Devoção

Fé no santo da austeridade e alegria: bois e a devoção a João

Um dos santos mais populares é querido por participantes de uma das festas mais famosas do país; promessas e crenças motivam “boieiros”

Thiago Bastos / O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h30
Bruno Erick, 14 anos, integrante do Boi da Floresta, posa orgulhoso com imagem do santo
Bruno Erick, 14 anos, integrante do Boi da Floresta, posa orgulhoso com imagem do santo

SÃO LUÍS - Para os católicos, São João é conhecido como o santo da austeridade e da alegria. Es­te último significado é usado como argumento pelos devotos para a relação entre a crença religiosa e as manifestações culturais típicas deste período do ano. Ritos como o recebimento de bênçãos - ou o popular batizado - pelas brincadeiras é o símbolo máximo do contato observado na época junina entre o sagrado e os grupos de bumba-boi, em especial, dos sotaques de orquestra, baixada e matraca.
Por causa da crença de que no dia 24 de junho - data dedicada especialmente às homenagens ao santo - São João “prefere dormir o dia inteiro para não ver as fogueiras e ficar com vontade de comemorar”, alguns grupos respeitam a tradição de iniciar as apresentações do ano somente após esse período. Um dos poucos grupos na capital maranhense que sustenta essa cren­ça e que somente dá largada nas apresentações após as bênçãos do “santo mais próximo de Cristo” é o Boi da Floresta, cujo nome original - Turma de São João Batista - também faz referência ao dono da festa para os católicos.
O Boi da Floresta - fundado por Mestre Apolônio, que faleceu em 2015 e cuidado por nomes como dona Nadir - começará a ecoar o seu amor por São João apenas neste sábado (23). O batismo (ou bênção) é realizado na rua Tomé de Souza, na Liberdade, considerado o nascedouro da brincadeira. Antes do momento, integrantes do grupo se reúnem para organizar as indumentárias e acertar os últimos detalhes antes da maratona de apresentações que somente é encerrada no Largo de São Pedro, no dia 29 deste mês.

Temos outros santos, como São Benedito, São Pedro e São Paulo. Mas o amor a São João para o grupo é especial”Lucília Melônio, do Boi da Floresta e sobrinha do Mestre Apolônio


Na sede do grupo, personagens como dona Lucília Melônio - sobrinha do Mestre Apolônio -, que, nos seus 62 anos de vida, tem pelo menos quatro décadas dedicadas à participação na festa em prol de São João ressalta a devoção a um dos santos mais populares do catolicismo. “Temos outros santos, como São Benedito, São Pedro e São Pau­lo. Mas o amor a São João para o gru­po é especial. Tanto é que somos uma das poucas manifestações do estado que ainda preservam a tradição de somente iniciar a festa após o dia do São João”, disse.
Para o Boi da Floresta, o dia de São João é, ao mesmo tempo, o início e o ponto auge da festa. “Como a festa se chama São João. Então, nada mais justo do que dedicar nossas homenagens a ele”, disse Lucília Melônio.
A imagem de São João está presente na oficina do grupo e motiva os brincantes, que exaltam a fé no santo e justificam que a crença é o elemento motivador da festa. A devoção a São João é repassada, inclusive, de geração para geração. O estudante Bruno Erick, de apenas 14 anos de idade, aprendeu desde cedo a respeitar a tradição e o culto a São João. “Eu sei que é alguém muito importante e que nos ajuda a fazer a festa”, ressaltou.

Lucília Melônio, sobrinha do Mestre Apolônio, 62 anos, dedicação à festa em prol de São João
Lucília Melônio, sobrinha do Mestre Apolônio, 62 anos, dedicação à festa em prol de São João

Promessas
Se as apresentações culturais típicas do período junino são, na visão do gestor público, para entreter o público e atrair visitantes, no pensamento dos brincantes, a possibilidade de se exibir para o público nos arraiais da cidade é uma oportunidade de restabelecer os laços de fé com São João, exaltá-lo e cumprir com promessas feitas a ele.
Exemplos são inúmeros de brincadeiras cujos integrantes estão ali única e exclusivamente para pagar “algo” ao santo, na visão dos católicos. Uma tradição da região do Mu­nim, o Boi de São Simão (sotaque de orquestra) da região de Rosário (MA), mantém viva a chama de quase 60 anos de festa a partir da força de brincantes que, apesar de seus problemas pessoais, expõem alegria e cren­ça no “querido São João”.
O exemplo disso é Júlia Gracielle Durans, uma das responsáveis pelo Boi de São Simão. Ela - que não se apresentou este ano por estar grávida - confidenciou a O Estado que são inúmeros os exemplos de pessoas que se apresentam no grupo para estar quite com o santo. “Tem várias pessoas que respeitam tanto o santo que tiram seus dias de folga somente para se apresentar na brincadeira”, disse.
Ela contou ainda que 90% dos integrantes são de Rosário e que, por essa razão, sabem da importância do respeito a São João. “Eu, pelo menos, fui criada a partir da noção de que o santo é o elemento motivador da festa. É o que sustenta a ideia de que a festa é importante e que deve ser adorada do começo ao fim”, disse.
Questionada se já fez promessa, a jovem integrante do Boi de São Simão - que em suas toadas faz questão de cultuar o santo em várias oportunidades - é categórica. “Para todos nós, São João é um santo de respeito e que merece todas as homenagens”, disse.

União entre popular e sagrado
Para o catolicismo, a relação entre as manifestações culturais e a religião é muito comum em várias partes do país. No Maranhão, essa proximidade é ainda mais forte pela formação social (influência por exemplo dos períodos de colonização do estado) e tradição de se repassar determinados costumes para os herdeiros e/ou sucessores. “Neste caso, a brincadeira atrela-se à devoção ao santo e torna a festa ainda mais tradicional”, explicou o pároco da Igreja de São João, pa­dre Heitor Morais.
Para o padre, o ato de pedir bênçãos ao santo que anunciou a chegada de Messias, de acordo com os preceitos bíblicos, é a representação mais forte da relação entre o costume do povo e da igreja. “A benção é o que chamamos de ato consignatório ao divino. É nela [na benção] que os grupos se baseiam normalmente para começar a festa”, disse padre Heitor.
Batismo “ignorado” por grupos
Enquanto alguns grupos culturais do estado mantêm forte esse costume das bênçãos às brincadeiras, outras manifestações não seguem a regra e iniciam suas apresentações, mesmo sem as tão aguardadas “bênçãos” divinas e milagrosas de São João. Um dos fatores para isso é a necessidade de se estender a festa para outras datas, como Santo Antônio, cujas homenagens são feitas normalmente 11 dias an­tes (13 de junho) do dia dedicado a São João.
Independentemente de quem se­gue a tradição, o público cultua o santo da mesma maneira e aproveita para admirar a festa. “Eu simplesmente adoro a festa desta terra maravilhosa”, disse Gorete Mercês, dona de casa de 54 anos que adora participar dos arraiais e de acompanhar a brincadeira. E ainda completa. “E não esqueço do meu amor a São João, não. Muito importante isso”, disse.

Origem histórica do São João
Alguns historiadores defendem a tese de que a festividade típica do sexto mês de cada ano foi trazida ao Brasil pelos portugueses durante o período colonial, à época em que o Brasil era governado por Portugal. Apesar da tese, ainda faltam elementos mais consistentes para se relacionar, fora dos padrões religiosos, a festa de São João aos costumes comuns do período.

Júlia Gracielle Durans, uma das responsáveis pelo Boi de São Simão, destaca o respeito dos brincantes
Júlia Gracielle Durans, uma das responsáveis pelo Boi de São Simão, destaca o respeito dos brincantes

Números

24 de junho é o dia de São João para os católicos

3 são os santos, em especial, cultuados em junho (São João, São Pedro e Santo Antônio)

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