no maranhão

Cidade dos crentes rejeita ‘modernidades’ e confia em Bolsonaro

O governador do Maranhão, Flávio Dino, do PC do B, que foi reeleito no primeiro turno com quase 60% dos votos, ali teve míseros 14%

Folha de São Paulo

Atualizada em 11/10/2022 às 12h25
Praça da cidade São Pedro dos Crentes, no Maranhão.
Praça da cidade São Pedro dos Crentes, no Maranhão. (praça)

SÃO PEDRO DOS CRENTES – No mapa eleitoral do Maranhão, há um pontinho amarelo num estado tingido de vermelho. É São Pedro dos Crentes, cidadezinha de 5.000 moradores em que Jair Bolsonaro (PSL) teria sido eleito no primeiro turno, com 50,93% dos votos.

Mas como São Pedro dos Crentes não é o Brasil, foi preciso haver segundo turno, e aí o capitão ampliou sua vantagem: teve 57,5% dos votos válidos. No Maranhão, só para comparar, Fernando Haddad (PT) levou de lavada, com 73,2% dos votos.

A cidade no sul do estado tem características únicas entre os 5.570 municípios brasileiros. A mais óbvia, como o próprio nome diz, é sua proporção de evangélicos. Segundo dados do IBGE de 2010, são 51% na cidade, contra uma média nacional de 29% (apontada pelo Datafolha). Mas os moradores locais dizem que esse dado está subestimado, e que os evangélicos são pelo menos 70% da população.

São Pedro dos Crentes não tem agência do Banco do Brasil (algo raríssimo no país), mas tem dez igrejas evangélicas em sua meia dúzia de ruas. Nos estabelecimentos comerciais, é comum haver uma passagem bíblica pintada na parede. Há três botecos atendendo à minoria de “desviados”, como são chamados os não-evangélicos, mas estavam fechados nos dois dias em que estive por lá, na semana passada.

As pessoas são conservadoras, bolsonaristas e não gostam da esquerda. O governador do Maranhão, Flávio Dino, do PC do B, que foi reeleito no primeiro turno com quase 60% dos votos, ali teve míseros 14%.

“A sociedade aqui não aceita muito as modernidades”, diz o prefeito, Lahésio Rodrigues, 40, um tucano que abandonou o candidato de seu partido, Geraldo Alckmin, já no primeiro turno e apoiou Bolsonaro. Ele cita entre as “modernidades” rejeitadas o aborto, o casamento gay e a ideologia de gênero nas escolas.

A cidade tem uma história sui generis. Foi criada a partir da Assembleia de Deus, maior denominação evangélica do país e que ainda hoje domina a vida política e social do município. “A igreja normalmente surge da cidade, aqui a cidade surgiu da igreja”, diz o pastor Manoel Lima de Souza, titular da maior igreja do município.

Perguntei a ele se é fácil pregar para uma cidade de convertidos. Ele diz que não necessariamente. “Aqui as pessoas conhecem a Bíblia, inclusive crianças, que vão à escola dominical aprender sobre ela. Tenho que me preparar bem para falar com todos”, diz.

Na década de 1940, a fazenda São Pedro, de propriedade da Assembleia de Deus, foi divida em lotes doados para família evangélicas que vieram de fora colonizar a região, dando origem a uma vila pertencente à cidade de Estreito (MA). Em 1994, houve a emancipação, e São Pedro dos Crentes se tornou município.

As principais ramificações da Assembleia de Deus estão representadas na cidade: Madureira, Convenção Geral, Seta, Guará e Comadesma (um ramo local). Mantêm uma relação cordial, mas competem intensamente por fiéis. Há uma solitária Igreja Católica no município.

Lavrador aposentado, Pedro Damasceno, 73, é uma espécie de historiador informal do município. “Quando isso aqui surgiu, crente era besta-fera”, lembra ele, que chegou criança ao povoado. “Hoje, é uma cidade abençoada por Deus”, diz.

Ele afirma que votou em Bolsonaro porque sua candidatura está de acordo com a Bíblia. “Notei que ele fala muito a favor de Israel“, diz. Também gostou do slogan do então candidato, que menciona “Deus acima de todos”.

A cidade é relativamente pobre, com Índice de Desenvolvimento Humano de 0,60 numa escala de 0 a 1 (a média do Brasil é 0,69), mas fiquei com boa impressão do lugar. As ruas são limpas e asfaltadas, a estrutura de saúde é boa, com um hospital grande e equipado, e o comércio é surpreendentemente pujante.

A base da economia é a agricultura familiar. Além disso, o sul maranhense, que fica numa zona de transição entre o Cerrado e a Amazônia, é grande produtor de soja. Parte da população trabalha em lavouras em municípios vizinhos.

Há quatro meses, São Pedro recebeu o que seria a versão local de um Carrefour ou Wal-Mart: um supermercado que vende comida, roupas e autopeças. Seu dono, Neurivan Jorge, 43, traz produtos de cidades maiores como Balsas e Imperatriz e diz que não costumam encalhar.

“Está melhor o movimento este ano”, diz ele, que, claro, é evangélico e votou em Bolsonaro. “Se o presidente diminuir um pouco a corrupção, já é um adianto”, afirma. Para melhorar seu ambiente de negócio, ele pede duas coisas: estradas melhores (as que levam ao município são uma buraqueira só) e uma agência bancária.

Uma vez por mês, conta ele, um carro-forte traz dinheiro para o único caixa eletrônico da cidade (do Bradesco), e para a agência do Banco Postal, que representa o Banco do Brasil. Acaba faltando dinheiro em circulação, e por isso ele criou um cartão de crédito de sua loja, nos moldes dos que têm as grandes redes.

Pelo menos de uma coisa os comerciantes da cidade não podem se queixar. Episódios de violência são praticamente inexistentes. Não há delegacia de polícia, apenas um destacamento da PM.

“Há pequenos furtos e de vez em quando algum caso de Maria da Penha [agressão a mulher]”, disse o soldado Wellington, que naquele dia chefiava o posto.

Para ele, o alto índice de evangélicos contribui para a cidade ser tão pacífica. “Aqui dá um certo tédio. A gente sai pilhado da academia de polícia, vir pra cá é meio frustrante. Não acontece nada”, diz.

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