Moda

Yacy e Yara Sá: gêmeas maranhenses estão conquistando o mundo da moda

Elas nasceram e cresceram em São Luís e trilharam uma vida acadêmica até os 30, quando então decidiram seguir carreira na moda

Da Marie Claire

Atualizada em 11/10/2022 às 12h23
Yara e Yacy vestem Giorgio Armani em sua primeira capa de revista
Yara e Yacy vestem Giorgio Armani em sua primeira capa de revista (Yara e Yacy)

SÃO PAULO - As aparências enganam no caso das gêmeas Yacy e Yara Sá. Embora idênticas fisicamente, têm personalidades bem distintas. Yacy é desinibida, nutricionista por formação e se emociona ao falar da mãe; Yara é mais tímida, se dá bem em exatas e é formada em Ciências Contábeis pela Universidade Federal do Maranhão, a mesma da irmã. “Crescemos com a responsabilidade de ser a geração da família a se formar na faculdade”, explica Yara.

Filhas da agente penitenciária – e costureira nas horas vagas – Maria Santana, as duas nasceram em São Luís, capital do estado. A cerca de 200 quilômetros dali fica Viana, cidade natal de Maria, que abriga comunidades quilombolas em sua extensão. “Nosso avô materno era carroceiro e nossa avó tinha a hortinha dela em casa, e ajudava vendendo as verduras e os legumes que plantava. Minha mãe teve uma infância bem pobre. Parte da área onde nasceu e se criou é remanescente de quilombos, por isso temos características físicas tão fortes, como nossa cor e feições”, conta Yacy.

Foi quando mudou-se para a capital, já adulta e mãe de seu primeiro filho, que Maria conheceu o pai das meninas, um eletricista industrial. Casaram-se e tiveram três filhas: a irmã do meio, hoje com 35 anos, e as gêmeas, de 33. “Nosso pai não se fixava em São Luís: viajava, quando uma empresa o admitia, para o Pará, para Recife, e assim foi rodando o Brasil. Por um tempo, mandava notícias e visitava a gente nas férias, mas depois ficava mais de um ano sem vir nos ver e não ajudava financeiramente. Nossa mãe era mãe e pai também, deu duro para nos criar e dar tudo o que tivemos”, lembra Yacy.

Na infância, a rotina da mãe que trabalhava três dias da semana como costureira, as influenciou a gostar de moda. “Pra gente, aquele era o momento de estar perto dela, de fazer as coisas junto. Crescemos folheando revistas, aprendemos a cortar molde de roupa, arrematar tecido, abrir costura... Tudo para tornar o trabalho dela um pouco menos cansativo.” Daí a decidirem seguir a carreira, porém, foram muitos anos e um longo processo de autoaceitação. “Quando adolescentes, a gente via as modelos nas revistas e nos comerciais e não se identificava. Tinha a Naomi [Campbell], mas ela tem aquele padrão europeu, cabelo alisado. Não enxergávamos beleza na gente. Por isso seguimos o caminho mais seguro: estudar muito, fazer faculdade, ter um emprego formal”, explica Yara.

Em 2017, de tanto ouvirem das pessoas que deveriam ser modelos e de verem uma mudança na indústria, Yacy conta que decidiram investir na carreira e procurar uma agência – depois dos 30, o que é uma exceção muito bem-vinda no mercado. “Começamos a perceber que a moda e a beleza estavam se diversificando e pensamos: ‘será que agora vão aceitar a gente?’. Nos últimos dez anos, quando mais mulheres negras passaram a ser protagonistas nessa área, passamos a nos notar, nos achar bonitas e até usar nosso cabelo natural”, completa Yara.

A partir daí, o processo evoluiu como o da maioria das new faces: foram para São Paulo, assinaram contrato com uma agência, voltaram para São Luís para produzir material fotográfico enquanto aguardavam trabalhos e mudaram-se definitivamente para a capital paulistana no segundo semestre de 2018. No fim do ano, um presente para a mãe: estamparam o primeiro editorial de moda para uma revista, justamente aqui na Marie Claire. “Nossa mãe ia toda semana na banca perguntar se tinha chegado a revista. Ela a carregava na bolsa para cima e para baixo, mostrava para todo mundo e falava que eram as filhas dela, cheia de orgulho”, conta Yara. “A gente não tinha noção de que ainda podia realizar esse sonho, chegar aonde chegamos”, diz Yacy.

Questão de idade
“Na indústria da moda, infelizmente, a beleza que se vende é a beleza jovem. Tem gente que diz que a carreira acabou pra gente, que vamos ficar só nisso, que já passou o momento de ‘acontecermos’ e, por isso, não vamos muito longe. Já aconteceu de ‘amigos’ que fizemos nesse meio se afastarem quando descobriram nossa idade. Parece que criaram uma expectativa de sermos top models internacionais e poderem dizer que são nossos amigos, mas se frustraram. Quem leva isso numa boa são outras modelos, nossas amigas”, diz Yara. “Nossa aparência é incompatível com a nossa idade, sabemos. Tanto que, na agência, ficaram surpresos com essa questão, não sabem como lidar com isso até hoje. Mas para sonhar não tem idade. Você pode sonhar enquanto viver, e viver para tentar realizar”, completa Yacy.

Resistência materna
“Nossa mãe sempre nos ensinou que, por sermos negras, tínhamos que mostrar nossa competência o tempo todo. Tínhamos que estudar e adquirir conhecimento para não sermos humilhadas pelas pessoas, nos provando a todo momento.

No serviço, ela costurava as próprias roupas, sempre impecáveis. Os amigos de trabalho a chamavam de ‘nos trinques’, porque ela sempre estava belíssima. Ela conta que, na época, não existia farda para agentes penitenciários nem uniforme para presidiários e, no Maranhão, a maior parte da população carcerária é de preto e pobre. Um dia, quando foi escoltar uma detenta num julgamento, o juiz, branco, olhou e perguntou: ‘Quem é a presa?’. Isso a marcou muito, ela morria de medo de ser confundida só por ser negra. Por isso sempre orientou a nos vestirmos bem, falarmos bem”, diz Yacy.

Pretinhas calçadas
“A gente estudou em escola e faculdade públicas, tivemos uma infância pobre. Tentávamos de todas as maneiras ajudar em casa, economizando, trabalhando desde cedo. Nossos avós maternos criaram os filhos numa situação de precariedade. Minha mãe conta que, às vezes, não tinham o que comer, só arroz com farinha. Mesmo assim, nosso avô trabalhava duro o ano inteiro para poder comprar sapatos para os filhos no final, ver ‘todos os pretos calçadinhos’, como ele dizia. Isso porque, na época da escravidão, o que diferenciava o negro livre do negro escravo era se tinham sapato ou não, e aquilo era muito forte para ela. Tanto que, na nossa infância, a gente viu mamãe comprar muitos sapatos, tínhamos vários. Ela se preocupava com isso e dizia: ‘As minhas pretinhas estão calçadas, não são pretas descalças’”, conta Yacy.

Sobre representatividade
“Nós somos feministas. Passamos a conhecer mais sobre o movimento nos últimos cinco anos, quando vimos que mulheres negras estavam falando mais sobre isso. A Djamila [Ribeiro] é uma referência. A Chimamanda [Ngozi Adichie]... Ela escreve tão bem, fala de dores comuns a nós, negros. Entendemos a importância de buscar nossa ancestralidade, ter respeito pelas nossas origens, ser conscientes da nossa cor. E a Michelle Obama também. Mesmo não sendo no Brasil, a gente ficou na maior empolgação de ver uma família negra na presidência. A Michelle tem sabedoria, elegância, beleza. A assistíamos e pensávamos: ‘Nossa, é possível ter tudo isso e ser negra?’. É incrível enxergar, por elas, onde podemos chegar. Na moda, olhamos para Adut Akech, Maria Borges, Jeneil Williams. Elas são nossas inspirações”, diz Yara.

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