Dia Mundial

Extrativistas se unem pelo meio ambiente

O Maranhão ganhou mais três Reservas Extrativistas, criadas por decreto no final de abril; poucos conhecem a realidade dessas populações, que tiveram as suas áreas reconhecidas, depois de grande esforço do ex-ministro Sarney Filho

Renata Meliga / Especial para O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h30

[e-s001]Em comemoração ao Dia Mundial do Meio Ambiente, celebrado nesta terça-feira, 5, foram realizadas visitas às três unidades de conservação federais - Resex Baía do Tubarão, Arapiranga-Tromaí e Itapetininga -, para acompanhar seu desenvolvimento.

“As Reservas Extrativistas são fundamentais para proteger os meios de vida e a cultura dessas populações e assegurar o uso sustentável dos recursos naturais das unidades, afirmou o ex-ministro e deputado federal Sarney Filho (PV/MA). Durante a sua gestão no Ministério do Meio Ambiente (MMA), ele visitou a Resex de Cururupu, onde assinou, no ano passado, o Plano de Manejo da Área e também esteve na Resex do Delta do Parnaíba, onde foi realizado o plantio de espécies para recuperar o mangue da região.

“As populações tradicionais dessas áreas estão conscientes da necessidade da preservar as Resex. No caso do nosso estado, as áreas protegidas marinhas enfrentam uma série de problemas, como a pesca ilegal, destruição de mangues, desmatamento e a falta de apoio à pesca artesanal”, afirmou.

Aliados
Raquel, José Raimundo, Terezinha, Paulo Sérgio, José Carlos. Em comum, essas pessoas carregam a certeza de que, para manter e perpetuar seu modo de vida tradicional, precisam de um grande aliado: a conservação do meio ambiente.

"A cada dia que passa, eu vejo o mar avançar para cima da mata. Sempre sofri muito com a derrubada dos mangues e percebi que precisávamos de apoio”, afirma a pescadora e agricultora Varilene Raquel Santos Barbosa, 49 anos, do Quilombo Papagaio, no município de Icatu, Maranhão. O povoado é um dos 13 que fazem parte da Resex Baía do Tubarão, maior Reserva Extrativista marinha do país e uma das principais áreas de ocorrência de peixe-boi marinho no Brasil.

A casa de Raquel fica a poucos metros do mar. E é do quintal de casa que ela tira o sustento da família. A extrativista conta que sempre participou ativamente das discussões e reuniões locais para a criação da Resex. Ela diz que foi em uma dessas reuniões que aprendeu que a derrubada do mangue interfere diretamente no desenvolvimento de algumas espécies na região. "É o que está acontecendo hoje com o caranguejo, por exemplo. Antigamente catávamos bem pertinho de casa. Hoje a gente vai buscar distante, por causa do impacto da derrubada dos mangues”, esclarece.

[e-s001]Raimundo Nonato Mulato Cabral, 65 anos, começou a pescar ainda na infância, aos 11. Ele conta que há mais de 20 anos a região tinha muito peixe e camarão. "Não dava a preocupação de hoje. Não dá nem para comparar. Atualmente, a gente trabalha muito mais pra conseguir muito menos”, revela. Morador da comunidade de Sertãozinho, também no município de Icatu, o pescador tem a esperança de que, com a criação da Resex, as coisas comecem a mudar.

Terezinha Soares, 57 anos, de Mamuna, no município de Icatu, acredita que após a implementação das reservas, os pescadores terão mais consciência. "Eu acredito que a reserva vem para melhorar a vida do pescador e da comunidade. Concordo e luto por ela. Eu lembro que há 20 anos a gente pegava uns peixes que hoje não existem”.

Baía do Tubarão
A analista ambiental Anna Karina Araújo Soares, 36 anos, é uma das responsáveis pelos estudos socioambientais para a criação das três reservas. Ela explica que, no caso da Baía do Tubarão, são dois os principais tipos de pressão: "o primeiro ponto, como é notório, é a questão da pesca predatória. O segundo é a questão de território. Quando sai o decreto de uma Resex, o ganho imediato é a garantia de território. Algumas comunidades estavam sendo invadidas e as populações retiradas porque vivem muito próximas ao mar, área com grande potencial turístico. Então, a pressão turística e a especulação imobiliária estavam fazendo com que essas comunidades saíssem dos seus territórios”, explica a analista.

A Resex conta com a presença do peixe-boi marinho que está entre os mamíferos aquáticos costeiros mais ameaçados do Brasil. A espécie, que há vários anos habitava toda a costa Norte e Nordeste do Brasil, desapareceu de alguns estados e, atualmente, tem distribuição restrita. Estima-se que existam apenas 500 indivíduos em toda a costa brasileira.

E é na Ilha do Gato, localizada no município de Humberto de Campos (MA) que estão as maiores colônias do animal. Com isso, em 2001, foi implantada no Maranhão uma base avançada do Centro de Mamíferos Aquáticos (CMA) do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que funcionou até 2015. Nesse período, o CMA priorizou ações como campanhas educativas, monitoramento do peixe-boi e resgate de mamíferos aquáticos.

Referência até hoje na região, o pescador Paulo Sérgio Silva dos Santos, 50 anos, foi convidado, em 2003, pelo CMA, para fazer a coleta de dados e observação dos peixes-bois marinhos na ilha. Sérgio conta quem até 2012m era praticamente impossível sair para a área de observação e não ver nenhum animal. “Naquela época, cheguei a avistar 14 animais de uma só vez. Mas atualmente tem dia que é difícil avistar pelo menos um", lamenta.

“Tenho certeza que, com a criação da reserva, a questão de conservação do peixe-boi vai melhorar e muito. A partir de agora, vamos ter acordos de pesca e fiscalização. Aí, os pescadores que vêm de fora e não têm consciência vão respeitar as regras antes de entrar na nossa reserva”, prevê o pescador.

No dia 4 de abril deste ano, um dia antes da publicação do Decreto de Criação da Baía do Tubarão, o ICMBio publicou portaria que autoriza o Plano de Ação Nacional (PAN) para a Conservação do Peixe-Boi Marinho. O plano tem previsão de cinco anos e tem como objetivo, entre outras coisas, melhorar a qualidade do habitat, ampliar a fiscalização e proteção da espécie e itensificar ações de educação ambiental na área de ocorrência.

Arapiranga- Tromaí
Os manguezais da costa amazônica, distribuídos por Amapá, Pará e Maranhão, ocupam uma área de quase 9 mil km² e correspondem a cerca de 80% dos manguezais do Brasil. Os 679 km de linha de costa entre os estados do Pará e do Maranhão formam o maior cinturão contínuo de manguezais do mundo. E é nessa região que está inserida a Reserva Extrativista Arapiranga-Tromaí, entre os municípios de Carutapera e Luís Domingues, área caracterizada por baías, enseadas, ilhas e manguezais.

Segundo a coordenadora do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação da Sociobiodiversidade Associada a Povos e Comunidades Tradicionais (CNPT/ICMBio), Gabriele Soeiro, Arapiranga-Tromaí já começa à frente de várias unidades porque já há uma cooperativa de pesca consolidada dentro da unidade, além de uma colônia de pescadores ativa.

[e-s001]O presidente da Cooperativa de Pescadores Artesanais de Carutapera, José Carlos Diniz, afirma que em 1980 que ele começou a trabalhar na direção da Colônia de Pescadores Candido Loureiro e que, desde então, os pescadores têm se preocupado em mater a pesca artesanal e explorar, de forma mais sustentável, os recursos na região. “Temos a consciência e preocupação de que os recursos são finitos e a manutenção desses recursos vai depender da forma como vamos coletá-los”, explica Diniz.

Outra grande preocupação dentro da unidade é a preservação da pescada amarela. O peixe possui um grande valor agregado, não somente pela carne, mas, principalmente pela comercialização da bexiga natatória, conhecida entre os pescadores como “bucho”, matéria-prima para sutura cirúrgica. A “iguaria” é retirada dos peixes ainda em alto-mar e colocada para secar. Em Carutapera, o quilo do “bucho” pode chegar a mais de R$ 1.000,00.

Itapetininga
Aos 14 anos, o líder comunitário e ex-presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares de Bequimão, José Raimundo Rodrigues, hoje com 71 anos, teve que começar a trabalhar na lavoura. Raimundo é o mais velho de nove irmãos e desde cedo aprendeu a importância do coletivo em sua vida.

A ideia de criação de uma Reserva Extrativista na região foi sugerida por Edmilson Pinheiro, atual secretário adjunto de Meio Ambiente do Município de Bequimão. “A partir de um trabalho de grupo, surgiu essa ideia da criação de uma reserva para proteger os mangues de Bequimão e, a partir daí, levamos essa ideia para frente. Fizemos um abaixo-assinado e não demorou muito para o pessoal do ICMBio começar a aparecer por aqui”, informa Pinheiro.

Com a confirmação da criação da Reserva Extrativista Itapetininga, que abrange aproximadamente 23 mil hectares envolvendo 15 comunidades ribeirinhas e cerca de 800 famílias que vivem no entorno do Rio Itapetininga, a comunidade começa a se perguntar quais são os próximos passos.

A coordenadora do CNPT/ICMBio explica que o mais importante a partir de agora é a criação de um conselho. “Ele é o instrumento de maior força dentro de uma Reserva Extrativista. O conselho é formado por todos os entes: federal, estadual e municipal e, principalmente, representantes das comunidades. É o conselho que manda. Toda unidade de conservação tem um gestor, mas tudo é pactuado com o conselho”, explica Gabriele.

Já conseguimos envolver o município. Vencemos esta primeira parte para a criação da Resex. Agora, depende muito de nós. Da gente começar a criar essa comissão da própria reserva e ir à luta, como sempre”, finaliza Edmilson.

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