Pandemia

As histórias no dia a dia de quem está na linha de frente no combate à Covid-19

Enfermeiros, técnicos de enfermagem, fisioterapeutas e outros são atualmente o principal suporte para o controle da pandemia na capital maranhense

Thiago Bastos / O Estado MA

Atualizada em 11/10/2022 às 12h20
Enfermeira Luiza Nóvoa depois de se paramentar para prestar atendimento
Enfermeira Luiza Nóvoa depois de se paramentar para prestar atendimento

Nem bem o sol nasce no horizonte e profissionais de saúde estão se preparando para mais uma jornada em suas vidas. Se em dias considerados “normais”, suas funções são imprescindíveis para a sociedade, em especial, ludovicense, em tempos de pandemia do coronavírus, estes tornam-se ainda mais importantes.

Entender suas aflições e ouvir o cotidiano de enfermeiros, técnicos de enfermagem, profissionais da fisioterapia, psicólogos, médicos, assistentes sociais e outras funções consideradas fundamentais é um exercício de reflexão necessário a ser feito pela população em geral e, principalmente, pelas autoridades públicas. Estes últimos são os mentores da execução de projetos que viabilizem as mínimas condições para que haja plena condição dos profissionais exercerem os seus trabalhos e, assim, salvar vidas.

Cada profissional na “linha de frente” do controle da doença na capital maranhense goza de características próprias físicas e, principalmente, psicológicas. Se alguns apresentam facilidade para lidar “em meio ao caos”, em vários momentos de plantões em especial na rede pública municipal, por outro lado, a maior parte dos profissionais necessita de ajuda psicológica e de suporte em vários campos (até mesmo religiosos) e, desta forma, passar por esta crise sem precedentes.

O Estado se dedicou a literalmente viver a “vida” (com o perdão da redundância mais do que justa) de três profissionais de saúde que estão diariamente nos plantões na capital dedicando suas competências em prol da salvação de pacientes. Individualmente, estas pessoas apresentam histórias incríveis, de fatos que estão ocorrendo com frequência maior do que se imagina em suas jornadas de trabalho e que, aparentemente, ficariam restritas ao ambiente hospitalar e que, a partir desta reportagem, ganham visibilidade.

Luiza Nóvoa antes de pôr os EPIs necessários no hospital
Luiza Nóvoa antes de pôr os EPIs necessários no hospital

Algumas pessoas abandonaram literalmente seus entes ou amigos, para evitar riscos de contaminação, já que os “heróis” da pandemia são os que estão na linha de frente da doença. Outra razão para contar aqui suas rotinas é compreender seus problemas e explicitar que, apesar de serem “heróis”, são pessoas de “carne e osso” que possuem seus medos, suas preocupações e seus questionamentos acerca do destino da humanidade quando tudo isso passar.

Sem abraçar a filha

Era segunda quinzena de março e a pandemia na capital maranhense ainda estava em fase preliminar. Atuando em atendimento indireto a pacientes com o coronavírus, já que está lotada em uma ala de unidade hospitalar da capital maranhense que recebe diariamente pacientes com suspeita da doença, a enfermeira e técnica de enfermagem Luiza Nóvoa combinou o acolhimento temporário, na residência de sua mãe (Maria da Conceição), da filha Maria Luiza, de apenas 8 anos de idade.

O objetivo era evitar a chamada infecção compartilhada, ou seja, um possível contágio por parte da filha do vírus causador da Covid-19. No entanto, a dor e a saudade da filha que, neste período, virou apenas uma visão a distância no portão da casa da mãe são atenuadas pelo fato de Maria Luiza estar em segurança.

“Passar apenas no portão à distância e não a ver, para mim como mãe, é algo que dói. Mas saber que ela está bem e segura é reconfortante”, disse.

Distante da filha, da mãe e de outros parentes, a enfermeira atua com o brio de saber que os familiares estão distantes, mas seguros. “Não me considero uma heroína por causa disso. Apenas uma profissional que tenta fazer o seu melhor no cotidiano em prol da saúde dos nossos pacientes”, disse.

Quanto à distância familiar, devido às novas tecnologias, é possível a profissional de saúde matar a saudade da filha diariamente. “Sim, eu falo com ela todos os dias. Verifico como ela está e se está tudo bem”, disse Luiza. A filha – bem articulada – gosta de gravar vídeos para a mãe e outros profissionais de saúde, alertando sobre os perigos da infecção da Covid. “A minha filha me dá muita força neste momento. Para superar todas as aflições e tudo isso”, disse.

Rotina

A rotina começa cedo. Com dois empregos, a enfermeira precisa se desdobrar para exercer com satisfação a sua função diária. Ao chegar a um dos locais de trabalho, Luíza veste o “uniforme” ou “outra pele”. Os equipamentos fundamentais de proteção individual (máscara “face shield”, avental, luvas, óculos de proteção, touca, propés e outros) a fazem virar literalmente uma outra pessoa.

Tanto que, para personalizar-se diante dos pacientes, a profissional teve uma ideia. Ela escreve em um pedaço de esparadrapo o próprio nome. “É uma forma de identificação, até porque venho percebendo que os pacientes não reconhecem mais os profissionais. Viram todos uma pessoa só, com tantos equipamentos. Quando visto àquele equipamento, sem qualquer referência a quem sou, é como se minha identidade tivesse sido perdida”, afirmou.

A enfermeira se refere a medidas que outros colegas tomam para humanizar o atendimento diário a pessoas infectadas ou com suspeitas da doença. “Medidas não só como esta, mas também de conversar com o paciente, saber das suas aflições, do que pensa do tratamento, da saudade da família, são fundamentais para eles e também para nós profissionais. Algumas histórias são reconfortantes. Outras, nem tanto assim”, disse.

Nos poucos horários de folga, a profissional gosta de assistir a uma boa novela ou ler uma boa história. O prazer inclui ainda, claro, matar a saudade da família. Quanto às histórias, nem todas foram boas assim.

Sofrimento de quem perde

Em uma das unidades em que está lotada como profissional, Luíza Nóvoa viveu nas últimas semanas uma das histórias mais marcantes da carreira. Ao se deparar involuntariamente com uma família que acabara de perder um parente, a enfermeira percebeu o valor da vida. “Era um paciente de 36 anos de idade e os familiares, quando souberam do que havia ocorrido, entraram em desespero. Mesmo nós, profissionais já experientes, pelo fato de estarmos abalados e sensíveis psicologicamente falando, ver uma cena assim é algo forte”, frisou.

A mãe do paciente, inclusive, se “recusou” a acreditar na causa da morte. “Quando o médico informou à família que seu parente havia provavelmente falecido com os sintomas do coronavírus, a mãe começou a gritar no setor da recepção. É uma dor saber que, além de perder a pessoa, você não pode nem ao menos enterrar o seu ente querido. É muito triste”, confessou.

“Estou há quase duas semanas isolada”, conta enfermeira

Os heróis – ou heroínas – que ainda que não queiram ser chamados assim, também tem seus problemas. No dia 13 deste mês, a enfermeira Luíza Nóvoa foi afastada por recomendação superior por suspeita de estar infectada com o coronavírus.

Ainda mais isolada – a partir de agora da família – ela relata suas dificuldades para fazer o exame que atestaria ou não a doença. “Tive de fazer por particular, e depois de quase duas semanas resguardadas sozinha e reclusa, por enquanto ainda não sei se tenho a doença. É uma pressão psicológica absurda, porque a gente pode achar em algum momento que pode estar morrendo e não sabe. Só Deus por nós”, disse.

Mesmo diante de tantos problemas, pressões e dificuldades, o pensamento da profissional, mãe de família e filha é voltar às atividades. “Quero voltar o quanto antes ao trabalho. Nasci para isso e se voltasse no tempo, desejaria novamente exercer a mesma função”, afirmou.

Além desta, outras histórias são registradas e que marcam estes tempos tão estranhos da Covid-19. Neste caso, a humanidade é fundamental.

Profissional trabalha em ala de hospital preparada para pacientes com Covid-19
Profissional trabalha em ala de hospital preparada para pacientes com Covid-19

Saiba Mais

Dados da Secretaria Estadual de Saúde (SES) divulgados no dia 22 deste mês apontam que 100 profissionais do setor – entre médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem e outras funções – conseguiram se recuperar da Covid-19 no Maranhão. No total, até a data de publicação do levantamento, 228 pessoas que atuam na rede pública do estado foram infectadas.

Até quinta-feira, 22, 5 óbitos foram registrados envolvendo profissionais de saúde no Estado. No total, 5.223 testes foram realizados no estado. Até o fechamento desta edição, a SES não especificou o número de testes em específico nos profissionais de saúde.

NÚMEROS

228 profissionais de saúde foram infectados no Maranhão

100 integrantes do setor (médicos, enfermeiros e outros) foram recuperados

5.223 testes foram realizados no Estado até quinta-feira

5 óbitos de profissionais de saúde foram registrados no Maranhão

Fonte: Secretaria Estadual de Saúde (SES)

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