Artigo

“Serás libertado pelo direito e pela justiça” (Is 1, 27)

Atualizada em 11/10/2022 às 12h26

A vida em sociedade foi, e continua a ser, um grande desafio na história humana. Civilizações mais antigas, tentaram - com certo êxito, estabelecer regras mínimas para a convivência harmônica entre seus entes.

O Direito aparece como um fato social. Surge da necessidade de positivar normas e fazê-las efetivas, por meio do aparelho estatal. Por outro lado, aparece como meio de condensar costumes e crenças, sob as quais existe livre adesão coletiva, onde a norma positiva apenas “reconhece” a existência e a garantia de direitos e garantias inerentes à pessoa, regidos por uma ideia universal e imutável de justiça - jusnaturalismo jurídico.

Dentre esses direitos, ditos naturais, estão o direito à vida e à liberdade. O primeiro, detém a fonte e origem de todos os demais direitos, com os quais compõem as garantias fundamentais, indispensáveis à manutenção do tecido social.

A justiça, porém, diziam os gregos, é a “alma do direito”. Está nela a sua definição mais profunda, bem como, fundamenta-se nela a sua razão de ser (a do Direito). Assim, a justiça é bem mais que equidade e muito mais que bem-estar moral. É, em sua origem, um instrumento de libertação, de êxodo para a vida plena, de igualdade e liberdade. O direito e a justiça completam-se conceitual e empiricamente. Como realidade concreta e possibilidade de vir a ser!

A Campanha da Fraternidade deste ano nos convida a reflexão sobre Políticas Públicas. Quais seriam essas políticas? Que tem a Igreja com isso? Em poucas linhas, política pública é a intervenção sistemática, orgânica e específica do Estado para a manutenção da ordem, das garantias e dos direitos individuais e sociais. É, ou deveria ser, o cuidado do Estado para o povo; a forma de garantir, através de programas, ações e projetos os direitos fundamentais preconizados da Carta Política de 1988.

A defesa da vida está intimamente ligada à prática da justiça. Não meramente da justiça formal, equacional, mas, sobretudo, de uma justiça que seja capaz de questionar as causas, de descer às nuances das distorções sociais. Uma justiça verdadeiramente restaurativa e libertadora.

Não deve ser a Igreja, por força de sua missão genuína, defensora da vida e da justiça? É pouco compreensível que, depois de passados 50 anos da celebração do Concilio Ecumênico Vaticano II, alguma resistência ainda seja notada, por partes de alguns cristãos leigos e de membros da hierarquia, sobre o papel da Igreja no mundo de hoje, sua participação ativa e propositiva para além do culto.

O papa Francisco tem sido o ícone inconteste da direção pela qual deve caminhar a Igreja no tempo presente, incentivando a todos - mesmo os não cristãos -, a buscarem caminhos de libertação para a construção de uma sociedade livre, justa e solidária. Francisco tem insistido para um “retorno às fontes”, às origens do cristianismo, onde o bem comum ocupava o centro da vida comunitária, constituindo-se como o sinal pelo qual eram reconhecidos os aventureiros que seguiam os passos do Nazareno. “Vejam como eles se amam”, - diziam sobre os primeiros cristãos.

Vivemos um tempo marcado pela indiferença, pelo isolamento social. Marca do perverso sistema de competição e lucro que impera sobre todas as relações, inclusive as religiosas. Seja na relação com o absoluto, minimizada ao intimismo espiritualista, seja na relação com o próximo, que, quando muito, torna-se destinatário de algumas ações caritativas.

O comprometimento com o direito e a justiça exige mais que isso. Exige verdadeira imersão nas causas do sofrimento humano, que deve interpelar nossas consciências, incomodar nosso conforto e apressar nossos passos em direção às alternativas e soluções.

Oxalá, fazendo outra vez o caminho para a Páscoa, tenhamos coragem de olhar à margem do caminho, sujar os pés com a poeira da estrada, sem medo de acolher os caídos, de enxugar as feridas, de favorecer o abraço. Talvez assim, que sabe assim, ao menos alguma vez, vejamos brotar o Direito e ressurgir a Justiça, de forma maiúscula e superlativa.

Kécio Rabelo

Advogado. Membro da Comissão Justiça e Paz de São Luis

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