Arte Cotidiana
É importante destacar duas poetas que abordam a arte cotidiana com maestria em seus livros: Dalva Lobo e Rilnete Melo.
A arte não tem gênero, língua, religião, cultura, etnia ou nacionalidade. A arte tem o poder de reunir mundos. Quando paramos para observar a vida cotidiana percebemos que ela é repleta de contrariedades, momentos difíceis, pequenas vitórias e esperanças. Mas é justamente a arte que faz com que os nossos dias não sejam sempre os mesmos. A poesia não está contida apenas em dias excepcionais, ela também está presente no cotidiano. Diante disso, é importante destacar duas poetas que abordam a arte cotidiana com maestria em seus livros: Dalva Lobo e Rilnete Melo.
A escritora e poeta paulista Dalva Lobo reside atualmente em Lavras (MG). É doutora em Letras pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), pós-doutora em Literatura Brasileira pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), professora da Universidade Federal de Lavras (UFLA) e membro da Academia Lavrense de Letras. Em 2022, a autora publicou o seu primeiro livro, Poesilha, dos pequenos tratados do cotidiano, pela Editora Siano (MG).
Já a escritora e cordelista maranhense Rilnete Melo reside em Pindaré-Mirim (MA). É graduada em Letras/Espanhol pela Faculdade Santa Fé e membro da Academia de Artes, Ciências e Letras do Brasil (ACILBRAS) e da Academia Biblioteca Mundial de Letra y Poesía (ABMLP). Além disso, é colunista do Feminário Conexões e colaboradora da Revista internacional The Bard. Em 2023, publicou o seu segundo livro, O máximo de mim e outros mínimos poemas, pela Editora Penalux (SP).
Em Poesilha, dos pequenos tratados do cotidiano (2022), Dalva Lobo reúne 30 textos (poemas e prosas poéticas) que apresentam as diferentes nuances da vida diária de modo sinestésico. Por isso, no prefácio do livro, o escritor Vanderlei Barbosa afirma que a escrita da autora “aguça os cinco sentidos [...] toca corpo-alma” (p. 11). Com uma linguagem poeticamente elegante, Dalva tece reflexões acerca do tempo, do amor, da ancestralidade, do dualismo sagrado-profano, do silêncio e do vazio que preenche nossas existências.
Porém, a poeta deixa uma ressalva, Poesilha é destinado aos “loucos, poetas e errantes, [...] Porque neles reside a sabedoria de quem ama a vida, a beleza e a virtude” (Lobo, 2022, p. 15). É um livro que encanta pela força e profundidade de seus temas e a leveza de sua linguagem. É digna de nota a presença de poemas metalinguísticos que refletem sobre o fazer poético e de referências a escritores clássicos, tais como Homero, Mallarmé, Rimbaud, Pessoa, Rosa e Leminski. Há também uma excelente paródia do poema “No meio do caminho”, de Carlos Drummond de Andrade:
A pedra e o(s) caminho(s)
Por entre as pedras havia vários caminhos
Havia vários caminhos por entre as pedras
Jamais os esqueci
Por entre as pedras havia vários caminhos
Cada um me apontando para uma direção
Tive de escolher, descartar,
Abrir caminhos, fechar portas.
Por entre as pedras havia vários caminhos
Jamais os esquecerei
Eles me trouxeram aqui
Onde me encontro neste momento
Caminhos que tracei, outros que deixei,
Todos me ensinaram
Que há vários caminhos entre as pedras
Elas, as pedras, são apenas um momento,
Uma parada para respirar,
observar e seguir adiante,
Desbravando, recuando, escolhendo e descartando
São apenas pedras
Sem causa, sem favor,
Por isso,
Jamais esqueço
Que por entre as pedras existem vários caminhos
E nós os escolhemos, sempre.
(Lobo, 2022, p. 38-39).
Por sua vez, em O máximo de mim e outros mínimos poemas (2023), Rilnete Melo apresenta 100 poemas — alguns deles visuais — de cunho feminista, que acompanham o cotidiano de um eu lírico feminino, que representa todas as mulheres. Conforme o escritor e crítico literário José Neres, na orelha do livro: “Verso a verso, estrofe a estrofe, ela demonstra que é possível ser ousada e discreta ao mesmo tempo”, isso porque a escrita de Rilnete é, simultaneamente, destemida e sutil. Ao longo da obra, são retratados temas como padrões de beleza, amor, liberdade, desigualdades sociais, luto, saudade e ancestralidade.
Dividida entre o sagrado e o profano, a voz poética afirma: “Abracei minhas bruxas e Marias/ sem temeridade” (Melo, 2023, p. 33), isto é, aceitou todas as suas versões, mesmo aquelas que não são benquistas socialmente. O máximo de mim (2023) é, de fato, um livro de dualismos, que de maneira forte e ousada, reflete sobre vida e morte; realidade e fantasia; guerra e paz, desilusão e esperança. Além disso, traz poemas metalinguísticos, que revelam que a poesia está no caos e na desordem cotidiana. O primeiro poema da obra de Rilnete explicita a riqueza que existe em cada um de nós, um verdadeiro universo:
Preto no branco
Às claras exponho
tudo o que fui e o que não fui
Às claras eu amei
e deixei de amar
Das inverdades da vida,
ou no soturno,
fui e sou
o máximo de mim.
Não importa o adjetivo,
este me apresenta
ao mundo
prefiro o verbo
que age em meu punho.
Quem transparece em ação
se faz universo
então, abro os braços em verso
Apresento-me
ao fundo do espelho
em sinestesia
e quando me vejo
sou claramente poesia!
(Melo, 2023, p. 11).
Certo é que tanto Dalva Lobo, quanto Rilnete Melo conseguem demonstrar com a coragem, que é inata aos poetas, como a vida cotidiana, apesar de seus impasses, desafios e desastres, também abriga (deve abrigar) a leveza da poesia, do amor e da esperança. Poesilha, dos pequenos tratados do cotidiano (2022) e O máximo de mim e outros mínimos poemas (2023) são provas de como a literatura brasileira permanece viva, cheia de ótimos/as poetas e escritores/as, que merecem, a cada novo dia, mais reconhecimento e valorização.
REFERÊNCIAS:
LOBO, Dalva. Poesilha, dos pequenos tratados do cotidiano. Juiz de Fora: Editora Siano, 2022. Disponível em: <https://encurtador.com.br/qIwmP>. Acesso: 09/07/24.
MELO, Rilnete. O máximo de mim e outros mínimos poemas. Guaratinguetá: Penalux, 2023. Disponível em: <https://www.editoralitteralux.com.br/loja/rilnete-melo>. Acesso: 09/07/24.
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