Regenerador

Longe da fama de retiro para os "loucos", Nina transforma vidas

Referência estadual na atenção à Saúde Mental no Maranhão, o Hospital Nina Rorigues se reestruturou ao longo dos anos; alterações nos protocolos de atendimento garantiram a eficácia nas ações internas

Thiago Bastos / O Estado

- Atualizada em 11/10/2022 às 12h18

[e-s001]São Luís - Referência estadual na atenção à Saúde Mental no Maranhão, o Hospital Nina Rodrigues – juntamente com unidades como os centros de atenção psicossocial e a unidade Dr. Bacelar Viana – se reestruturou ao longo dos anos e, da imagem de apenas ser um local cuja finalidade seria abrigar “loucos”, passou a ser visto por parte da sociedade como um refúgio e, ao mesmo tempo, um espaço de recuperação de pessoas cujas necessidades voltadas às questões mentais são imprescindíveis.

De acordo com informações do Governo do Maranhão, o Hospital Nina Rodrigues é um complexo de saúde especializado no atendimento a pessoas com transtornos de saúde mental. O local conta, por exemplo, com equipes multidisciplinares (constituídas por médicos, enfermeiros, assistentes sociais, psicólogos, terapeutas ocupacionais e fisioterapeutas), além de colaboradores em serviços gerais e outras especialidades.

Estes serviços que são encontrados no âmbito ambulatorial se somam à estrutura de urgência e emergência psiquiátrica com 26 leitos (que, de acordo com a direção da unidade, funciona atualmente durante 24 horas por dia), ao setor de observação e ao de pensão, onde normalmente ficam abrigados os pacientes que foram literalmente “abandonados” pelas famílias.

Enquanto que o Caps Bacelar Viana (situado na Avenida Getúlio Vargas, no Monte Castelo) oferta oficinas terapêuticas e atividades que visam promover a socialização e a cidadania de sua clientela, o Caps AD (Centro de Apoio Psicossocial) oferta atividades terapêuticas que visam promover a socialização e a cidadania de seus pacientes, com atendimento especializado aos usuários de álcool e drogas.

“Atualmente, tratamos com vidas, com pessoas que devem ser vistas como seres que tem suas particularidades, suas características. Antes, as pessoas aqui eram vistas de outra forma, em anos anteriores. Isso mudou com as alterações na percepção da política de saúde mental”, afirmou Ana Gabrielle Guterres Romanhol, diretora-geral do Hospital Nina Rodrigues.

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No entanto, para chegar a esta atual configuração no suporte às pessoas que sofrem com transtornos mentais e outros fatores de dependência, é fundamental entender o processo de transformação e consolidação sofrido pelo Nina Rodrigues. Uma ação no início da década de 2000 foi considerada um verdadeiro marco para a mudança na imagem da unidade perante a sociedade.

A queda do “muro” do Nina e a mudança na imagem
Em 2001, por determinação da então governadora do Maranhão, Roseana Sarney, o então muro alto que cercava a estrutura do Hospital Nina Rodrigues foi derrubado. Era o início do processo bem-sucedido de mudança, por parte da gestora estadual, de modificar a imagem da unidade, ainda atrelada a preconceitos e noções de que somente “pessoas transtornadas” ou “loucas” ali estariam.

Era uma forma da gestão pública de aproximar a unidade da população, em especial, dos vizinhos que ainda moram nos arredores do local. Até hoje, por funcionários e outros especialistas no segmento psicossocial, a medida é considerada um verdadeiro marco.

Foi a partir da medida que novas rotinas e medidas foram adotadas, visando tratar o (a) paciente não somente sob o aspecto medicamentoso, mas criando um espaço de zelo e prazer humano que propiciasse a mudança comportamental do (a) indivíduo (a) sob o aspecto das ações do cotidiano e relações entre os pacientes e os profissionais que os acompanhavam.

[e-s001]Para quem acompanhou este processo, a queda dos muros representou uma elevação no patamar de atendimento e significou, ao mesmo tempo, uma oportunidade para que mudanças no atendimento passassem da teoria para a prática. “Havia acabado de chegar de um congresso na Alemanha, sobre saúde mental, e por lá se falava na mudança de estereótipos acerca do tratamento da saúde mental. Foi citado inclusive um exemplo alemão que, com adaptações, foi adotado no Nina [Rodrigues]”, disse Cristina Loyola, que no início da década de 2000 era consultora do Ministério da Saúde e que recebeu a incumbência da então governadora, Roseana Sarney, para estabelecer mudanças no tratamento da saúde mental no estado.

Com base na determinação, a consultora promoveu, por exemplo, um amplo treinamento com cerca de 13 mil agentes comunitários que passaram a receber a capacitação e treinamento em saúde mental na atenção primária. O trabalho, inclusive, foi reconhecido na ocasião pela OPAS (Organização Pan-Americana de Saúde).

Além da queda dos muros, foram adotadas outras medidas que modificaram condutas quanto ao suporte mental. “Não permitimos mais a história de amarrar pacientes, ou contenção física. Isso passou a não ser mais feito. Outra medida importante adotada foi evitar a chamada internação involuntária, aquela em que o poder público conta, por exemplo, com a participação de força policial”, disse Loyola.

A reestruturação do Nina Rodrigues contou ainda com a inclusão de imóveis no próprio Monte Castelo que viraram suportes para o tratamento mental no estado. “Algumas residências no bairro se transformaram em locais de residência terapêutica, em que o trato com o paciente era diferenciado”, afirmou.

Funcionários mais antigos se recordam dos tempos em que o hospital ainda era visto de forma pejorativa. “Era difícil ver as pessoas falarem da unidade desta forma. Claro que isso foi sendo construído ao longo dos anos, mas para quem trabalha ou trabalhava aqui há muito tempo era algo que, sem dúvida, incomodava”, disse Francisco Alves, que trabalhou por anos na unidade e que atualmente está aposentado.

Ao longo dos anos, e com as alterações nos protocolos de atendimento, a eficácia nas ações internas foi elevada. Várias vidas foram literalmente transformadas com base nos tratamentos e, principalmente, devido ao trato delicado de colaboradores a quem recorreu à unidade nestes anos em busca de salvação.

“Fui da lama à regeneração”

Ao chegar à sede do Hospital Nina Rodrigues, na Avenida Getúlio Vargas (bairro Monte Castelo), O Estado foi recebida por Carlos Henrique Silva. Se a aparência discreta e o comportamento sereno são marcas de sua imagem atual, há alguns anos, o atual auxiliar de Serviços Gerais era conhecido por seu comportamento impulsivo que afastou familiares e amigos em geral.

Após passar por regeneração plena na unidade e se recuperar do vício do álcool, que o acompanhou por seis longos anos, Carlos Henrique é grato à direção do Nina por acreditar em sua recuperação e, principalmente, por lhe dar um emprego após a parte mais importante do tratamento.

Como era sua vida na época em que o senhor era viciado em álcool?

Na verdade, eu pensava que era uma vida, mas não era. Entrava nos bares e somente saía se tivesse caindo de bêbado. Meu comportamento passou a ficar mais agressivo e não pensava em outra coisa se não fosse uma bebida.

E a sua família neste momento? Como o senhor lidava com ela?

Da forma que todo viciado lida. Achando que a família, neste caso, é a vilã na história. Pois fui alertado por diversas vezes por esposa e filha para não seguir neste caminho e, ainda assim, não os ouvia. Fora que os tratava de forma ruim e, aos poucos, minha família foi se afastando de mim.

Em que momento o senhor decidiu procurar ajuda?

Quando a minha vida passou a ficar em risco. A bebida causa muitos prejuízos ao nosso organismo, passei a ir parar em hospitais e a vida me trouxe até aqui no Nina para finalmente me recuperar.

Como foi sua permanência no Nina Rodrigues?

Extremamente proveitosa. Passei pouco mais de um ano aqui me recuperando, passando por um tratamento que, nos primeiros meses, é difícil pois tudo faz lembrar a bebida. É impressionante. Depois disso, consegui ficar mais lúcido e ver a vida de outra forma, com outros prazeres que iam além do álcool.

E sua relação com a família, como ficou depois da internação?

Aos poucos, passei a me aproximar novamente da esposa e da minha família que, atualmente, tem 21 anos de idade. A relação não é mais a mesma antes do vício, mas pelo menos elas não me enxergam mais como um doente, e sim como um trabalhador que todos os dias acorda para fazer o seu melhor.

O que significou o Hospital Nina Rodrigues em sua vida?

Para mim, representou uma nova vida. Uma nova chance. Sem eles, acho que não estaria aqui contando essa passagem da minha vida para vocês. Consegui um emprego aqui no próprio hospital e nunca mais pretendo a voltar ao que era antes. Se para muita gente, o Nina ainda é visto como um local de doido, posso dizer que, no bom sentido, sou doido pelo Nina pois me acolheu na hora que eu mais precisava.

SAIBA MAIS

Serviços especializados no Hospital Nina Rodrigues

- Urgência e emergência psiquiátrica 24h com 26 leitos;
- Enfermaria de curta permanência (observação) com 25 leitos;
- Serviço ambulatorial (psiquiatria, neurologia, psicologia, enfermagem, serviço social, terapia ocupacional, nutrição);
- Enfermaria de pacientes privados de liberdade (PPL): oferecemos assistência multiprofissional (incluindo educador físico) às pessoas com transtorno mental em conflito com a lei em medida de segurança;
- Serviço de clínica médica: com 47 leitos e 8 leitos de UCI (clinico, fonoaudiologia, fisioterapia, enfermagem, psicologia, serviço social);

Algumas unidades consideradas referências no segmento de saúde mental no Estado (além do Nina Rodrigues)

Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS AD Estadual)
Endereço: Rua Condé D'eu, S/N - Monte Castelo

Centro de Atenção Psicossocial “Dr. Bacelar Viana” (CAPS III)
Endereço: Avenida Getúlio Vargas, 2738 - Monte Castelo

Unidade de Acolhimento Adulto (UAA)
Endereço: Avenida 3, Cohab Anil I

Fonte: Secretaria Estadual de Saúde (SES)

Números

26 leitos na urgência e emergência psiquiátrica
79 anos de história do Hospital Nina Rodrigues
25 leitos na enfermaria de curta permanência
47 leitos clínicos e 8 de UCI na clínica médica
1941 foi o ano de entrega do Hospital “Nina Rodrigues”

Fonte: Diretoria do Hospital Nina Rodrigues

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