Controversa

Flexibilização da posse de armas gera corrida a lojas em São Luís

Preços de armas variam de R$ 3 mil a R$ 6 mil e procura já aumentou; vale lembrar que decreto não liberou o porte, que é crime com pena de 8 a 12 anos de prisão

Emmanuel Menezes / O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h27

O presidente Jair Bolsonaro (PSL) assinou, na última terça-feira (15), um decreto que flexibiliza as regras para posse de armas de fogo em todo o Brasil. O decreto altera o trecho da lei que diz respeito à exigência de comprovação de efetiva necessidade de se ter uma arma ao registrá-la. Antes, o cidadão apresentava seus motivos à Polícia Federal, que julgava se havia de fato a necessidade. Agora, considera-se que alguns grupos têm, automaticamente, a necessidade de se armar.

Apesar de o decreto ter sido declarado há poucos dias, muitos ludovicenses já começaram a procurar informações sobre como adquirir uma arma de fogo. Ontem (16), durante reportagem em uma loja de produtos para acampamento e armamento, no bairro Monte Castelo, foi possível registrar intenso movimento de procura. Fernando Dias, administrador da loja, revela que pela manhã o movimento foi ainda mais intenso. “É óbvio que esse movimento vai aumentar nos próximos meses. Chuto que as vendas nesse segmento devam aumentar cerca de 10 vezes, se comparado às atuais”, conta.

O lojista ressalta que as pessoas devem entender que, apesar da maior facilidade para pedir autorização de posse, o processo continua rígido. “São exigidas cópias autenticadas de documentos pessoais e certidões negativas, entregues à polícia, para que assim a pessoa aguarde as orientações para realizar exames psicológicos e de tiro”, completa.
Os preços das armas de fogo também não são os mais acessíveis. Em São Luís, as armas variam de R$ 3 mil a R$ 6 mil. Estudos apontam que o ICMS sobre o valor desses produtos é de 46,5%, quase metade do preço total do produto.

Principais impactos
A posse de armas de fogo ainda não é vista como um fator positivo pela maior parte da população brasileira. Em recente estudo aplicado pelo Datafolha, publicado em dezembro de 2018, 61% dos brasileiros acham que a posse deve “ser proibida, pois representa ameaça à vida de outras pessoas”. Sobre o perfil dos entrevistados, mulheres são mais contrárias à liberação do que os homens. A região Sul é a mais favorável e a Nordeste, a menos.

Com base nisso, O Estado conversou com Miguel Zindeluk, especialista em segurança da ICTS Security. Ele é especialista em treinamentos para o uso correto de armas e já atuou como chefe do departamento de segurança da Federação Israelita do Estado do Paraná e na coordenação e treinamento de equipes de segurança.

Questionado sobre os principais impactos que essa flexibilização pode apresentar no contexto do Brasil, o especialista aponta que é importante entender as mudanças do decreto. “O principal fator de mudança é a subjetividade da declaração de necessidade, que antes era rigorosamente pedida. Agora, basta a pessoa apresentar que necessita da arma de fogo para defesa pessoal e estar em dia com todas as demais exigências”, diz.

Apesar de o decreto ter caído como uma mão na roda para aqueles que são a favor da posse e do fazer justiça com as próprias mãos, algumas questões ainda são arriscadas. “O risco que consideramos como o principal no momento é a falta de capacitação para utilizar arma de fogo. É necessário que quem porte o objeto tenha vasto conhecimento sobre manuseio, técnicas de tiro e, até mesmo, comportamento preventivo. A pessoa deve buscar esse conhecimento além daquilo que é exigido na lei”.

O decreto assinado pelo presidente não prevê curso de capacitação técnica para utilizar arma. O documento mantém apenas o teste psicológico, feito por um profissional credenciado, e o técnico, feito com autorização da Polícia Federal, sob o comando de um instrutor credenciado do órgão. Na análise psicológica, são feitos testes como o projetivo – quando é mostrada a uma pessoa uma imagem sem sentido e a interpretação que a pessoa faz é analisada pelo psicólogo –, o expressivo, onde lê-se uma frase e a pessoa deve reagir a ela, além do de memória, de atenção e uma entrevista.

O que mudou
Vale ressaltar que a posse de arma é uma autorização emitida pela Polícia Federal para que um cidadão possa ter uma arma, que não seja de calibre, restrito dentro de casa ou no lugar de trabalho, contanto que seja ele o titular ou o responsável legal pelo estabelecimento. O ato de sair armado pelas ruas sem autorização (porte), é caracterizado como crime, tendo como pena 8 a 12 anos de prisão.

A posse é atualmente liberada para pessoas que sejam maiores de 25 anos, tenham ocupação lícita e de residência certa, comprovem capacidade psicológica e técnica, não tenham antecedentes criminais e não estejam respondendo a inquérito policial ou a processo criminal. O item que diz respeito da declaração de necessidade de ter uma arma foi o que sofreu mudanças.

Agora, a posse é automaticamente liberada para alguns grupos. São eles: agentes públicos, inclusive os inativos, da área de segurança pública; integrantes das carreiras da Agência Brasileira de Inteligência; da administração penitenciária; do sistema socioeducativo, desde que lotados nas unidades de internação a que se refere o inciso VI do caput do art. 112 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990; e envolvidos no exercício de atividades de poder de polícia administrativa ou de correição em caráter permanente; militares ativos e inativos; residentes em área rural; residentes em áreas urbanas de unidades federativas que tinham, em 2016, taxas acima de dez homicídios por cem mil habitantes conforme os dados do Atlas da Violência 2018, produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (hoje, todos os Estados se aplicam a esse critério); titulares ou responsáveis legais de estabelecimentos comerciais ou industriais; e colecionadores, atiradores e caçadores, devidamente registrados no Comando do Exército.

O lado contra
Na terça-feira (15), o Fórum Brasileiro de Segurança Pública divulgou uma nota na qual critica a facilitação da posse. Segundo o fórum, pesquisas indicam que um maior número de armas na sociedade leva a um aumento no número de crimes, e não à sua redução, como indicam defensores da liberação das armas. Estudos estrangeiros mostram o mesmo, como os apresentados por um dos principais especialistas americanos no assunto, o economista David Hemenway, professor de saúde pública da Universidade de Harvard e diretor do Harvard Injury Control Research Center (Centro de Pesquisas em Controle de Ferimentos de Harvard).

Com base nas conclusões de 150 estudos sobre o efeito das armas de fogo na sociedade e na saúde pública feitos desde 1990 à 2018, o americano afirma que os riscos de ter uma arma em casa superam os benefícios. Entre esses riscos estão os de acidentes fatais, suicídios, intimidação e de mulheres e crianças serem mortas.

No Brasil, o número de homicídios por armas de fogo deve aumentar em 2% em 2020. A nota publicada pelo fórum ressalta o dizer de que violência gera violência. “Trata-se de uma aposta na violência, uma vez que existem evidências bastantes robustas dentro do debate sobre segurança pública que, quanto mais armais, mais crimes”, diz a nota. Especialistas também criticam o decreto por colocar como critério de liberação a posse para moradores em estados com taxa de homicídios de ao menos 10 mortes por 100 mil habitantes. Isso inclui todos os estados, além do Distrito Federal.

Leia outras notícias em Imirante.com. Siga, também, o Imirante nas redes sociais X, Instagram, TikTok e canal no Whatsapp. Curta nossa página no Facebook e Youtube. Envie informações à Redação do Portal por meio do Whatsapp pelo telefone (98) 99209-2383.