Especial Maioridade Penal

Entenda a proposta que reduz a maioridade penal

Texto permite que pena em prisão comum possa valer a partir de 16 anos. Nova votação deve ocorrer após o recesso parlamentar do mês de julho.

Raquel Soares/Imirante.com

Atualizada em 27/03/2022 às 11h41
 Proposta que permite pena para adolescentes em prisão comum tem gerado polêmica. Foto: Reprodução.
Proposta que permite pena para adolescentes em prisão comum tem gerado polêmica. Foto: Reprodução.

SÃO LUÍS - A proposta de emenda à Constituição Federal que trata da redução da maioridade penal (PEC 171/1993) foi apresentada pela primeira vez no ano de 1993. Após 21 anos de seu lançamento, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, criada pelo presidente Eduardo Cunha, retomou as discussões. A polêmica proposta reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos no país.

Segundo pesquisa Datafolha divulgada no mês de junho, 87% dos brasileiros são a favor da PEC. De acordo com a pesquisa, contrários à mudança correspondem a 11%; indiferentes, 1%, e não souberam responder, 1%.

Entendendo a PEC

Segundo o artigo 228 da Constituição Federal, menores de 18 são considerados inimputáveis, ou seja, em caso de prática criminosa, os adolescentes têm direito a uma legislação especial e não podem ser condenados a cumprimento de pena em uma prisão comum.

A legislação especial a qual a Constituição se refere é o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). O ECA afirma que o menor de 18 anos que pratica ato infracional pode ter como medida socioeducativa advertência e prestação de serviços à comunidade ou internação em estabelecimento educacional.

A internação só deve ocorrer em casos de ato infracional considerado violento ou com grave ameaça, quando há reincidência ou quando há descumprimento de medida socioeducativa. A legislação determina, ainda, que a internação não pode durar mais de três anos e que a liberação do jovem seja obrigatória aos 21 anos.

O texto inicial da PEC foi aprovado pela CCJ no dia 17 de junho. Pela proposta, somente jovens que cometessem crimes hediondos, (latrocínio e estupro), homicídio doloso (intencional), lesão corporal grave, seguida ou não de morte, roubo qualificado e tráfico seriam considerados aptos para responder criminalmente. Eles cumpririam pena em estabelecimento separado dos jovens maiores de 18 anos.

No dia 1º de julho, em votação no plenário da Câmara dos Deputados, a proposta foi rejeitada. Para ser aprovada, a PEC precisava de, no mínimo, 308 votos a favor, mas apenas 303 deputados foram favoráveis. Entretanto, 24 horas depois, a Câmara colocou novamente a matéria em votação e obteve aprovação da proposta.

De acordo com o novo texto, adolescentes podem ser punidos, a partir dos 16 anos, caso cometam crimes com “violência ou grave ameaça, crimes hediondos, homicídio doloso, lesão corporal grave ou lesão seguida de morte”. Foram excluídos do texto da proposta os crimes de tráfico e roubo qualificado.

Para virar lei, o texto ainda precisa ser julgado novamente na Câmara dos Deputados e, posteriormente, ser votado em dois turnos no Senado, onde deverá ter 49 votos entre os 81 senadores para ser aprovado. A nova votação deve ocorrer após o recesso parlamentar do mês de julho.

Superlotação

Relatório divulgado pelo Conselho Nacional do Ministério Público do ano de 2014 aponta que as unidades de internação de menores estão superlotadas em 16 Estados. No Maranhão, o sistema de internação maranhense oferecia 52 vagas para 461 menores, isto é, a demanda era nove vezes maior que a capacidade de atendimento. Em 2014, 541 jovens entre 16 e 17 anos foram apreendidos no Estado, segundo órgãos responsáveis pela administração de unidades de internação.

 Relatório Conselho Nacional do Ministério Público, com base em dados de 2014, divulgado em 22 de junho de 2015.. Foto: Gustavo Santana.
Relatório Conselho Nacional do Ministério Público, com base em dados de 2014, divulgado em 22 de junho de 2015.. Foto: Gustavo Santana.

No dia 13 de julho, o Estatuto da Criança e do Adolescente completou 25 anos e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) divulgou um relatório que mostra indicadores relacionados à infância e à adolescência desde a aprovação do estatuto. Entre as conquistas, estão a queda da mortalidade infantil, o crescimento de todos os indicadores na área de educação, a redução do trabalho infantil e a redução do sub-registro de nascimento.

Mas a garantia de direitos não chegou para todos. O documento afirma que crianças negras, indígenas, pobres e quilombolas são consideradas excluídas da educação e muitas precisam trabalhar para contribuir na renda familiar. Cerca de 36,5% dos adolescentes no Brasil são vítimas de assassinato, levando o Brasil a ocupar o segundo lugar no ranking dos países com maior número de assassinatos de meninos e meninas de até 19 anos, atrás apenas da Nigéria.

 Dados do relatório ECA25anos – Avanços e Desafios para a Infância e a Adolescência. Foto: Gustavo Santana.
Dados do relatório ECA25anos – Avanços e Desafios para a Infância e a Adolescência. Foto: Gustavo Santana.

'Populismo penal'

O Imirante.com entrevistou a presidente da Associação dos Defensores Públicos do Maranhão (Adpema), Clarice Viana Binda. A defensora pública é, também, titular do Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública e diretora para assuntos legislativos da Associação Nacional de Defensores Públicos (ANADEP). Ela comentou a PEC da maioridade e a aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente.

“Temos uma posição clara contra a redução da maioridade penal. A gente precisa, pelo menos, aprofundar esse debate. A redução de 18 para 16 não vai resolver o problema da criminalidade porque o jovem não é a causa da criminalidade. Esta é apenas uma solução simplória para um problema muito complexo, multifatorial e inconstitucional, já que fere todo o entendimento da Constituição Federal que é de proteção integral à criança e ao adolescente.

O menor de 18 anos é responsabilizado pelas suas infrações, ao contrário do que muita gente pensa. O ECA é uma das leis mais modernas do mundo. O jovem infrator tem responsabilidade, mas de acordo com seu desenvolvimento. Existem medidas socioeducativas e de internação. O que se discute hoje é o aumento do tempo de internação, mas ainda falta debate. Não houve, por exemplo, uma audiência pública para que os atores envolvidos nesse sistema socioeducativo opinassem.

 'Nunca se encarcerou tanto e o Brasil é um dos países mais violentos do mundo. Prender, do jeito que a gente prende hoje, não é a solução', diz defensora pública. Foto: Raquel Soares.
'Nunca se encarcerou tanto e o Brasil é um dos países mais violentos do mundo. Prender, do jeito que a gente prende hoje, não é a solução', diz defensora pública. Foto: Raquel Soares.

Nesses 25 anos, se diminuiu a mortalidade infantil, o trabalho infantil, o número de adolescentes em casas de internação e aumentaram os indicadores de educação. Ao mesmo tempo, isso não contempla todos os adolescentes. Os grupos vulneráveis são aqueles que serão diretamente atingidos pela redução da maioridade penal. Será que a redução não é mais uma política contra esse grupo que não está sendo contemplado com os avanços do ECA?

As casas de internação sofrem com superlotação, não dão condições de estudo e trabalho profissionalizante, do mesmo jeito que o sistema prisional nacional. Se o Estado não está conseguindo cumprir as medidas socioeducativas do ECA, como a gente pode transferir essa responsabilidade pro sistema penitenciário adulto? Isso vai gerar mais criminalidade já que as grandes facções se originam de dentro das penitenciárias.

Vivemos um populismo penal. Nunca se encarcerou tanto e o Brasil é um dos países mais violentos do mundo. Prender, do jeito que a gente prende hoje, não é a solução. Se a gente não investir em educação, não adianta construir prisões”.

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