A pandemia agravou a violência contra mulheres. A constatação é afirmada e confirmada por pesquisas e especialistas. Segundo dados recentes do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, que traz um recorte desse período da pandemia, uma mulher é agredida fisicamente a cada dois minutos, e a cada oito minutos uma pessoa do sexo feminino é vítima de estupro.
Em relação ao feminicídio, ápice da violência de gênero, a situação também piorou. Enquanto no primeiro semestre de 2019 foram registrados 636 feminicídios, em 2020 foram contabilizados 648 casos. Das vítimas de feminicídio no Brasil, 66,6% foram negras.
No Rio Grande do Sul, por exemplo, com relação a casos de lesão corporal dolosa, embora tenham diminuído de 10.692 para 9.728, o estado é o quarto no ranking brasileiro. Também é o quarto em relação aos casos de feminicídio. De acordo com o Observatório Estadual de Segurança Pública, da Secretaria de Segurança Pública, de janeiro a outubro deste ano, o RS registrou 67 casos de feminicídio e 288 tentativas.
Pesquisadoras da Diretoria de Estudos e Políticas Sociais do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) lançaram, em junho deste ano, a nota técnica “Políticas Públicas e Violência Baseada no Gênero Durante a Pandemia Da Covid-19: Ações Presentes, Ausentes e Recomendadas”, pontuam a pandemia como um fator agravante para questões de violência doméstica familiar no país.
Paola Stuke, cientista social pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), mestra e doutoranda em Sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). diz que a pandemia do novo coronavírus chegou ao Brasil, em um cenário de esfacelamento de políticas públicas voltada à questão das mulheres. Conforme a cientista política, estados que possuem secretarias específicas têm um melhor desempenho de ações à violência contra as mulheres no contexto específico da pandemia.
No país apenas cinco estados e o Distrito Federal possuem Secretaria da Mulher independente. Há uma carência também quando se trata de Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs). De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 91,7% das cidades do país não há delegacia de atendimento à mulher.
“A gente precisa de ações que reestruturem a sociedade para um dia a gente poder sonhar com o fim dessas situações de violências”, afirma Paola.
De acordo com Paola Stuker, há vários pontos a se destacar quando pensamos na situação do país e do estado a esse respeito. É inevitável pensar como tem sido articuladas as políticas públicas, tanto em nível federal quanto estadual. "Nesse sentido é interessante compreender um pouquinho desse histórico de construção de políticas públicas em prol das mulheres, das políticas públicas de enfrentamento à violência contra as mulheres no país".
"A gente sabe que poucas décadas atrás havia uma grande naturalização desse tipo de violência, especialmente de caráter doméstico e familiar e que precisou de muito engajamento e mobilização do movimento de mulheres, dos movimentos feministas, para se pautar a importância desse reconhecimento público, desse tipo de violência como algo a ser enfrentado pela esfera do poder público", afirmou..
Para Paula Stuker, o país vem de algumas décadas de conquistas, desde a década de 1980, mais ou menos. " Quando chegamos em 2006, na Lei Maria da Penha, temos uma lei muito bem elaborada, que é produto de um movimento de mulheres, de um engajamento de organizações feministas. É considerada uma das leis mais avançadas no mundo para o enfrentamento da violência contra a mulher, porque tem toda uma compreensão multidimensional desse fenômeno, se propõe a uma articulação entre proteção, prevenção e punição. Mas que não tem se mostrado suficiente para de fato acabar com a violência contra as mulheres e para garantir um tratamento judicial adequado a esses casos", finalizou.
Na América Latina, por exemplo, já temos o que são consideradas leis de segunda geração, que já avançam para além da violência doméstica familiar contra as mulheres, que conseguem compreender a violência contra as mulheres de uma maneira mais abrangente. E a Lei Maria da penha ainda é uma lei considerada de primeira geração, especialmente por essa restrição em quais cenários essas violências acontecem.
No cenário nacional a gente vê muito retrocesso nos últimos anos, depois de muitas conquistas, de estabelecimento, por exemplo, da Secretaria Nacional para as Mulheres, que tinha caráter ministerial, e hoje ela está vinculada ao Ministério da Mulher e dos Direitos Humanos, o emblemático ministério da Damares.
Saiba Mais
- Mulheres são alvo de ações criminosas na capital e interior
- Mulheres viram 'mulas' do tráfico de drogas no interior
- Câmara dos Deputados da Argentina aprova descriminalização do aborto
- Brasileiros reconhecem impacto do estupro e direito das vítimas ao aborto
- Polícia investiga morte de três mulheres na capital e interior
Leia outras notícias em Imirante.com. Siga, também, o Imirante nas redes sociais X, Instagram, TikTok e canal no Whatsapp. Curta nossa página no Facebook e Youtube. Envie informações à Redação do Portal por meio do Whatsapp pelo telefone (98) 99209-2383.