AIDS em São Luís

HIV/AIDS: o que fazer para prevenir novos casos da doença e evitar o preconceito?

O Estado faz um panorama acerca do que é feito, na prática, para evitar novos casos da doença; o medo e o temor com o preconceito ainda são marcas e estão no sentimento de quem tem o HIV

Thiago Bastos / O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h18

[e-s001]São Luís - O balanço epidemiológico mais atualizado referente ao perfil das pessoas consideradas “soropositivas” (termo não é reconhecido por autoridades públicas) em São Luís, aponta que, em sua maioria, a doença ainda atinge pessoas entre 35 e 44 anos de idade, de cor parda e que se declaram heterossexuais. Em sua maioria, pessoas do sexo masculino são as mais atingidas, no entanto, diminuiu a diferença de casos entre homens e mulheres nos últimos três anos.

Entender o perfil do público a ser assistido é de suma importância para a implantação de medidas e montagem da cobertura da rede de assistência para o controle da doença, seja com a testagem ou aplicação de tratamentos que incluem a ingestão dos chamados “antirretrovirais”.

Além dos heterossexuais, o público que se autodenomina “homossexual” também está em gráfico ascendente quanto aos casos na cidade. Antes de entender a atual realidade no controle da doença, é importante se atentar a questões voltadas para a importância do exame (teste rápido) de diagnóstico e entender que o preconceito contra os “positivos” está vivo e, infelizmente, se renovou com as redes sociais.

Diferença entre ter HIV e Aids
Uma pessoa, após ter sido infectada pelo vírus HIV, pode permanecer muitos anos sem desenvolver algum sintoma. Neste caso, diz-se que a pessoa está vivendo com HIV. É o que aponta a coordenação do Programa IST/AIDS, com base em protocolo construído nas últimas décadas pelos órgãos de controle de saúde do país.

Segundo especialistas, a AIDS é o estágio mais avançado da infecção pelo HIV e surge quando a pessoa apresenta infecções oportunistas (que se aproveitam da fraqueza do organismo, como tuberculose e pneumonia) devido à baixa imunidade ocasionada pelo vírus.

Em períodos de pandemia, por fatores ainda ligados à observação empírica, é possível deduzir até o momento que os medicamentos antirretrovirais possuem relativo poder de precaução contra o coronavírus. Não tem sido comuns casos, em especial na capital maranhense, de óbitos relacionados à AIDS, cujos fatores estejam diretamente ligados à Covid-19.

Porém, por enquanto, não há um fundamento científico que corrobore a relação. “Como neste caso os medicamentos cuidam também da retirada da capacidade de replicação do vírus, de certa forma isso protege o organismo e, ao mesmo tempo, dá certa resistência a outros males que porventura adentrem no corpo”, frisou o coordenador do programa IST/AIDS, Wendell Alencar.

De acordo com o gestor, é preciso focar principalmente no público jovem. Segundo Alencar, enquanto os adultos acima dos 25 anos são menos resistentes à busca por auxílio clínico e médico, os jovens até 21 anos de idade são menos suscetíveis a procurarem ajuda. “É o que chamamos de ser ou não cabeça aberta. Neste caso, está em andamento, infelizmente, um processo de subnotificação, incluindo os mais jovens que somente buscam os testes ou auxílio, quando quase tem a certeza de estarem infectados”, frisou.

A prevenção e o foco no jovem, aliás, foram os fatores norteadores do tema da campanha contra a AIDS este ano lançada pelo Município (intitulada “Se Liga nos Teus Direitos e Combina a Prevenção”). As ações foram divulgadas no início deste mês e englobam, acima de tudo, o combate ao preconceito. Este ainda é evidente na nossa sociedade.

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Histórias de quem sentiu na pele o preconceito por viver com o HIV
A busca pelo primeiro emprego é uma empreitada que todo jovem vive em uma sociedade concorrida como a brasileira. No cenário local, o contexto é semelhante. Diante disso, um jovem que preferiu não revelar a identidade e que vive com o HIV, detalhou, na prática, a existência latente do preconceito.

Ao ser selecionado em uma entrevista de trabalho, ele (que seguiu todos os requisitos exigidos pela empresa) recebeu a seguinte informação. “Disseram que o emprego não era meu. Fiquei surpreso”, afirmou, exigindo que a sua identidade fosse preservada nesta reportagem.

[e-s001]Em busca de respostas, o jovem procurou um amigo em comum no setor de Recursos Humanos na referida empresa. Quando perguntou acerca dos requisitos para a seleção, a surpresa. “Me disseram que, sem os interessados saberem, foi requerido um exame de HIV para todos os concorrentes a uma vaga. Para a minha surpresa, eu fui o único com o HIV que estava na seleção e, logo, concluí que me retiraram da seleção por causa disso, já que tinha mais experiência na área do que os demais”, disse.

Não ser selecionado devido ao diagnóstico, para entendedores do saber jurídico, é considerada atitude discriminatória, passível de ingresso em meio específico contra o suposto “autor moral do preconceito”. Mesmo com o respaldo legal para ingressar com remédios no âmbito do Judiciário, o jovem preferiu apenas o silêncio. E o anonimato. A razão para isso? “Simplesmente medo de ser apontado pela sociedade como alguém doente, alguém que não merece minimamente viver entre todos”, disse.

Medo de aparecer
O Estado
tentou, por várias semanas, com pessoas que vivem com o HIV na sociedade maranhense, para que pudessem expor sua rotina, a partir do diagnóstico. Foram indicadas 10 pessoas, e nenhuma delas quis ao menos relatar suas angústias, ainda que sob a condição de anonimato pleno.

Este fato corrobora a tese de que o medo de aparecer entre os que tem o vírus ainda é comum. É importante constatar o fato, acompanhando um dia na rotina de quem assiste a este público em potencial. No Centro de Testagem e Acompanhamento (CTA) no Anil, em média, de 15 a 20 potenciais pacientes procuram os serviços. A maioria, jovens.

Um deles estava angustiado por não saber se tinha ou não o vírus. “Tive relação sexual sem proteção e estou aqui”, disse H.R. de 21 anos. Ele – antes do procedimento de testagem de coleta de sangue para a confirmação ou não do vírus – passou por triagem e foi beneficiado com todo o amparo psicológico, recebendo orientações técnicas com a ajuda de um banner fixado nas dependências do serviço. O jovem estava ao lado de sua mãe, que a princípio não quis falar sobre o assunto.

Para manter sua privacidade, O Estado não teve acesso ao resultado. Em termos gerais, nos casos em que o exame detecta a presença do vírus, além do acompanhamento psicológico, o paciente é cadastrado e passa a receber, de forma periódica, o tratamento medicamentoso. Para o teste, basta a coleta de uma pequena quantidade de sangue e o resultado sai em até 30 minutos.

Neste período de virada de ano, a oferta dos medicamentos costuma diminuir, no entanto, a rede pública de São Luís ainda conta com bom estoque. Além do CTA do Anil, o Centro de Testagem e Aconselhamento (CTA) do Lira também oferta o serviço. O horário de atendimento nos locais é de segunda à sexta-feira, das 8h ao meio-dia e das 14h às 17h.

[e-s001]Programação
Além de serviços nos Centros de Testagem e Acolhimento no Lira e Anil, membros da Semus fazem agendas externas para a ampliação do trabalho preventivo durante o mês alusivo à campanha de conscientização. Na quinta-feira (10), foi realizada blitz educativa com abordagens e distribuição de preservativos na Avenida São Sebastião, Anil. Na ocasião, mais de 14 mil preservativos masculinos e femininos foram disponibilizados.

Além dos Centros de Testagem, todas as unidades básicas intensificaram nas últimas semanas as ações de mobilização e prevenção em comunidades, escolas, empresas, igrejas, terreiros e outros locais. Durante todo o ano, a Semus desenvolve projetos com o foco na prevenção e atendimento de públicos específicos.

No Centro de Saúde do Bairro de Fátima, funciona desde 1990 o Serviço de Assistência Especializada em HIV/AIDS. Além da testagem, pacientes são acompanhados diariamente por uma equipe multidisciplinar. O CS Fátima está localizado ao lado do Viva no bairro.

Ampliação da rede
De 2013 até 2020, dados da coordenação do Programa IST/AIDS da Secretaria Municipal de Saúde (Semus) apontam que a capital maranhense expandiu a sua rede de cobertura para a promoção e prevenção para o HIV, descentralizando os testes rápidos e ampliando diagnóstico do vírus HIV.

Há sete anos, eram apenas seis unidades autorizadas para o procedimento, atualmente são 72 unidades da Rede do Sistema Único de Saúde (SUS) – do Município em especial – que fazem os testes.

A Semus aponta ainda que houve no período de sete anos um aumento no número de unidades que efetuam a Profilaxia Pós-Exposição - PEP de Risco do HIV, ou seja, serviço especializado na oferta de medicamentos para a redução nos riscos de aquisição de infecções por relações sexuais. Em 2013, era apenas uma unidade e em 2020 a rede oferta 10 unidades com o serviço.

Dentre as unidades que integram a estrutura de assistência ao controle da AIDS na capital, estão os Centros de Testagem e Aconselhamento do Lira (na Rua Pedro Bessa, bairro) e do Anil (na Avenida São Sebastião, bairro), além do Serviço de Atendimento Especializado que funciona no Centro de Saúde do Bairro de Fátima (na Rua Ademar de Barros, bairro) e o CTA na Rua, com abordagens a públicos específicos é agendas externas.

No início deste ano, São Luís foi uma das nove capitais selecionadas no país pelo Ministério da Saúde (MS) para execução do projeto “Oficina de Pactuação da Agenda do Projeto Estratégico de Centros de Testagem e Aconselhamento (CTA)” da pasta federal. A iniciativa serve de base para melhorias em unidades de assistência contra infecções sexualmente transmissíveis em países da América Latina.

No total, ainda segundo informações do MS, foram mais de 500 CTAs que participaram da seleção e, de acordo com a pasta, a pactuação levantará indicadores e definirá, nos próximos meses, as diretrizes de monitoramento dos casos de ISTs. A partir deste ponto, políticas serão elaboradas e contarão com o financiamento do Ministério da Saúde e da OPAS.

“Vivo com o HIV dentro de mim há 30 anos”

Um dos poucos a romper a barreira do medo e explicitar, com coragem, sua situação, é quem está na linha de frente de atendimento há algum tempo. Wendell Alencar, além de responsável pelas políticas de controle do HIV na capital, vive com o HIV há 30 anos.

Foi em 1990 que, com 16 anos, descobriu a doença. “Para mim, um verdadeiro choque. Era uma época que ainda não se sabia o que era e tampouco como combatê-la”, disse.

Inicialmente, seu “tratamento” era na rede pública, à base de medicamentos que combatiam apenas infecções. Com o desenvolvimento dos protocolos de atendimento e assistência, Wendell passou a ingerir os antirretrovirais.

Sua vida é como a de outras pessoas, segundo ele. “Não houve sequela, vivo durante este período sem nenhuma dor e tenho apenas de tomar mais cuidados quanto à fatores que agravem o quadro, como outras enfermidades”, disse.

Antes de dar esse depoimento, O Estado conversou com o gestor e explicou as razões da entrevista. “Antes, não queria falar, pois onde moro, até hoje, as pessoas ainda me apontam o dedo. Mas é preciso falar, para servir de exemplo”, afirmou.

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