Traficantes de drogas

Crianças mexicanas aprendem a usar armas para se defender

Treinamentos feitos pela polícia comunitária incluem meninos de 5 anos; López Obrador critica inciativa e diz que pais deveriam ''se envergonhar''

Atualizada em 11/10/2022 às 12h21
Crianças mexicanas aprendem a usar armas para se proteger de narcotráfico Crianças mexicanas aprendem a usar armas para se proteger de narcotráfico
Crianças mexicanas aprendem a usar armas para se proteger de narcotráfico Crianças mexicanas aprendem a usar armas para se proteger de narcotráfico (Reuters)

CHILAPA, México — No estado mexicano de Guerrero, dezenas de meninos em uma quadra de basquete não ensaiam arremessos, mas treinam como disparar as grandes armas que carregam nas costas.

" Posição três!", grita Bernardino Sánchez, integrante da polícia comunitária responsável pela proteção de 16 comunidades nesta região do estado, a Coordenação Regional de Autoridades Comunitárias dos Povos Fundadores (Crac-PF). O grupo foi criado para fazer frente ao crime organizado e tem cerca de 600 integrantes que denunciam a indiferença do Estado.

A fila de crianças, com bocas cobertas e sapatos artesanais com solas desgastadas, se converte em uma imaginária linha de frente em um combate quando, com bastante seriedade, começam os treinamentos. Ao redor, não é incomum ver outras crianças observando curiosas, falando em espanhol e nahuatl, a língua local.

A área, no pé de uma montanha na cidade de Chilapa, foi palco de uma série de episódios de violência causados pela forte presença de traficantes de drogas. Há apenas uma semana, nove homens e um menor de idade — músicos e seus ajudantes — foram sequestrados, torturados e seus corpos foram encontrados parcialmente carbonizados dentro de duas caminhonetes, que estavam no fundo de um barranco.

As autoridades mexicanas puseram o crime na conta do cartel de Los Ardillos, mas para o coletivo Crac-PF, isto não foi suficiente. Em resposta, o grupo bloqueou as estradas para vários povoados, como o de Ayahualtempa, onde o treinamento infantil, que atende cerca de 30 crianças, ocorre. Houve também uma demonstração dos futuros quadros, que carregavam pistolas, fossem de brinquedo ou de verdade. Os mais novos têm apenas 5 anos.

[Crianças participam de treinamentos em quadra de basquete Foto: PEDRO PARDO / AFP]
Crianças participam de treinamentos em quadra de basquete Foto: PEDRO PARDO / AFP
PUBLICIDADE

Autoridades condenam

No dia 24, o governador de Guerrero, Héctor Astudillo, foi ao local pela primeira vez desde que chegou ao poder, há quatro anos. O objetivo da visita era criticar a prática e negociar com a Crac-PF o fim dos bloqueios de rodovias. Nesta sexta-feira, o presidente Andrés Manuel López Obrador qualificou o treinamento infantil como "encenações, atos de prepotência que também existem na sociedade":

"Essas atitudes, essas demonstrações de arrogância são inúteis, não significam nada, fazem barulho", disse López Obrador. "[Os pais e treinadores] deveriam se envergonhar de fazer isso, ao invés de aplaudir".

Os menores de 13 anos não participam das patrulhas da Crac-PF, mas estão prontos para apertar o gatilho caso ocorra algum incidente como o de maio de 2015, quando mais de 30 pessoas foram sequestradas no município — desde então, nunca se soube mais delas.

Em quase cinco anos, os enfrentamentos entre guardas comunitários e narcotraficantes nunca cessaram, forçando inclusive deslocamentos. Perto da quadra onde ocorre o treinamento, há um pequeno rancho vazio. Com a porta com marcas de tiros, a casa parece ter sido abandonada às pressas: roupas, sapatos infantis e restos de mandioca estragados ficaram para trás.

'Eu queria estudar'

Luis, policial comunitário há três anos, inscreveu seus dois filhos, Gustavo, de 13 anos, e Geraldo, de 15, nos treinamentos para que eles aprendessem a “se defender e a defender suas famílias”. Segundo o homem, que usa um lenço para cobrir parte de seu rosto, a decisão de abandonar a escola e se juntar ao Crac-PF foi dos filhos. A versão do caçula é um pouco diferente:

"Eu queria estudar, mas como a escola está perto de Los Ardillos, me juntei a polícia comunitária porque eles iam me pegar",disse Gustavo, em voz baixa, afirmando se sentir “bem” com sua escopeta.

Luis, que trabalha como camponês quando não está fazendo as rondas, afirma que comprar as escopetas e pistolas para seus filhos exigiu “um grande esforço”. Ele, contudo, disse acreditar que os adolescentes correm menos perigo realizando patrulhas do que frequentando a escola, próxima de Los Ardillos, “indefesos e sem armas”.

Duas horas por semana, as crianças aprendem posições para disparar e manobras para se esquivar de balas. Elas também praticam exercícios de resistência física para que possam se proteger por si mesmas “caso fiquem órfãs”, disse Luis, que demonstrou emoção ao relembrar que Gustavo queria ser médico.

Após o fim dos treinamentos, os meninos pegam uma bola de basquete e começam a arremessá-la. Um deles acertou uma cesta de três pontos, enquanto sua escopeta estava pendurada em suas costas.

Leia outras notícias em Imirante.com. Siga, também, o Imirante nas redes sociais X, Instagram, TikTok e canal no Whatsapp. Curta nossa página no Facebook e Youtube. Envie informações à Redação do Portal por meio do Whatsapp pelo telefone (98) 99209-2383.