Crise com o Paquistão

Restrições impostas pela Índia à Caxemira preocupam, diz ONU

Nova Délhi revogou a autonomia do estado na segunda-feira; região está sem acesso a telecomunicações e sob toque de recolher; cerca de 560 pessoas, entre elas professores universitários, empresários e ativistas, já foram presas

Atualizada em 11/10/2022 às 12h23
Mulheres protestam contra medida imposta pelo governo indiano em Nova Délhi
Mulheres protestam contra medida imposta pelo governo indiano em Nova Délhi (AFP)

NOVA DÉLHI e ISLAMABAD — As restrições impostas pelo governo indiano à Caxemira são "extremamente preocupantes" e "exacerbarão a situação dos direitos humanos" no estado, parte de um território disputado com o Paquistão, afirmou um porta-voz do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos.

Em tom similar, o secretário-geral da ONU, Antonio Gutérres , afirmou estar "preocupado com os relatos de restrições impostas na parte indiana da Caxemira" e fez um apelo para que "ambos os lados" evitem tomar medidas que possam afetar ainda mais a região.

Na segunda-feira, Nova Délhi anunciou que revogaria o status constitucional que garantia direitos especiais à região de 12 milhões de habitantes, colocando-a sob toque de recolher e cortando o acesso às telecomunicações. Desde então, cerca de 560 pessoas, entre elas professores universitários, empresários e ativistas, já foram presas no estado, o único predominantemente muçulmano em um país de maioria hindu.

Não é incomum que o governo indiano bloqueie o acesso à comunicação no estado de Jammu e Caxemira , mas, segundo a ONU, as novas restrições, em vigor desde a noite de domingo, elevam a situação "a um novo patamar".

Desta vez, linhas telefônicas e televisão a cabo foram cortadas, e um toque de recolher restritivo impede que as pessoas saiam de suas casas durante o dia e limita os movimentos durante a noite. Aulas em escolas e universidades foram suspensas por tempo indefinido e há dificuldades até mesmo para contatar serviços de emergência, como ambulâncias. Não há previsão para que as medidas sejam revogadas.

"Há algo sobre essas restrições que é draconiano de uma maneira que as anteriores nunca foram", disse David Kaye, relator especial da ONU para a liberdade de expressão, segundo o jornal britânico The Guardian.

Desde ao menos 2014, o partido do primeiro-ministro Narendra Modi , o Bharatiya Janata Party, com raízes no nacionalismo hindu, vinha ameaçando abolir a autonomia concedida na década de 1950 — e sua grande vitória nas eleições parlamentares deu-lhe forças para agir. Pelo artigo 370 da Constituição indiana, era garantido ao estado de Jammu e Caxemira liberdade para aprovar suas próprias leis nas áreas de comunicação, defesa, finanças e relações internacionais.

Já no final de semana anterior à controversa revogação da autonomia, Nova Délhi havia deslocado milhares de soldados para a área, aumentando sua massiva presença militar. Ainda assim, há registros de protestos e de pessoas que lançaram pedras contra as tropas indianas e foram dispersadas com gás de efeito lacrimogêneo.

"Assim que eles acabarem com o toque de recolher, as pessoas irão às ruas. Todo cidadão da Caxemira pensa: "Nós temos que resistir. Nós temos que sair e lutar pelos nossos direitos. Eles poderiam ter feito este processo de uma maneira democrática. O que eles fizeram é mais uma ditadura", disse um empresário local, que saiu da região na quarta-feira, ao Financial Times.

Em uma série de tuítes, Modi ressaltou "a coragem e resiliência" dos moradores do estado e disse que a Caxemira "está, agora, livre de suas algemas". O premier também acusou os políticos locais de não conseguirem desenvolver a região, que sofre as consequências de disputas territoriais e separatistas que deixaram mais de 45 mil mortos apenas nos últimos 20 anos.

Paquistão

O governo paquistanês não viu com bons olhos às restrições à Caxemira, região disputada pelos dois países desde a independência do império colonial britânico, em 1947. Os dois países, ambos potências atômicas, travaram duas guerras por causa da região montanhosa.

Na quarta-feira, o Paquistão anunciou que expulsaria o embaixador indiano de Islamabad e que não enviaria seu recém-nomeado embaixador para Nova Délhi. O governo paquistanês, que prometeu levar a disputa ao Conselho de Segurança da ONU, também anunciou a "suspensão do comércio bilateral" com a Índia e a interrupção dos serviços de trem que ligam os dois países. A exibição de filmes indianos também foi proibida por Islamabad, que descarta lançar mão "de uma opção militar" para lidar com a crise.

"Isso vai se tornar uma grande questão agora. As pessoas que mantiveram sua resistência viva apesar da brutalidade do Estado não vão parar simplesmente porque houve uma mudança na lei. Na realidade, a situação vai ficar ainda mais séria", disse o primeiro ministro paquistanês, Imran Khan, durante uma sessão especial no Parlamento.

Em resposta à deterioração dos laços diplomáticos, o governo indiano afirmou que a situação da Caxemira é uma "uma questão interna", dizendo ainda "lamentar" as medidas tomadas por seu vizinho e fazendo um apelo para que elas "sejam revisadas para que os canais normais para comunicações diplomáticas" sejam preservados.

A China, que tem uma longa disputa fronteiriça com a Índia, pediu ao país que respeite rigorosamente os acordos alcançados por ambos os países, a fim de evitar quaisquer ações que possam complicar ainda mais as questões de fronteira.

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