Artigo

Maria Firmina chegou lá

Atualizada em 11/10/2022 às 12h24

Publicado há 160 anos, em São Luís, o romance Úrsula, de Maria Firmina dos Reis, é hoje considerado um marco na história da literatura brasileira. Não por seu valor literário intrínseco (“Mesquinho e humilde livro é este que vos apresento”, advertiu a autora), mas por ser um dos primeiros, se não o primeiro, romance de temática nacional escrito por uma mulher e o primeiro a abordar, criticamente, o instituto da escravidão no Brasil.

Maria Firmina dos Reis é, desde os anos 90, verbete de importantes obras de referência, no Brasil e no exterior, dentre as quais The Bloomsbury guide to women’s literature, publicado em 1992 pelo Wheaton College Massachusetts, nos Estados Unidos); o Dicionário de mulheres do Brasil (2000); e o Dicionário literário afro-brasileiro (2007). Teses e ensaios sobre a escritora e seu romance multiplicam-se nas universidades. Mais de uma dezena de edições de Úrsula está disponível no mercado.

É uma situação surpreendente em relação a uma autora que ficou praticamente ignorada durante mais de um século. Até 1975, quando foi redescoberto, Úrsula, o livro que hoje desperta tanta curiosidade e admiração, não existia para a historiografia literária nacional.

Cento e cinquenta anos após a morte da escritora, a única referência que a ela se fizera na história da literatura foi a que consta do Dicionário bibliográfico brasileiro, organizado, em 1902, por Sacramento Blake. Estudiosos como Afrânio Coutinho, Lúcia Miguel-Pereira, Antonio Candido e Nelson Werneck Sodré desconheceram a existência da autora e do livro.

A situação começou a mudar em 1975, quando, depois de vasculhar os arquivos da Biblioteca Pública do Maranhão, o poeta, jornalista e folclorista José Nascimento Morais Filho identificou quem, em princípio, julgou ser a primeira romancista do Maranhão. De suas pesquisas, nasceu o pequeno livro Maria Firmina - fragmentos de uma vida.

Soube-se, então, que Maria Firmina dos Reis seria afrodescendente, nascera em São Luís, em 1825. Aos 22 anos, fora aprovada em concurso público para a cadeira de Instrução Primária na cidade de Guimarães. Professora até o fim da vida, colaborava com os jornais de São Luís. Além de Úrsula, escreveu o romance indigenista Gupeva (1862), o conto A escrava (1887) e o livro de poemas Cantos à beira-mar (1871).

Juntamente com o escritor paraibano Horácio de Almeida, que, em 1962, adquirira num sebo um exemplar raríssimo de Úrsula, Nascimento Moraes Filho contribuiu, também em 1975, para a primeira edição fac-similar do romance.

Em artigo publicado naquele ano, no Jornal do Brasil - A primeira romancista brasileira - o escritor Josué Montello louvou as homenagens que, em São Luís, eram tributadas à autora, e destacou o papel de Nascimento Moraes Filho na sua ressurreição literária. “É de justiça reconhecer que isto (o resgate da escritora e sua obra) se deve à pertinácia, ao espírito de pesquisa e ao metal da voz de Nascimento Morais Filho”.

Lembro-me perfeitamente da voz de metal de Nascimento Morais alertando-nos, jovens estudantes, para a importância de sua descoberta, desdenhada por muitos de seus conterrâneos.

Ele, que agora, a 15 de julho, completaria 97 anos, só não conseguiu prever que os movimentos pelo empoderamento da mulher e pela valorização do negro iriam conferir a Maria Firmina papel ainda mais relevante na história, não apenas literária, do Brasil. Ela chegou lá.

Antonio Carlos Lima

Jornalista, membro da Academia Maranhense de Letras

E-mail: antonioacglima@gmail.com

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