,

observar e seguir adiante,

Desbravando, recuando, escolhendo e descartando

 

São apenas pedras

Sem causa, sem favor,

Por isso, 

Jamais esqueço

Que por entre as pedras existem vários caminhos

E nós os escolhemos, sempre.

 

(Lobo, 2022, p. 38-39).

 

Por sua vez, em O máximo de mim e outros mínimos poemas (2023), Rilnete Melo apresenta 100 poemas — alguns deles visuais — de cunho feminista, que acompanham o cotidiano de um eu lírico feminino, que representa todas as mulheres. Conforme o escritor e crítico literário José Neres, na orelha do livro: “Verso a verso, estrofe a estrofe, ela demonstra que é possível ser ousada e discreta ao mesmo tempo”, isso porque a escrita de Rilnete é, simultaneamente, destemida e sutil. Ao longo da obra, são retratados temas como padrões de beleza, amor, liberdade, desigualdades sociais, luto, saudade e ancestralidade.

Dividida entre o sagrado e o profano, a voz poética afirma: “Abracei minhas bruxas e Marias/ sem temeridade” (Melo, 2023, p. 33), isto é, aceitou todas as suas versões, mesmo aquelas que não são benquistas socialmente. O máximo de mim (2023) é, de fato, um livro de  dualismos, que de maneira forte e ousada, reflete sobre vida e morte; realidade e fantasia; guerra e paz, desilusão e esperança. Além disso, traz poemas metalinguísticos, que revelam que a poesia está no caos e na desordem cotidiana. O primeiro poema da obra de Rilnete explicita a riqueza que existe em cada um de nós, um verdadeiro universo:

 

Preto no branco

 

Às claras exponho

tudo o que fui e o que não fui

Às claras eu amei

e deixei de amar

Das inverdades da vida,

ou no soturno,

fui e sou

o máximo de mim.

Não importa o adjetivo,

este me apresenta

ao mundo

prefiro o verbo

que age em meu punho.

Quem transparece em ação

se faz universo

então, abro os braços em verso

Apresento-me 

ao fundo do espelho

em sinestesia

e quando me vejo

sou claramente poesia!

 

(Melo, 2023, p. 11).

 

Certo é que tanto Dalva Lobo, quanto Rilnete Melo conseguem demonstrar com a coragem, que é inata aos poetas, como a vida cotidiana, apesar de seus impasses, desafios e desastres, também abriga (deve abrigar) a leveza da poesia, do amor e da esperança. Poesilha, dos pequenos tratados do cotidiano (2022) e O máximo de mim e outros mínimos poemas (2023) são provas de como a literatura brasileira permanece viva, cheia de ótimos/as poetas e escritores/as, que merecem, a cada novo dia, mais reconhecimento e valorização.

 

REFERÊNCIAS:

LOBO, Dalva. Poesilha, dos pequenos tratados do cotidiano. Juiz de Fora: Editora Siano, 2022. Disponível em: <https://encurtador.com.br/qIwmP>. Acesso: 09/07/24.

MELO, Rilnete. O máximo de mim e outros mínimos poemas. Guaratinguetá: Penalux, 2023. Disponível em: <https://www.editoralitteralux.com.br/loja/rilnete-melo>. Acesso: 09/07/24.

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