Cenário históricio

Largo do Quartel: passado e presente da Praça Deodoro

“Vasto quadrilátero” contornado por ruas, como Santaninha, já foi referência no cenário urbano e social da cidade, mas sofreu com o abandono nos últimos tempos; obra promete revigoramento do logradouro

Thiago Bastos / O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h31

[e-s001]Um “vasto quadrilátero”. Foi assim que o professor e ex-membro da Academia Maranhense de Letras (AML) e do Instituto Histórico do Maranhão (IHMA), Domingos Vieira Filho (que faleceu em 1981), definiu a atual Praça Deodoro, local que já recebeu denominações como Largo do Quartel - por estar situado em frente a um quartel fixado na atual praça Pantheon, no Centro - e Praça da Independência, em referência ao fato histórico nacional. De uma área condicionada às elites, em especial, no início do século XX, de referência religiosa e até mesmo carnavalesca, o espaço público sofreu com o descaso devido aos vários anos de falta de políticas de conservação e à insensibilidade da população. A promessa do poder público é de que, em breve, com a obra que está em plena execução, este espaço histórico será finalmente valorizado com a entrega de sua revitalização, conduzida pelo Instituto de Histórico Artístico Nacional (Iphan) e que deverá custar, aos cofres públicos, aproximadamente R$ 31 milhões, incluindo a recuperação de outros espaços, nas cercanias da Deodoro.
Com função eminentemente militar, o nascedouro da Praça Deodoro se dá com a consolidação de uma área no Centro, denominada Campo do Ourique - espaço que atualmente é ocupado pelo prédio do Sesc e da Biblioteca Pública Benedito Leite. Segundo Vieira Filho, em sua obra intitulada “Breve História de Ruas e Praças de São Luís”, a Praça Deodoro surgiu em 1797 e é considerado “um dos mais antigos logradouros ludovicenses”.

Apesar da datação, até o momento, não se tem uma descrição fiel de como era o espaço em sua origem. Acredita-se – conforme expôs Débora Garreto Borges em sua dissertação de mestrado: “Usos e territórios do espaço livre público: o caso da praça Deodoro, em São Luís”, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), que a Deodoro “era um largo seco, sem espécies vegetais”. Não há, também, registros fotográficos da praça no seu início.

As transformações da Praça Deodoro se dão em meados do início da segunda metade do século XIX, com a mudança promovida pela então Câmara Municipal, em edital datado de 15 de agosto de 1868, que passou a denominar o local como Praça da Independência. Dezoito anos antes, em 4 de dezembro de 1850, a Companhia das Águas do Anil – cuja autorização para funcionamento [de acordo com Domingos Vieira Filho, em “Breve História de Ruas e Praças de São Luís”] foi dada pela lei provincial nº 287 – instalou no Centro da atual Praça Deodoro um dos seus famosos chafarizes, encomendados da França, somente para esta finalidade. Por ora, não há informações acerca do que ocorreu com o tal chafariz.

Um espaço usado pelas elites
Pela presença de casas, que recebem nos dias de hoje vários estabelecimentos comerciais em frente à Deodoro, o espaço era conhecido no início do século XX como das “elites”, já que muitas desses imóveis eram ocupados por membros mais privilegiados socialmente no cenário ludovicense.

Grandes nomes responsáveis pelo incremento da economia local e oriundos de Portugal, por exemplo, que estabeleceram negócios em São Luís, possuíam residências no entorno da Praça Deodoro. Os registros fotográficos do período, além de evidenciarem o cenário voltado para as classes consideradas mais nobres, também explicitam outra tendência da antiga Praça Deodoro, um dos pontos escolhidos para a parada dos bondes.

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Reforma na Deodoro: uma tentativa de resgate histórico

Reformas
A primeira reforma oficial na Praça Deodoro - cujo nome faz menção à Deodoro da Fonseca, responsável apontado pela história pela Proclamação da República -, ocorreu, de acordo com Vieira Filho, em 1911. Segundo o professor, “na gestão do intendente Mariano Martins Lisboa”, o local – que já possuía o nome atual – foi “dividido em canteiros” e arborizado com diversas espécies vegetais. O espaço, para quem vivenciou o período, era descrito como um dos “mais belos da cidade”, pela presença de árvores frondosas e bancos de ferro e madeira que, à época, davam um charme especial para o local.

Em 1935, houve a segunda grande transformação na Praça Deodoro, com a fixação, pela gestão municipal do período na cidade, de um imenso coreto feito de concreto armado, que há alguns anos recebia uma unidade de prestação de informações para turistas. A estrutura, aliás, foi alvo de críticas da população à época, que alertava para a possível descaracterização do espaço.

No início da década de 1950, por pouco, a praça Deodoro não passou a ser uma área concedida para o Cassino Maranhense, que faria a sua sede social usando o antigo logradouro. Diante de críticas de nomes importantes, como Jerônimo de Viveiros, que chegou a escrever um artigo descrevendo a Deodoro como “um pedaço da história e da alma do Maranhão”, o espaço foi preservado e a sua doação ao Cassino foi esquecida para sempre.

[e-s001]Em 1974, conforme divulgado por O Estado, em sua edição do dia 9 de agosto daquele ano, foi inaugurado o primeiro playground em praça no estado do Maranhão. A inclusão da estrutura fez parte da uma série de melhorias executadas pela gestão municipal à época, que desejava incluir, no cotidiano da cidade, serviços de lazer e entretenimento que eram vistos, até então, nos principais centros do poder do país. “Foi o momento em que a praça [Deodoro] viu uma tentativa de revitalização deste espaço importante da cidade”, disse o professor e historiador Antônio Guimarães.

Do uso social ao comercial
Ao longo da segunda metade do século XX, houve uma série de tentativas de transformação da Praça Deodoro. De acordo com Vieira Filho, uma das mais conhecidas foi registrada em 1964, quando se pensou em usar a Deodoro como uma espécie de “teatro de arena”.

Apesar do intuito, o local não foi descrito como o ideal para esta finalidade e a praça permaneceu entregue a poucas ações públicas até o início da década de 1990.

O “camelódromo”
Pesquisas apontam que a partir da década de 1990 começou a ocupação, mais incisiva, dos camelôs na praça Deodoro e em seu entorno. O que começou como uma ação apenas sutil, se transformou, até meados de 2000, em uma mudança radical no cenário urbano da região central de São Luís. A Deodoro e adjacências, como as alamedas Silva Maia (atrás do Sesc) e Gomes de Castro (em frente à agência do Banco do Brasil) foram sendo ocupados, aos poucos, por bancas e outras estruturas, cujos comerciantes ofereciam de tudo, desde produtos importados, passando por refeições.
Devido à falta de controle público, os camelôs ocuparam praticamente de forma integral a Deodoro e as áreas mais próximas. Seria a história cedendo lugar a desorganização social.

“Neste momento, foi o início da desorganização deste trecho da cidade”, disse o professor e historiador Antônio Guimarães. Ele reforça a importância do poder público para o resgate da Praça Deodoro e seu entorno. “É necessária ainda a colaboração das pessoas para que haja uma preservação importante deste espaço. Trata-se de uma praça com grande história, que já sediou grandes momentos da história da cidade e que merece ser valorizada”, disse Guimarães.

Histórias antigas
Pessoas que acompanharam o cenário urbano da Deodoro, há alguns anos, relembram a paisagem, à época, do espaço público. “Aqui perto, há muito tempo, havia um pé de taboca que era muito conhecida neste espaço da cidade. As pessoas vinham aqui para passear e se divertir, bem diferente do que a gente vê hoje”, disse o aposentado Domingos Garcia, de 73 anos.

SAIBA MAIS

Curiosidades

Igrejinha
Em frente à praça Deodoro – na área onde está situada atualmente uma agência da Caixa Econômica Federal na esquina da Rua Rio Branco com a Rua do Sol – existia a Capela de Santana da Sagrada Família, conhecida na ocasião como “Igreja de Santaninha”. A presença da construção é descrita pelo escritor Jomar Moraes, em sua obra “Guia de São Luís do Maranhão”. Ao lado da igreja, existia o largo de Santaninha. Além da agência, o antigo largo é ocupado nos dias de hoje por vários estabelecimentos comerciais que alteraram, ao longo dos anos, a configuração desta região da cidade.
Carnaval
Em meados de 1865, ainda como Largo do Quartel – de acordo com Vieira Filho – a Praça Deodoro recebia os grandes carnavais de rua da cidade. O ponto máximo das atrações, inclusive, era na Deodoro. Segundo Vieira Filho, “para o Largo, convergiam assim todas as brincadeiras de casinha verde, de chegança e de fandango, os ursos, os estrepitosos baralhos, os foliões guisalhantes com suas carecas e narizes medonhos”.
Além de receber as atrações, no período, a antiga Deodoro recebia venda de bebidas, para os foliões. Vieira Filho descreve este fato, em “Breve História de Ruas e Praças de São Luís”, a partir da venda de “garapa, de gengibirra e de rolete de cana”.
Presépio
Em 1906, foi montado na Deodoro um presépio campal, preparado pelo então comerciante Tomás Rosas, dono de uma cafeteria. A montagem foi considerada um sucesso e várias pessoas estiveram na praça, na ocasião, para contemplar os personagens.
Ônibus saíram e voltaram
A partir de 2002, um acordo entre o Ministério Público e a Prefeitura determinou o impedimento da circulação de coletivos do entorno da alameda Gomes de Castro e da Praça Deodoro. O fato trouxe insatisfação à classe empresarial, que alegou que seus clientes passariam a andar por vários quilômetros até chegarem próximos dos estabelecimentos. Por intermédio de entidades de defesa dos investidores, a medida foi revogada e a circulação dos coletivos voltou a ser permitida na Deodoro.

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Cronograma

1797 - Praça Deodoro surge como “um dos mais antigos logradouros ludovicenses”
1850 – Instalada na Praça Deodoro um dos seus famosos chafarizes, encomendados da França
1868 - Com a mudança promovida pela então Câmara Municipal, a Praça Deodoro passa a ser denominada como Praça da Independência
1911 – Primeira reforma oficial da Praça Deodoro
1935 – Executada a segunda grande transformação física da Praça Deodoro, com a fixação de um imenso coreto
1950 - Por pouco, a praça Deodoro não passou a ser uma área concedida para o Cassino Maranhense
1974 – Inaugurado na Praça Deodoro o primeiro playground em praça no estado do Maranhão
A partir da década de 1990 – Começa a invasão de camelôs na Praça Deodoro e nas adjacências
Segundo semestre de 2017 – Começa a reforma para a revitalização da Praça Deodoro, Praça Pantheon e das Alamedas Silva Maia e Gomes de Castro;

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