SÃO LUÍS - Para os católicos, São João é conhecido como o santo da austeridade e da alegria. Este último significado é usado como argumento pelos devotos para a relação entre a crença religiosa e as manifestações culturais típicas deste período do ano. Ritos como o recebimento de bênçãos - ou o popular batizado - pelas brincadeiras é o símbolo máximo do contato observado na época junina entre o sagrado e os grupos de bumba-boi, em especial, dos sotaques de orquestra, baixada e matraca.
Por causa da crença de que no dia 24 de junho - data dedicada especialmente às homenagens ao santo - São João “prefere dormir o dia inteiro para não ver as fogueiras e ficar com vontade de comemorar”, alguns grupos respeitam a tradição de iniciar as apresentações do ano somente após esse período. Um dos poucos grupos na capital maranhense que sustenta essa crença e que somente dá largada nas apresentações após as bênçãos do “santo mais próximo de Cristo” é o Boi da Floresta, cujo nome original - Turma de São João Batista - também faz referência ao dono da festa para os católicos.
O Boi da Floresta - fundado por Mestre Apolônio, que faleceu em 2015 e cuidado por nomes como dona Nadir - começará a ecoar o seu amor por São João apenas neste sábado (23). O batismo (ou bênção) é realizado na rua Tomé de Souza, na Liberdade, considerado o nascedouro da brincadeira. Antes do momento, integrantes do grupo se reúnem para organizar as indumentárias e acertar os últimos detalhes antes da maratona de apresentações que somente é encerrada no Largo de São Pedro, no dia 29 deste mês.
Temos outros santos, como São Benedito, São Pedro e São Paulo. Mas o amor a São João para o grupo é especial”Lucília Melônio, do Boi da Floresta e sobrinha do Mestre Apolônio
Na sede do grupo, personagens como dona Lucília Melônio - sobrinha do Mestre Apolônio -, que, nos seus 62 anos de vida, tem pelo menos quatro décadas dedicadas à participação na festa em prol de São João ressalta a devoção a um dos santos mais populares do catolicismo. “Temos outros santos, como São Benedito, São Pedro e São Paulo. Mas o amor a São João para o grupo é especial. Tanto é que somos uma das poucas manifestações do estado que ainda preservam a tradição de somente iniciar a festa após o dia do São João”, disse.
Para o Boi da Floresta, o dia de São João é, ao mesmo tempo, o início e o ponto auge da festa. “Como a festa se chama São João. Então, nada mais justo do que dedicar nossas homenagens a ele”, disse Lucília Melônio.
A imagem de São João está presente na oficina do grupo e motiva os brincantes, que exaltam a fé no santo e justificam que a crença é o elemento motivador da festa. A devoção a São João é repassada, inclusive, de geração para geração. O estudante Bruno Erick, de apenas 14 anos de idade, aprendeu desde cedo a respeitar a tradição e o culto a São João. “Eu sei que é alguém muito importante e que nos ajuda a fazer a festa”, ressaltou.
Promessas
Se as apresentações culturais típicas do período junino são, na visão do gestor público, para entreter o público e atrair visitantes, no pensamento dos brincantes, a possibilidade de se exibir para o público nos arraiais da cidade é uma oportunidade de restabelecer os laços de fé com São João, exaltá-lo e cumprir com promessas feitas a ele.
Exemplos são inúmeros de brincadeiras cujos integrantes estão ali única e exclusivamente para pagar “algo” ao santo, na visão dos católicos. Uma tradição da região do Munim, o Boi de São Simão (sotaque de orquestra) da região de Rosário (MA), mantém viva a chama de quase 60 anos de festa a partir da força de brincantes que, apesar de seus problemas pessoais, expõem alegria e crença no “querido São João”.
O exemplo disso é Júlia Gracielle Durans, uma das responsáveis pelo Boi de São Simão. Ela - que não se apresentou este ano por estar grávida - confidenciou a O Estado que são inúmeros os exemplos de pessoas que se apresentam no grupo para estar quite com o santo. “Tem várias pessoas que respeitam tanto o santo que tiram seus dias de folga somente para se apresentar na brincadeira”, disse.
Ela contou ainda que 90% dos integrantes são de Rosário e que, por essa razão, sabem da importância do respeito a São João. “Eu, pelo menos, fui criada a partir da noção de que o santo é o elemento motivador da festa. É o que sustenta a ideia de que a festa é importante e que deve ser adorada do começo ao fim”, disse.
Questionada se já fez promessa, a jovem integrante do Boi de São Simão - que em suas toadas faz questão de cultuar o santo em várias oportunidades - é categórica. “Para todos nós, São João é um santo de respeito e que merece todas as homenagens”, disse.
União entre popular e sagrado
Para o catolicismo, a relação entre as manifestações culturais e a religião é muito comum em várias partes do país. No Maranhão, essa proximidade é ainda mais forte pela formação social (influência por exemplo dos períodos de colonização do estado) e tradição de se repassar determinados costumes para os herdeiros e/ou sucessores. “Neste caso, a brincadeira atrela-se à devoção ao santo e torna a festa ainda mais tradicional”, explicou o pároco da Igreja de São João, padre Heitor Morais.
Para o padre, o ato de pedir bênçãos ao santo que anunciou a chegada de Messias, de acordo com os preceitos bíblicos, é a representação mais forte da relação entre o costume do povo e da igreja. “A benção é o que chamamos de ato consignatório ao divino. É nela [na benção] que os grupos se baseiam normalmente para começar a festa”, disse padre Heitor.
Batismo “ignorado” por grupos
Enquanto alguns grupos culturais do estado mantêm forte esse costume das bênçãos às brincadeiras, outras manifestações não seguem a regra e iniciam suas apresentações, mesmo sem as tão aguardadas “bênçãos” divinas e milagrosas de São João. Um dos fatores para isso é a necessidade de se estender a festa para outras datas, como Santo Antônio, cujas homenagens são feitas normalmente 11 dias antes (13 de junho) do dia dedicado a São João.
Independentemente de quem segue a tradição, o público cultua o santo da mesma maneira e aproveita para admirar a festa. “Eu simplesmente adoro a festa desta terra maravilhosa”, disse Gorete Mercês, dona de casa de 54 anos que adora participar dos arraiais e de acompanhar a brincadeira. E ainda completa. “E não esqueço do meu amor a São João, não. Muito importante isso”, disse.
Origem histórica do São João
Alguns historiadores defendem a tese de que a festividade típica do sexto mês de cada ano foi trazida ao Brasil pelos portugueses durante o período colonial, à época em que o Brasil era governado por Portugal. Apesar da tese, ainda faltam elementos mais consistentes para se relacionar, fora dos padrões religiosos, a festa de São João aos costumes comuns do período.
Números
24 de junho é o dia de São João para os católicos
3 são os santos, em especial, cultuados em junho (São João, São Pedro e Santo Antônio)
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