Saúde e Bem-estar

Campanha mundial destaca a pessoa com esquizofrenia

O lema da atividade deste ano é "Esperança Realista e Possibilidades na Vida com Esquizofrenia", um convite à reflexão pelo dia mundial da doença

Atualizada em 11/10/2022 às 12h25
Diagnóstico da esquizofrenia pode vir logo depois do primeiro episódio  psicótico
Diagnóstico da esquizofrenia pode vir logo depois do primeiro episódio psicótico (esquizofrenia)

São Paulo - A data, que será celebrada pela segunda vez no Brasil e já fazia parte do calendário em diversos países, destaca o desafio de tratar a doença, buscando entender e discutir a redução das barreiras do estigma e criar oportunidades de superação. O lema da campanha deste ano é “Esperança Realista e Possibilidades na Vida com Esquizofrenia”, um convite à reflexão para as pessoas com esquizofrenia, seus familiares e os profissionais de saúde, uma promoção da Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Esquizofrenia (Abre) e o Programa de Esquizofrenia da Universidade Federal de São Paulo (Proesq), o Centro de Estudos Paulista de Psiquiatria (CEPP).

Segundo a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), 23 milhões de pessoas no mundo têm esquizofrenia. A falta de informação sobre o transtorno gera uma série de equívocos em relação ao comportamento dos pacientes, considerados por muitos como perigosos, violentos e inaptos para o convívio.

Sintomas e diagnóstico
O diagnóstico da esquizofrenia pode vir logo depois do primeiro episódio psicótico, que inclui delírios (ideias que são incompatíveis com a realidade da pessoa), alucinações (em geral, auditivas, na forma de “ouvir vozes”), pensamento desorganizado e alterações de comportamento.

Estes sintomas ocorrem essencialmente na fase aguda da doença (o “surto” psicótico). Uma vez tratados, eles diminuem ou desaparecem (o período de remissão), podendo a pessoa vir ou não a ter novos surtos. No período de remissão, ficam mais perceptíveis outros sintomas, como apatia, falta de motivação e dificuldade para expressar emoções (as emoções ficam “apagadas”). A doença exige tratamento de longo prazo em 80-90% dos casos.

É o que explica o psiquiatra Mário Louzã, doutor pela Universidade de Würzburg, Alemanha, e coordenador do Programa de Esquizofrenia do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo: “É necessário tratar o paciente imediatamente para evitar novas crises, pois, do contrário, a pessoa pode piorar nos surtos subsequentes”. Segundo o psiquiatra, o não-tratamento é prejudicial à estrutura cerebral.

Os mecanismos de como a doença funciona e o porquê ainda não foram completamente desvendados, mas já se sabe que há relação com mais de um fator. “Sabemos que há todo um processo para chegar ao momento em que a doença aparece. Primeiro, existe uma base genética, que se soma a alguns fatores de risco: qualquer lesão no neurodesenvolvimento durante a gestação já deixa a estrutura cerebral vulnerável. Há ainda outros episódios de vida, como o uso de drogas na adolescência, quando o cérebro ainda está se ajustando”, afirma o especialista.

Louzã explica que, durante as crises, o que ocorre é uma alteração química no cérebro, com o aumento do funcionamento do sistema dopaminérgico. Portanto, de modo geral, as medicações usadas têm como foco bloquear a dopamina, cuja hiperfunção já está mapeada como gatilho desse desequilibro. Porém, estuda-se ainda a presença de outras neurodisfunções envolvidas.

É comum também que o paciente apresente comorbidades em paralelo à esquizofrenia. Depressão e tendência ao uso de drogas são as principais preocupações, mesmo quando o paciente está seguindo o tratamento – até porque o uso de drogas e álcool pode ser um gatilho para novas crises. Também pode ocorrer quadros de transtorno obsessivo compulsivo, transtornos de ansiedade e problemas de sono.

Personalização
Existem diretrizes básicas de uso da medicação para o tratamento da esquizofrenia. Porém, o olhar do profissional de saúde para o paciente busca sempre a individualização. Alguns pacientes se dão melhor com um ou outro medicamento e, por vezes, pode ser necessário fazer ajustes de dose ou mesmo da forma farmacêutica. “Quando o paciente tem muita resistência a utilizar corretamente a medicação oral, aumenta o risco de recaídas e temos uma piora do quadro geral do paciente. Então, não é incomum fazer substituições até mesmo por formas injetáveis de longa duração dos antipsicóticos”, exemplifica o psiquiatra.

Antes dessa medida, tenta-se trabalhar com o paciente – e a família – abordagens psicoterápicas e psicoeducacionais. O médico explica que elas são importantes para despertar no paciente a importância da persistência no uso do medicamento. São muitos os motivos para o abandono do tratamento. Um deles é próprio da condição. “A pessoa não tem um senso crítico satisfatório sobre a doença, não se percebe como doente e, portanto, não vê motivo para se tratar”, pontua Louzã. Outro fator para a descontinuidade são os efeitos colaterais das medicações.

Opções terapêuticas
Os antipsicóticos são divididos entre primeira e segunda geração. Os primeiros foram desenvolvidos até por volta dos anos 1970, enquanto os mais modernos vieram a partir da década de 1990. Eles se diferenciam principalmente pelos efeitos colaterais que provocam.

Os de primeira geração apresentam os chamados efeitos extrapiramidais, que geram uma reação similar à doença de Parkinson: ao bloquear o sistema dopaminérgico, o medicamento provoca tremor, rigidez física, hipersalivação e dificuldade para caminhar (marcha em bloco). Já os de segunda geração reduziram significativamente esses incômodos, mas trouxeram como possível efeito colateral o ganho de peso, acompanhado de aumento do colesterol e triglicérides.

“Se o paciente se dá bem com um medicamento de segunda geração, em geral, preferimos acrescentar outro fármaco que controle o colesterol e orientamos para que ele pratique atividades físicas de forma complementar. Porém, se o efeito colateral é significativo e os resultados do tratamento estão pouco satisfatórios, a opção é tentar mudar de medicamento até encontrar o melhor ajuste”, afirma.

De acordo com o médico, os fármacos de primeira geração são ainda prescritos com frequência, mas, caso se apresentem como opção, podem ser prescritos junto a medicamentos específicos, caso o paciente desenvolva sintomas extrapiramidais. “No Brasil, usamos o biperideno, que não provoca interações importantes”, diz.
O tratamento da esquizofrenia envolve sempre uma abordagem multiprofissional. O objetivo é ajudar o paciente a voltar, na medida do possível, à vida normal. Para isso, o trabalho com a família é fundamental. Muitas vezes, a pessoa não tem a remissão total da doença, mas ela e a família aprendem a lidar melhor com os fatores que desencadeiam as crises.

Desafios
A pessoa com esquizofrenia é vista como "perigosa", "violenta", "imprevisível", "esquisita". Esta visão distorcida gera a discriminação, reduzindo as chances de inserção social e profissional. Ela terá dificuldade em situações triviais, pois terá que superar barreiras criadas pelo preconceito.

O elemento principal para mudar este cenário é a informação. Conhecer a doença, entender seus sintomas e saber como é feito o tratamento. Informações corretas, obtidas em fontes confiáveis, ajudam a compreender a pessoa com esquizofrenia e se contrapõem àquelas distorcidas e arraigadas no senso comum. É um longo trabalho, uma vez que é preciso mudar algo que vem de muitas décadas. No entanto, é fundamental para que a realidade se imponha sobre o preconceito.


VOCÊ SABIA QUE...

A esquizofrenia é mais frequente do que a doença de Alzheimer e a esclerose múltipla? Vários transtornos, incluindo doenças da tireoide, tumores cerebrais, transtornos convulsivos e outros transtornos de saúde mental, podem causar sintomas similares aos da esquizofrenia.
Ao contrário da opinião popular, as pessoas com esquizofrenia têm apenas um risco discretamente elevado de comportamento violento. Ameaças de violência e surtos agressivos de menor gravidade são muito mais comuns que comportamento gravemente agressivo. Apenas muito poucas pessoas paranoicas, isoladas e gravemente deprimidas atacam ou matam alguém que eles consideram a única fonte de suas dificuldades (por exemplo, uma autoridade, uma celebridade, seu cônjuge).
As pessoas que têm mais probabilidade de praticar atos de violência significativa incluem: aquelas que praticam abuso de drogas ou álcool; aquelas que têm delírios de que estão sendo perseguidas; aquelas cujas alucinações lhes ordenam a praticar atos de violência; aquelas que não tomam os medicamentos receitados.

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