Literatura

A Nauro Machado, com amor

Coletânea sobre o poeta maranhense, “Impressões sobre Nauro Machado” é obra incomparável na literatura brasileira moderna

Adonay Ramos Moreira*/ Especial para o Alternativo

Atualizada em 11/10/2022 às 12h26
O poeta Nauro Machado
O poeta Nauro Machado (Nauro Machado )

ão Luís - Há muitas maneiras de viver, mas apenas uma de amar, e é isso que aprendemos ao ler o admirável “Impressões sobre Nauro Machado”, livro monumental organizado por sua esposa e também escritora Arlete Nogueira da Cruz Machado, contendo 264 artigos de 131 autores acerca da obra do grande poeta maranhense, compondo a mais amorosa de nossas fortunas críticas.

No panorama da crítica literária brasileira contemporânea, poucas obras terão alcançado o mesmo grau de beleza, harmonia e elegância que essa coletânea. Há livros que nascem da inteligência, que são gestados em meio aos raciocínios mais rigorosos, e que daí emergem como flores negras e artificiais, ainda que excessivamente lógicas. Outros há que são fruto do coração, que se espraiam pelas páginas afora como água derramada e onde podemos beber, como em uma fonte, um pouco d'água para saciar a nossa inesgotável sede. Porém raros são os livros que, obras máximas do pensamento e da sensibilidade humanos, são engendrados pelo vigor da razão e a amorosidade da alma. E é a essa categoria que pertence a obra “Impressões sobre Nauro Machado”.

Como se estivéssemos ante vários espelhos, todos distintos, mas reproduzindo a mesma e inconfundível face, cada um dos artigos nos apresenta uma dimensão diferente do autor de “As Órbitas da Água”. Como rios que convergem para o mesmo mar, os textos ali coligidos aos poucos vão-nos esboçando a imagem desse que é, sem nenhum favor, um dos maiores poetas da língua portuguesa de todos os tempos.

Assim, pouco a pouco, num crescendo, como as ondas do mar ou os compassos em ostinato do Bolero de Ravel, vamos descobrindo o homem, o gênio, o poeta que se foi desnudando e fragmentando-se numa obra de fôlego incomparável na literatura brasileira moderna. Ante nossos olhos paralisados vamos descobrindo o solitário, o profeta, o épico, o metafísico, o amoroso, o desgarrado, o exilado, o peregrino, o desvalido da sorte, o homem que desceu aos infernos e que, como Dante, sonhava com o Paraíso. Vamos desvendando, pelas mãos habilidosas e pelas almas apaixonadas de cada um dos autores, o que estava diante de nossos olhos e não percebíamos, cegos que somos para o mistério da beleza e da vida.

O poeta inteiro está ali, com seus mistérios e dramas, com seus silêncios e suas vozes. Podemos ouvir sua fala, podemos sentir sua presença monacal, podemos tocar em seu corpo, ainda que este seja agora formado apenas por palavras. O livro por si só já constitui uma obra de arte, um artefato amoroso e racional ofertado à nossa inteligência e ao nosso coração. Ante essa nudez de corpo e de alma, podemos agora perceber a grandeza de um homem que, durante quase sessenta anos, foi construindo, dia após dia, pedra sobre pedra, com uma obsessão implacável, uma obra ímpar na história de nossa literatura. A verdade é filha do tempo, dizia São Tomás de Aquino. E não é diferente no caso de Nauro Machado. Essa coletânea é um novo dia para sua obra, jogando luz em uma noite que se estendeu durante toda a sua existência, sendo interrompida apenas por parcas frestas de luz, que, agora reunidas, formam um novo e fascinante sol para sua obra.

Livro apaixonante e apaixonado, “Impressões sobre Nauro Machado” é o testemunho daqueles que, atentos ao fenômeno poético, não deixaram de notar a presença silenciosa de um verdadeiro gênio literário, um desses poetas que não apenas constroem uma obra, mas, sim, uma poética, renovando as formas de ver, sentir e dizer de uma língua. Carpeaux escreveu certa vez que a poesia, por querer explicar o indizível, choca-se com a língua. Mas, em Nauro Machado, poesia e linguagem são uma e mesma coisa, convivendo na mais plena harmonia.

É de Borges a afirmação de que a “Divina Comédia” não foi senão um pretexto encontrado por Dante para poder rever, mesmo que em sonho, a sua amada Beatriz. De igual forma, Arlete Nogueira da Cruz Machado organizou esse livro para que pudéssemos reencontrar, ainda que em sonho, papel e tinta, o criador de A Vigésima Jaula, mesmo que ele próprio não acreditasse nessa ressurreição, pois, como canta no poema “Inferno e Céu: Sei que, no alto, uma lua renasce sempre em lua,/depois do sol. Porém, em mim, o dia se apaga/e desce à terra na órbita dos meus olhos./Sinto: sei que não poderei nascer de novo”.

Entanto, enganou-se, para a nossa alegria, o poeta, pois, com esse monumental “Impressões sobre Nauro Machado”, reencontramo-lo mais uma vez, ainda mais forte e lúcido, senhor absoluto de seu canto, inaugurando nessa noite em que vivemos esse mais novo e brilhante sol.

*Adonay Ramos Moreira é escritor

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