Urbanização suprimiu 50% da área de manguezais de São Luís, afirma estudioso
Professor e pesquisador da UFMA resgata processo de dizimação de áreas de mangue da capital para dar lugar a núcleos habitacionais e a obras que favoreceram a expansão da cidade; devastação do bioma foi inevitável, afirma o acadêmico
São Luís - No último século, São Luís deixou de ser uma área iminentemente tomada por mangues e tornou-se a capital que conhecemos hoje. Até o fim do século XIX e meados do século XX, 60% da área de toda a capital maranhense era tomada por manguezais. O processo, que a uma primeira vista pode parecer predatório, era inevitável. É o que diz Luiz Eduardo Neves, geógrafo, professor da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), especialista em Geoprocessamento Aplicado ao Cadastro Multifinalitário pelo Centro de Desenvolvimento de Conhecimentos e Habilidades (CEDECON), mestre em Desenvolvimento Socioeconômico pela UFMA e doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Ceará (UFC). “Infelizmente, não havia outro limite de expansão que não fosse para as áreas de mangues. Ou a cidade crescia para os mangues, ou simplesmente não iria deixar de ser um pequeno lugarejo”, explicou.
Grandes concentrações de terra e bairros populosos da capital do Maranhão um dia já foram manguezais. Ao longo dos anos, segundo o pesquisador, a área de cerca de 36 mil hectares foi reduzida a pouco mais de 18 mil hectares. Apesar da devastação, São Luís segue sendo a cidade maranhense com a maior concentração de mangues em zona urbana de todo o Brasil.
Mangues
Os manguezais são vegetações costeiras encontradas nas regiões da Terra mais próximas da Linha do Equador. Seu desenvolvimento acontece devido à irradiação solar, chuvas constantes e grande variação das marés.
Por estar diretamente ligado à variação de marés, o solo característico do bioma é formado por sedimentos de origem marinha e continental, restos de folhas, galhos e animais em decomposição. Essa peculiaridade torna o ambiente rico em matéria orgânica, propício a espécies de micro-organismos e animais que buscam os mangues como fonte de alimento e refúgio contra predadores.
Um mangue chamado São Luís
Segundo o professor Luiz Eduardo Neves, o avanço sobre os manguezais na cidade pode ser datado da década de 1950. Nessa época, a cidade ainda tinha preservada sua área de manguezal quase em sua totalidade. O bioma representava cerca de 36 mil hectares.
Com a interiorização da cidade por meio do último “caminho grande”, que hoje é chamado de Avenida Getúlio Vargas, famílias mais pobres começaram a fazer a opção por moradias em regiões alagadiças de mangue, em condições precárias.
Apenas na década de 70, com a chegada de Haroldo Tavares ao cargo de prefeito de São Luís, o avanço na região de mangues para moradias deixou de ser uma ação desordenada civil e passou a fazer parte de um programa estatal.
Os grandes projetos de habitação da época do regime militar foram responsáveis pela supressão de áreas inteiras de manguezais, dentre elas a área que hoje abriga a Areinha. No final dos 1970, toda a área foi aterrada e loteada por Haroldo Tavares.
Neste período, se inicia a urbanização mais intensa em São Luís. Entre os grandes projetos habitacionais está o conjunto habitacional Ipase. Contudo, seguiram as ocupações desordenadas inciadas nos anos 1950 nos bairros Liberdade, Camboa e Alemanha.
A construção da Barragem do Bacanga, aliada ao avanço habitacional, também contribuiu para a supressão dos manguezais localizados na bacia do Rio Bacanga. Mas nenhuma área foi mais atingida do que a bacia do Rio Anil. Nas últimas cinco décadas, mais de 90% do território que compreende o lugar foram mudados no processo de urbanização.
O professor Luiz Eduardo Neves informa que datam dessa época muitos problemas que hoje atormentam a população de São Luís. “Principalmente, no entorno do Rio Bacanga, na área da Avenida dos Africanos. Os casos de alagamentos são normais nesses bairros porque seus territórios integram um relevo que sofre com a variação das marés e porque a infraestrutura de drenagem dessas localidades foi pessimamente planejada”, explana.
O aterro mais conhecido da cidade, até por seu caráter recente, é o do Bacanga. Construído entre 1986 e 1989 pelo ex-governador Epitácio Cafeteira, a área ocupa cerca de 150 mil km², entre o Terminal Hidroviário (Rampa Campos Melo) e o Canal do Portinho.
A história do Aterro do Bacanga, guardadas as devidas proporções, serve como parâmetro para entender todo o histórico do avanço urbano nos mangues em toda a cidade. A urbanização do trecho foi uma tentativa de ocupar áreas ao redor do Centro Histórico de São Luís para garantir o crescimento da região. A intervenção serviu para a construção do que hoje conhecemos como Anel Viário, obra importantíssima para descongestionar o trânsito no Centro de São Luís. Sua construção também facilitou a conexão entre o transporte hidroviário e o urbano. Além disso, possibilitou melhorias no escoamento da produção de pescado. Também foram criados mobiliários de esporte e lazer que nos últimos anos foram revitalizados pela Prefeitura de São Luís e Governo do Estado.
Hoje a área abriga o Cais da Praia Grande, o Terminal da Praia Grande, um estacionamento para 600 veículos, uma unidade do Departamento Estadual de Trânsito (Detran-MA), o Mercado do Peixe, uma pequena feira de pescados e mariscos, bares, a Passarela do Samba, o Parque São João Paulo II e o Complexo Esportivo Wandermilson Pena. Às quintas-feiras, também é realizada a Feira Livre de São Luís.
Avanço errado, mas inevitável
Apesar de lamentar a degradação da área de manguezais na cidade, o professor Luiz Eduardo Neves acredita que o processo era inevitável. “Mais de 60% de São Luís era área de mangue. Não há a mínima condição para acreditar que o processo tivesse sido diferente”, explica.
Mesmo com a supressão de grande parte dos manguezais da capital maranhense, hoje ainda existem cerca de 18 mil hectares remanescentes. As zonas de mangue ainda preservadas ocupam principalmente as bacias dos rios Tibiri, Cachorros e Paciência, na zona rural de São Luís.
Para Luiz Eduardo Neves, a distância do centro da cidade serviu como barreira para o avanço urbano nessas regiões. “Esse distanciamento pode propiciar ao poder público estratégia para a proteção ambiental. Se décadas atrás os governantes não tiveram como planejar situações de defesa por causa da rapidez do processo, agora, a lentidão da ocupação pode representar o tempo necessário para o planejamento”, explicou.
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