Especial / O Estado

Primeira construção em pedra da Ilha: a Capela de Bom Jesus dos Navegantes

Feita inicialmente por capuchinhos franceses, ainda no século XVII, a construção religiosa passou por transformações, sendo anexada ao prédio da Igreja de Santo Antônio; capela, erguida em 1613, carrega mais de quatro séculos de tradição

Thiago Bastos / O Estado

- Atualizada em 11/10/2022 às 12h23
Trecho do sermão, proferido na capela de Bom Jesus dos Navegantes
Trecho do sermão, proferido na capela de Bom Jesus dos Navegantes (Capela de Bom Jesus dos Navegantes)

SÃO LUÍS - Em 1612, de acordo com a história oficial, São Luís é oficialmente fundada por intermédio da comitiva francesa, comandada por Daniel de La Touche, Senhor de La Ravardière. Após a missão, que por aqui desembarcou e fundou a cidade, o território brasileiro ganhou um anexo da chamada França Equinocial, nascendo daí o chamado “Fourt de Saint-Louis”, nome dado em referência ao rei do país e que, mais tarde, batizou a bela Ilha de São Luís.

Foi a partir da influência francesa e, anos mais tarde, portuguesa que diversas construções foram erguidas e se sucederam na cidade, a partir do período colonial. Dentre os prédios ou unidades físicas, surgiu uma construção montada sob forte inspiração nas fortalezas para proteção militar.

Além da influência colonial, a forte penetração religiosa e participação de missões famosas possibilitaram a construção de uma das unidades católicas mais famosas e tradicionais da capital maranhense. Construída a partir de 1613 e considerada a primeira em pedra do Maranhão – de acordo com o historiador e membro fundador da Academia Ludovicense de Letras (ALL) Antônio Noberto –, a Capela de Bom Jesus dos Navegantes carrega mais de quatro séculos de tradição e diversos fatos que se sucederam e a tornaram uma das referências da religião no estado. “Foi um marco naquela época, e sua construção consolidou a atuação de um dos grupos religiosos mais conhecidos em todo o mundo. Além disso, seu erguimento fez parte de um recorte importante da história da cidade”, disse.

De acordo com a ALL, inicialmente a capela (localizada no Largo de Santo Antônio, no Centro, onde permanece até hoje) foi erguida para receber o Convento São Francisco dos Capuchinhos Franceses, cujos nomes mais conhecidos foram Claude d’Abbeville, Ambroise d'Amiens, Yves d’Evreux e Arsène de Paris. Com o financiamento francês, a congregação (com funcionamento na antiga capela de Bom Jesus dos Navegantes ou anteriormente chamada de Capela São Francisco) começou a estabelecer as bases da fundamentação católica na então cidade descoberta.

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Segundo a obra “Os Franciscanos no Maranhão e Grão-Pará”, de Maria Adélia Amorim, para a história do Maranhão, os capuchinhos franceses podem ser considerados os primeiros missionários a pisar em solo maranhense e a estabelecer os princípios da evangelização entre os nativos. No entanto, de acordo com a obra, a “verdadeira epopeia dos franciscanos naquele território somente começaria com a chegada dos Capuchos de Santo Antônio”, uma vez que o empreendimento francês não se consolidou.

A vinda dos capuchos ligados à Ordem de Santo Antônio coincide com a expulsão dos franceses a partir da missão portuguesa, em meados de 1616. De acordo com a obra “Museu Histórico e Artístico do Maranhão - Intervenções Estruturais e História Institucional” -, a Capela de Bom Jesus permaneceu abandonada até 1624, quando o frei Cristóvão de Lisboa, vindo de Pernambuco, reconstruiu a edificação, intitulando-a de Capela Santa Margarida.

De frente para as águas
Foi do alto da até então recém-construída Capela Bom Jesus dos Navegantes, antes francesa e “recuperada” a partir da interferência portuguesa, que o importante orador do século XVII e defensor, por exemplo, das causas indígenas – padre Antônio Vieira –, proferiu o seu Sermão famoso de Santo Antônio aos Peixes. Considerada uma crítica feroz à sociedade, por elementos satíricos e oratória invejáveis, a obra (feita por um dos membros mais fortes do segmento barroco na sociedade brasileira na arte prosaica) comparou os malefícios de determinados comportamentos humanos a personagens que seriam peixes.

De acordo com historiadores, a tese é que Antônio Vieira proferiu o sermão avistando a então maré, já que era possível no século XVII visualizar as águas da ilha colonizada da cúpula da capela. De lá, Antônio Vieira abriu o sermão:

“Vós, diz Cristo, Senhor nosso, falando com os pregadores, sois o sal da terra: e chama-lhes sal da terra, porque quer que façam na terra o que faz o sal. O efeito do sal é impedir a corrupção; mas quando a terra se vê tão corrupta como está a nossa, havendo tantos nela que têm ofício de sal, qual será, ou qual pode ser a causa desta corrupção? Ou é porque o sal não salga, ou porque a terra se não deixa salgar”.


Sermão de Santo Antônio aos Peixes, do padre Antônio Vieira, era a divulgação de argumentos que confrontavam as práticas coloniais à época e que criticavam a submissão das chamadas populações nativas aos interesses europeus.

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