Delícia à moda antiga

"Quebra-queixo", o pé de moleque maranhense, seus seguidores e fãs

Delícia feita de coco e açúcar ainda é comercializada em pontos estratégicos da cidade; há vendedores que aprenderam o ofício a partir de outros pregoeiros

Thiago Bastos / O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h21

[e-s001]Há três, quatro décadas, quem passava pelas ruas do centro de São Luís tinha de fazer uma “parada obrigatória” em um dos vários pregoeiros espalhados pela Ilha, que ofereciam o pé de moleque maranhense, uma delícia feita com coco, açúcar e água. A delícia, conhecida popularmente como “quebra queixo” é dos doces que, para quem tem 40 anos ou mais, de vida, remete aos bons tempos de passeios pela região central e de reuniões com amigos após o almoço, experimentando a iguaria.

Apesar da antiguidade do doce e da oferta de outras sobremesas no cotidiano popular (como dindim, chocolates, sundaes, cartuchinhos de baunilha e outros) a cidade ainda registra adeptos e apreciadores do tradicional sabor, mesmo que sua oferta tenha caído com tamanha concorrência. Ainda assim, O Estado conseguiu encontrar vendedores que ainda mantém vivo o costume de comercializar a tentação da gula.

Historiadores não conseguiram desvendar a origem do “quebra-queixo” em São Luís. Especula-se que o hábito de se produzir de forma caseira o doce tenha influência dos descendentes de africanos. O livro “Pregoeiros & Casarões”, do brilhante historiador Antônio Guimarães, cita o registro - no final do século XIX - de ex-escravos que após o período escravocrata comercializavam uma espécie de doce de coco aparentemente gelado.

No entanto, este doce somente recebeu a temperatura correta a partir do século XX, quando se instalaram nas terras ludovicenses as primeiras fábricas de gelo. Foi a partir desta fabricação que surgiu os chamados “sorvetes de caixa”, até hoje também vendidos na cidade.

Historiadores creem que, a partir da produção do sorvete de caixa, também surgiu a produção do “quebra-queixo”, já que os ingredientes e a forma de manuseio são semelhantes. “São doces que fazem parte da história da cidade após a presença mais forte colonial e que representam o nascedouro de uma nova fase do cotidiano da cidade, a partir do aparente fim do período escravocrata”, afirmou.

A escolha do nome “quebra-queixo” se deve a consistência do doce nas suas primeiras saídas aos clientes. Com consistência “liguenta”, ou seja, quando vira um fio a partir da primeira mordida e com a dureza, já que era preciso literalmente força na mandíbula para morder o doce, o “quebra-queixo” recebeu este nome, também adotado em outros estados do país.

Ao contrário da origem do antigo sorvete de caixa, que chegou a ser comercializado em “velhos barris de vinho”, em palhas de arroz e até em sal grosso, para a conservação da temperatura, no caso do “quebra-queixo” a preocupação com a condição do produto não é primordial. Além do nome tradicional, a sobremesa também é conhecida de forma menos comum por derresol.

Se nas décadas de 1950 e, especialmente, entre 1960 e 1970 o doce era levado em caixas, carregadas pelos vendedores bairros afora ou em carrinhos, como se fossem picolés, atualmente o doce é revendido em pequenas bancas, com os dizeres do produto famoso. A forma de conservação também é bem simples e não exige grandes cuidados.

[e-s001]Vendedores conhecidos em São Luís de “quebra-queixo”
A venda do tradicional doce por logradouros da capital maranhense sustentou, por vários anos, famílias que tiravam do comércio informal o dinheiro suado do dia. Negociadores conhecidos de “quebra-queixo” ainda pertencem no imaginário de quem tem mais de quatro décadas de vida.

Um deles era “Seu Raimundo”, o Padeiro. Uma das justificativas para o apelido era o ofício de “Seu Raimundo”, enquanto não era vendedor de quebra-queixo. Segundo os mais antigos, o Padeiro era conhecido pelo grito do quebra-queixo, ao anunciar o produto para quem transitava, em especial, na Praia Grande e adjacências.

Outro vendedor conhecido na cidade e que, até alguns anos, revendia seu produto na Rua do Passeio, era “Baixinho”, pela estatura nada avantajada. Seu doce se destacava pelo tamanho e preço acessível. “Baixinho”, há algum tempo, não é mais visto pelas bandas do centro da cidade.

O Estado, após procura durante semanas, localizou George do “Quebra Queixo”. O vendedor tem uma banca fixada na Rua de Nazaré, no Centro, em frente à unidade da Secretaria Municipal de Desportos e Lazer (Semdel) e, de segunda a sexta-feira, com expediente regrado das 8h às 16h, negocia um delicioso quebra queixo.

O doce vem em barras, cortadas em tirinhas, e é negociado a R$ 1,00 a unidade. O fluxo de clientes é maior na banquinha de seu George entre o meio-dia e às duas da tarde, horário em que frequentadores do Centro saem dos seus locais de refeição. Não há quem resista e não pare para degustar o quebra-queixo para “tirar o gosto” da comida.

Normalmente, seu George prepara os doces no mesmo dia em que os comercializa. Em média, o faturamento varia entre R$ 30,00 e R$ 50,00. Em alguns casos - época por exemplo de alta demanda de turistas - a arrecadação pode superar os R$ 100,00. O vendedor de quebra-queixo aprendeu o ofício por intermédio do pai, e por interferência de Padeiro, o famoso comerciante do produto na Praia Grande. “Ele me ensinou quando eu tinha 18 anos. Depois disso, comecei a vender por contra própria”, afirmou.

Após o falecimento de Seu Padeiro, seu George herdou a função e a antiga banquinha, até hoje usada. O doce começa a ser feito logo nas primeiras horas do dia, em sua humilde casa, no Piancó, área Itaqui-Bacanga. Com a ajuda da esposa e outros familiares, após preparar o doce, ele é transportado até o Centro. “O bom dele é que, fresquinho, não há outro do sabor igual”, afirmou.

Seu George sente orgulho de ser um pregoeiro da “nova geração”, por ainda sobreviver aos tempos modernos. “Eu não penso em deixar essa função. Pelo contrário, me formei vendendo o produto e é assim, desta forma, que quero me aposentar”, afirmou.

Os fiéis clientes
Clientes famosos e anônimos já compraram o “quebra-queixo” de seu George. Famílias tradicionais, a todo instante, mandam “seus motoristas” buscarem uma remessa do doce na mão do vendedor. Funcionários públicos e outros frequentadores do Centro também são fiéis à arte de apreciar a sobremesa famosa. “Eu passo aqui e há 15 anos compro pelo menos um quebra-queixo por dia”, disse Júlio César Rodrigues, vendedor do Centro.

Para Sandra Regina, funcionária pública, o doce de seu George tem um diferencial. “Não é muito doce, não é enjoativo. Fica suculento na boca, além da simpatia do vendedor também conta”, afirmou.

[e-s001]RECEITA

Para O Estado, seu George revelou a receita tão desejada do doce. Segundo ele, é necessário apenas água, coco ralado e açúcar refinado (em especial). Após juntar no fogo, em uma panela, a água com o açúcar, carameliza-se a mistura e é adicionado o coco ralado. Depois de juntar tudo, a mistura é colocada em uma travessa para solidificar. “Há quem adicione limão, para dar mais acidez, mas a minha receita não tem essa necessidade”, afirmou.

Ingredientes
1/2 kg de coco ralado fresco (o meu tinha 300 g)
1/2 kg de açúcar (usei 300 g)
1 copo de água

Modo de fazer
Após juntar no fogo em uma panela a água com o açúcar, após caramelizar a mistura, é adicionado o coco ralado. Depois de juntar tudo, a mistura é colocada em uma travessa para solidificar

Rende normalmente de 30 a 40 tirinhas de quebra-queixo

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