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Irmandades, curiosidades e história da Capela de Bom Jesus dos Navegantes

Grupos religiosos foram fundamentais para a manutenção da Capela de Bom Jesus dos Navegantes, que recebeu missas e registrou fatos pitorescos

Thiago Bastos / O Estado

- Atualizada em 11/10/2022 às 12h23
Parte da capela onde ficam situadas as câmaras mortuárias, com os restos mortais de personalidades da época, que ficaram “mais perto de Deus”
Parte da capela onde ficam situadas as câmaras mortuárias, com os restos mortais de personalidades da época, que ficaram “mais perto de Deus”

SÃO LUÍS - Ao longo dos séculos XVIII e XIX, com a elevação da representatividade católica na sociedade ludovicense, a partir da influência jesuítica e portuguesa na então colônia, organizadores religiosos passaram a ganhar importância. De acordo com o exemplar “Museu Histórico e Artístico do Maranhão – Intervenções Estruturais e História Institucional”, da Secretaria de Estado da Cultura (Secma), a manutenção dos templos ficava a cargo de grupos chamados irmandades religiosas.

Foi um destes grupos que, nos últimos séculos, passou a administrar a Capela de Bom Jesus dos Navegantes. Além de entender a importância deste grupo social na manutenção da construção religiosa, é importante se ater a alguns fatos registrados por jornais e outros exemplares dos séculos XIX e XX, que tornaram a capela uma das mais singulares obras da construção da capital maranhense.

Na capela, faz-se fundamental entender a atuação da Irmandade Bom Jesus dos Navegantes. De acordo com a obra “Arquitetura e Arte Religiosa no Maranhão”, a irmandade foi formada “a partir de um desentendimento”, no fim do século XVIII, entre alguns irmãos da Irmandade de Bom Jesus dos Passos.

Segundo a obra, os “dissidentes” da antiga irmandade foram se alojar na capela. A partir da instalação do grupo na construção a Bom Jesus dos Navegantes, a construção passou a receber investimentos para câmaras mortuárias (para guardar os restos mortais de quem queria ser enterrado “mais próximo de Deus”), para adornos e outros luxos. Estes irmãos, já no século XIX e com a administração da capela, mandaram buscar em Portugal alguns objetos semelhantes aos existentes na Irmandade dos Passos.

Representante da irmandade
Em meio à construção antiga e que carrega grande parte da história e tradição católicas da capital maranhense, O Estado encontrou José Ribamar Silva, remanescente da Irmandade de Bom Jesus dos Navegantes. Ele é, há três décadas, um acervo ambulante de informações da unidade religiosa.

Seu pai de criação, Augusto Aranha Medeiros, foi um dos grandes nomes que compuseram a administração da Capela de Bom Jesus, em especial nas décadas de 1960, 1970, 1980 e 1990. Após problemas de saúde e seu falecimento, o atual gestor tomou as rédeas das ações na capela.

[e-s001]A divisão da construção é a mesma secular, ou seja, com nave central (onde ficam a maioria dos bancos e imagens) e o altar-mor, onde são feitas as celebrações e está montado o apoio à representação de Bom Jesus, imagem que há mais de três séculos faz parte do acervo da capela.

O atual administrador, José Ribamar Silva, começou a frequentar o local por influência do pai de criação e auxiliando as autoridades religiosas na organização das celebrações. “Inclusive, houve um episódio em que ajudei a levantar um andor, em um dos eventos, ainda jovem”, disse.

Ele lembrou ainda uma tradição da Capela de Bom Jesus dos Navegantes e que teria se perdido no tempo, ou seja, a promoção das procissões de Fugida (com a imagem de Bom Jesus com pano e transferida da unidade original para a Catedral Metropolitana de São Luís) e do Encontro (quando a imagem de Bom Jesus se encontra com a de Nossa Senhora das Dores, que faz parte do acervo da capela). “Com o passar do tempo, foi-se perdendo o costume na cidade, que ocorria às vésperas da Semana Santa”, garantiu José Ribamar. Atualmente, além dele, apenas funcionários do setor administrativo, ligados à Secretaria de Estado da Cultura (Secult), cuidam da capela.

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Assistência espiritual
A Capela de Bom Jesus dos Navegantes, em épocas passadas (ou seja, fim do século XIX e início do século XX), prestava assistência espiritual aos chamados “irmãos”, na hora da morte. Por isso, foram construídas, na lateral da nave central e altar-mor da unidade, capela mortuária. De acordo com a administração do local, o objetivo foi o de “aproximar” os irmãos falecidos ao reino dos céus, por sepultamentos em terreno considerado sagrado.

Essas câmaras, para despejos humanos, foram preservadas até os dias de hoje. Nomes conhecidos como Barbosa de Godóis, por exemplo, tiveram seus restos colocados em uma das câmaras na capela. Godóis – que exerceu as funções de professor, jornalista, promotor público, deputado e funcionário público – compôs a letra do atual hino maranhense, além de ter sido educador de “indiscutíveis” e admiráveis nomes. Barbosa de Godóis foi fundador da Cadeira nº 1 da Academia Maranhense de Letras (AML).

Outro nome conhecido da sociedade maranhense e cujos restos estão no setor dedicado aos mortos na Capela de Bom Jesus, é José Maria Barreto, o “Barão de Anajatuba”. Ele foi deputado da assembleia geral legislativa pela província do Maranhão e faleceu no dia 25 de agosto de 1871.

Mas o registro do gênero que mais chama a atenção é o de Anna Augusta Jansen Ferreira, filha de Anna Joaquina Jansen, a conhecida personagem da sociedade maranhense. Não há comprovação de que os restos que ali estão na capela são, de fato, da filha de Ana Jansen.

[e-s001]Fatos mais importantes
A partir da ascensão e consolidação da Capela de Bom Jesus dos Navegantes, após a “administração” pela irmandade, a construção católica passou a receber, com mais frequência, eventos e ritos ligados à doutrina cristã. Citações destes acontecimentos são vistas em exemplares de jornais e artigos da época.

O jornal “Pacotilha”, de 1º de setembro de 1881, aponta que – no dia anterior (ou seja, dia 31 de agosto de 1881) - parentes convidavam amigos e outros conhecidos para a missa “por alma” de Rita Albina de Jesus, uma aparente cidadã comum ludovicense. A celebração seria no sábado, dia 3 de setembro, às 6h30 na então “Capella do Senhor Bom Jesus dos Navegantes”.

Em 1883, o mesmo jornal divulgava a exposição do “Santo Sacramento”, também na “Capella”. Anos antes, em 1875, o Diário do Maranhão divulgava que, no dia 1º de dezembro daquele ano, às 6h30, seria celebrada uma missa pelo quarto ano de falecimento do desembargador Joaquim Rodrigues de Souza. Seus restos mortais ainda estão guardados no setor mortuário da Capela de Bom Jesus dos Navegantes.

Em 1876, houve missa de corpo presente do senhor Manoel Luiz dos Santos, outro cidadão comum da época. A chamada, também no Diário do Maranhão do dia 27 de novembro daquele ano, foi feita por parentes e amigos e justificada pelo “eterno descanso de sua alma”.

No dia 2 de agosto de 1878, a pedido do sr. Bernardo Guimarães – membro e integrante do Senhor Bom Jesus dos Navegantes – houve a convocação de fiéis no exemplar de Diário do Maranhão para “missa rezada”, às 8h, nos domingos e dias santificados.

Incorporação da capela
Em meados do século XIX, é construída a Igreja de Santo Antônio. A estrutura é incorporada não somente à Capela Bom Jesus dos Navegantes como a do Senhor Bom Jesus da Coluna, ainda presente no Largo de Santo Antônio, no Centro. Antes disso, é montado o Convento de Santo Antônio, que, entre presenças famosas, já recebeu o papa João Paulo II durante sua visita à Ilha, em 1991.

Palco de programações religiosas
Em 26 de março de 1921 (um sábado), de acordo com publicação do Diário de S. Luiz, houve citação à missa da ressurreição na Capela Bom Jesus dos Navegantes. Segundo a citação, “amanhã, às 9 horas, celebrar-se-á, na capella do Senhor Bom Jesus, uma missa cantada a grande instrumental mandada pela respectiva irmandade”.

Antes de cada celebração, era feita a preparação pelos membros da irmandade da congregação. Registro do Diário de S. Luiz, de 28 de outubro de 1922, apontou que, “para atender à ornamentação e limpeza, estará aberta [a Capella dos Navegantes] até o dia 2 de novembro”.

Em 1925, o público foi chamado para acompanhar a missa em “intenção a Santa Terezinha do Menino Jesus”. À época, havia uma clara preocupação com fuga de fiéis para outras congregações, já que se pedia o “comparecimento de todos os fiéis desta milagrosa santa”.

Um ano antes, em 1924 – em edição do Diário de S. Luiz –, ocorreu a chegada da imagem de Santa Terezinha. Sem informação acerca da origem da imagem, o artefato “que chegou em transporte marítimo” seria exposto na Capela Bom Jesus dos Navegantes nos dias 13, 14 e 15 de setembro. O fato seria alusivo à festa de Nossa Senhora das Dores.
Apesar da programação intensa, a capela, que, na primeira metade do século XX registrava pouco mais de 300 anos de existência, dava sinais claros de desgaste. Fazia-se necessária uma reforma. E ela veio.

Reforma e entrega
No dia 23 de agosto de 1970, após longa reforma e restauração das partes interna e externa da estrutura, foi reaberta a Capela Bom Jesus dos Navegantes. Os trabalhos foram comandados pelo governo do Maranhão, à época, administrado por José Sarney, e com a colaboração da irmandade dos Navegantes, responsável pela unidade religiosa.

Além da entrega do espaço recuperado – com revitalização das imagens, do altar e pintura –, foi disponibilizada ao público uma exposição de imagens e objetos sacros. Os acessórios foram colocados no parlatório da capela e permaneceria aberta até o dia 30 de agosto daquele ano, podendo ser vista diariamente das 15h às 18h.

Na reabertura, além do anúncio da exposição interna, foi celebrada missa especial pelo então Arcebispo de São Luís, João José da Motta. A missa ocorreu às 9h do dia da reinauguração e contou com a participação do Coral de Santo Antônio, famoso por participação em outros eventos do gênero na cidade.

Um dos dirigentes que teve participação efetiva na reforma da capela foi o sr. Augusto Aranha Medeiros. Seu filho de criação, José Ribamar Silva, destaca a dedicação do pai para a manutenção da unidade religiosa. “Ele vivia isso aqui com um amor único, que poucas vezes vi alguém ter por um imóvel ou uma igreja como esta”, disse.

Além de Augusto Aranha, também foram importantes neste período os integrantes da irmandade César Borges de Pádua, Antônio Ramos Cardoso e Paulo Arthur Smith.

Capela recebe devotos
Por causa da interdição da Igreja de Santo Antônio, a Capela de Bom Jesus dos Navegantes recebe celebrações, especialmente nos fins de semana, que anteriormente aconteciam na construção ligada ao santo casamenteiro. Em junho deste ano, foi interditada pelo Corpo de Bombeiros. Até o momento, não há previsão para a reabertura da construção.

A Capela de Bom Jesus dos Navegantes é patrimônio estadual e, portando, estaria reportada à administração do Governo do Maranhão. Por enquanto, não há informação acerca de reforma no local.

Capela vizinha
A Capela do Senhor Bom Jesus da Coluna é uma construção do século XIX e tombada pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). A construção foi erguida em um terreno doado pela Irmandade do Senhor Bom Jesus dos Navegantes e gerou, anos mais tarde, a Irmandade da Coluna.

Após a proibição das procissões quaresmais pelo arcebispo Dom Mota de Albuquerque, a Irmandade da Coluna perdeu seguidores. Na década de 1980, remanescentes deste grupo celebraram uma espécie de contrato de comodato. No acordo, o governo maranhense cuidava da manutenção da capela e a irmandade da parte religiosa. Na década de 1990, houve uma grande reforma na Capela da Coluna, o que possibilitou a promoção de atividades de cunho religioso.

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