Pandemia

Isolamento social pode impactar no comportamento das crianças

De acordo com duas profissionais ouvidas por O Estado, os pais devem aproveitar o momento de mudança na rotina diária para oferecer atividades lúdicas aos filhos pequenos e se aproximar com mensagens boas

Nelson Melo / O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h19
Marcos Simões Júnior, com Enzo e Arthur; mudança na rotina com dificuldades, durante isolamento social
Marcos Simões Júnior, com Enzo e Arthur; mudança na rotina com dificuldades, durante isolamento social (crianças)

São Luís - Como vários estudos demonstraram, a pandemia da Covid-19 está provocando, além de complicações fisiológicas, de ordem metabólica, problemas no aspecto mental, que desregulam, sobretudo, o Sistema Nervoso Simpático, responsável por funções como a produção de saliva, batimentos cardíacos e concentração de glicose no sangue. Se para os adultos está sendo difícil lidar com esse contexto, imagine, então, para as crianças. Uma psicóloga/psicopedagoga e uma professora da rede privada e pública conversaram com O Estado sobre como os pais devem agir para reduzir os impactos do isolamento social/domiciliar no comportamento infantil.

De acordo com a psicóloga Cláudia de Castro Silva, a infância é um momento do desenvolvimento humano marcado pela construção das conexões emocionais e pela formação das nossas primeiras teorias sobre o mundo, tanto do ponto vista físico como social. Portanto, uma situação como a que se vivencia na pandemia do novo coronavírus, requer uma abordagem específica para dialogar com as crianças acerca do contexto. Nesse sentido, é importante que os pais/responsáveis levem em consideração os fatores de compreensão dessa fase do crescimento.

“E, também, como ela vai construir a relação dela com a sociedade e com a cultura, na qual está inserida. E como será essa relação da criança com o outro, que também é diferente para ela? É importante que prestemos atenção nas mensagens que estamos transmitindo para elas, tanto verbais como as não verbais, chamadas de subliminares, do mundo em que estamos vivendo, como medo, frustrações, traumas, as crises”, pontuou a psicóloga. Ela disse que, como o cenário é pandêmico, é, consequentemente, algo novo para todos nós, incluindo as crianças, que, segundo o escritor francês Joseph Joubert, têm mais necessidades de modelos do que de críticas.

Cláudia de Castro enfatizou que se passa mensagens o tempo todo, não apenas por meio da fala, como, também, a partir dos gestos, dos movimentos corporais e as fisionomias. Desse modo, as crianças, diante de estímulos diversos, são capazes de aprender com o mundo que as cerca. “Como as crianças até 6 anos, a chamada primeira infância, são ‘esponjas cognitivas e emocionais’, estão realizando aprendizado o tempo inteiro. Não é incomum que, quando a criança está jogando ou brincando, e os adultos estão conversando, ela faça alguma interrupção, o que deixa os adultos espantados. Ou seja, ela brinca e ao mesmo tempo observa, ouve o que os adultos estão falando e acaba se expressando de alguma forma”, observou.

Cautela nas mensagens
Por este motivo, conforme Cláudia de Castro, os pais/responsáveis precisam estar preocupados com qual tipo de mensagem estão passando em casa nesse contexto de pandemia. Essa comunicação (verbal e não verbal) vai impactar na percepção da criança em seu primeiro contato com o mundo social. Como ela ressaltou, a família é a grande mediadora dessa elaboração infantil acerca da realidade. Portanto, os adultos precisam se preocupar em deixar a informação leve, no sentido da preservação da saúde fisiológica, mas, também, garantindo a saúde mental, isto é, o desenvolvimento emocional benéfico e útil.

“Isso não significa mentir para a criança, mas oferecer verdades de uma forma leve, para que consiga manter a rotina de brincar, de cuidar, apesar das limitações que temos que lidar nesse momento. Precisamos tomar cuidado com o que noticiamos. Mediar é evitar que as crianças construam imagens negativas do mundo em que vivem, de tal maneira que evitem situações estressoras, que podem desencadear contextos negativos, que podem tornar essa criança um adolescente ou adulto medroso, com comportamentos de esquivas ou agressivos”, assinalou a psicopedagoga. Ela explicou que, no caso de os filhos pequenos internalizarem de que devem se esconder de tudo, existe uma possibilidade de crescerem com a conduta reativa. Ou, na outra situação, de que precisa bater antes que alguém faça isso.

Perigo das ameaças
A psicóloga frisou que não é saudável utilizar esse momento da pandemia para ameaçá-las, porque isso pode gerar sentimentos hostis de ansiedade e humor na adolescência e na fase adulta. Portanto, o recomendável é proporcionar, por meio do diálogo, uma comunicação mais verdadeira e lúdica. E responder aos questionamentos das crianças conforme as suas demandas, sempre aguardando a pergunta, ou seja, nunca antecipar a dúvida delas. Isso deve ocorrer dentro dos limites do entendimento infantil.

“Tem que explicar com leveza os questionamentos delas. Pode ser ilustrando, dando exemplos, sempre observando que aquela informação não está pesando para elas. É importante sentir o tom da fala, como a criança está recebendo, pedir para que ela retorne. Tipo: ‘Você entendeu? O que foi que você entendeu?’. E se houver alguma coisa divergente, continuar demonstrando de maneira lúdica, pela verdade e diálogo franco com a criança. Pode ser por meio de desenhos, histórias, vídeos. Dê a chance de a criança ser parte ativa dessa construção. Elas adoram se integrar, explicar o que entenderam. Crie rotinas afetivas com a criança”, salientou a entrevistada.

Cláudia de Castro comentou que recomenda o investimento no corpo a corpo. Isto é, resgatar brincadeiras antigas, para ampliar o leque perceptual da criança, que já nasceu em um mundo digital. Podem ser desenvolvidos, por exemplo, projetos com sucatas, pinturas com as mãos, balão, com máscaras, bolinhas de gude ou elástico. Ou, ainda, o tradicional “esconde-esconde”. Outras alternativas são as cabanas e acampamentos dentro das residências.

Dificuldades em casa
O empresário Marco Simões Júnior, coordenador de um instituto que oferece cursos de graduação e pós-graduação na área forense, disse que tem dois filhos pequenos: Enzo Vinícius, de 12 anos, e Arthur Felipe, de 5 anos. Respectivamente, eles estão na 7ª série e Infantil II, em uma escola particular localizar na capital maranhense. Ele comentou que teve que criar alternativas em casa, devido à mudança na rotina provocada pela pandemia do novo coronavírus.

“As crianças estão acostumadas naquele procedimento padrão: no período de aula, acordar, ir ao colégio, voltar para casa, almoçar, estudar à tarde. Aí, veio a pandemia, tudo de uma vez, e acabou bagunçando a rotina. Mudou até mesmo a rotina de alimentação. Em casa, a criança pensa que está na escola”, expressou Marco Simões Júnior. Segundo ele, os seus filhos ficaram confusos e, de imediato, pensaram que estavam de férias.

“Em tempos normais, as crianças estavam 100% com energia e cheias de vapor. Há a brincadeiras no recreio, a interação com os colegas, as aulas, enquanto os pais ficam preocupados com o que está acontecendo no quadro econômico e financeiro da cidade, do estado, e no quadro de saúde do país. Uma coisa liga a outra. Às vezes, é complicado dizer que os filhos mudaram, sendo que nós mesmos também adquirimos preocupações que não tínhamos”, declarou o empresário. Então, na casa dele, foram adotados alguns procedimentos, para manter os horários, porque as crianças fizeram vários questionamentos quando as aulas presenciais foram suspensas.

Os pais pesquisaram na internet algumas atividades que poderiam ser realizadas em casa com as crianças em idade escolar, para estimular a criatividade, a memória e o raciocínio. “O meu filho mais velho está lendo bastante aqui. Ele fica no canto lendo. O mais novo fica realizando outras atividades específicas para a idade dele. Ambos perguntam o que está acontecendo. Nós passamos as informações, mas não de forma exagerada, e, sim, de maneira didática, para que possam entender sem traumas”, enfatizou Marco Simões Júnior.

Idade escolar
Formada em Pedagogia pela Universidade Federal do Maranhão (Ufma), Ana Maria Melo Costa é professora da rede privada e pública em São Luís. Conforme ela disse a O Estado, as crianças em idade escolar têm a necessidade da interação para se desenvolver, para despertar habilidades socioemocionais, a linguagem, o pensamento, dentre outros aspectos. Nos estabelecimentos de ensino, os meninos e meninas adquirem uma rotina, que passa por uma adaptação a partir do momento em que é rompida por algum evento, como é o caso da pandemia da Covid-19.

“A partir do momento em que essa rotina é quebrada, também ocorre uma parada no desenvolvimento, uma ruptura. A criança está em casa com suas famílias, não podendo brincar da forma como brincava, não podendo socializar da maneira como fazia antes com outras da mesma faixa etária”, esclareceu a pedagoga. Ela comentou que existe uma mudança de comportamento, porque os filhos pequenos estão vivendo mais tempo em um ambiente fechado, com restrições, com regras, o que os deixa limitados em suas atividades.

Esse é um ponto negativo do confinamento, porque a convivência e a interação sofrem transformações devido à ruptura na rotina. Mas, apesar dessas mudanças, existem alternativas para tornar os lares mais propícios ao desenvolvimento infantil durante o isolamento social. “Os pais podem criar uma programação dentro de casa, com jogos, brincadeiras, ou selecionar algumas coisas interessantes para faixa etária, para que a criança se ‘solte’, dinamizar atividades, criar um ‘cineminha’ dentro de casa, fazer lanches. O importante é envolver a criança na produção de algo”, explicou a professora Ana Maria.

Os pais devem se esforçar para ocupar a mente dos filhos, segundo Ana Maria, como as receitas culinárias ou atividades artísticas. “Tudo o que os pais podem fazer em casa, para envolver os filhos de forma lúdica, será proveitoso, para ajudar no entendimento nesse tempo difícil. A criança entende que é uma doença. Então, os pais podem comparar com outras já existentes, citar sintomas que a criança já conhece, como os do resfriado, por exemplo. Podem fazer orações juntas para as pessoas infectadas. Um ponto positivo é que as crianças podem passar mais tempo com as famílias, uma vez que, em idade escolar, passam mais tempo com os colegas da escolinha e com os professores. Quando chegam em casa, às vezes ficam sob os cuidados de terceiros, porque os pais trabalham. Muitas só olham os pais à noite”, observou a pedagoga.

Afetividade e rotina
Ainda como explicou a professora, as crianças pequenas têm noção de afetividade, de olhar que o outro também precisa de apoio, mas em uma linguagem infantil, evidentemente. “É importante evitar assistir a jornais junto aos filhos em idade escolar, porque a linguagem é forte e complexa. Para os adultos, já está sendo difícil, imagine então para as crianças. Depende do convívio familiar, da ferramenta que vai utilizar, da idade da criança, pois a infância tem várias fases”, explicou a professora Ana Maria Melo Costa.

“Os pais não podem deixar que o isolamento social não possa engessar a criança. Ela não pode ficar parada, porque o tempo de concentração dela é mínimo. Faça, então, uma rotina. Tipo: hoje iremos trabalhar isso. Amanhã, vamos trabalhar aquilo. A criança fica se perguntando: ‘Por que não estou com meus amigos da escola? Por que não posso brincar na rua?’. Precisamos fazer os combinados: o que fazer e por que fazer”, pontuou a pedagoga.

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