Entrevista - João Pedro Aragão

20 anos do CTB: há mesmo motivos para comemorar?

Advogado e especialista em trânsito João Pedro Aragão destaca mudanças que ocorreram ao longo desse tempo no comportamento do brasileiro

Atualizada em 11/10/2022 às 12h35
João Pedro Aragão falou sobre os 20 anos do Código de Trânsito Brasileiro
João Pedro Aragão falou sobre os 20 anos do Código de Trânsito Brasileiro (joão pedro aragão / trânsito)

SÃO LUÍS - O advogado e especialista em trânsito João Pedro Aragão visitou a redação de O Estado e falou sobre os 20 anos do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), neste 23 de setembro, e a contribuição da legislação ao brasileiro. Também destacou mudanças que ocorreram ao longo desse tempo. Uma delas, devido ao grande índice de acidentes somado à pressão da mídia e clamor da sociedade por leis mais rígidas e penas mais severas, foi a aprovação da lei 11.705/08, que é conhecida como Lei seca, minimizando estatísticas alarmantes e considerada maior conquista nesses 20 anos.

Como foi a evolução do CTB ao longo dos tempos e como ele é constituído?

Após a chegada do automóvel no Brasil, em São Paulo em 1893 e da ocorrência do primeiro acidente em 1897, surgiu a primeira legislação de trânsito em outubro de 1910. Depois de alguns decretos relativos à circulação de veículos e transportes, onde o motorista era “Senhor” da velocidade, e com consecutivos acidentes, no ano de 1922, surge a regulamentação das velocidades dos veículos para somente em 1941 surgir o primeiro Código de Trânsito Brasileiro. Com curta duração e com sua revogação deu lugar ao Código Nacional de Trânsito em 1966, que por sua vez, após 31 anos em vigor, diante do crescente índice de acidentes, surgiu o atual Código de Trânsito Brasileiro, lei 9.503 de 23 de setembro de 1997, que ora completa 20 anos. Tendo como marca, a modernidade éconstituído de 20 capítulos que tratam de temas destinados ao cidadão, aos transportes e aos crimes de trânsito, pedestres e condutores de veículos motorizados, além do que considero mais importante, que é a educação para o trânsito.

Afinal, essa data é motivo de grandes comemorações?

Temos pouco a comemorar, basta assistir à TV e passar a vista nas manchetes dos jornais, que percebemos que, ao invés de apagar as velinhas e comemorar, continuamos a acender velas ao lado de inocentes vítimas da imprudência, ignorância e falta de consciência daqueles que fazem do trânsito uma verdadeira guerra e que transformam seus veículos em armas mortíferas, municiadas pelo álcool e demais substâncias entorpecentes.

Esses 20 anos não foram suficientes pra mudar o comportamento do brasileiro?

Não, pois é no trânsito que a grossura do brasileiro, tão esperto quando se trata de levar vantagens, atinge as proporções de selvageria e bestialidade. As estatísticas desfavoráveis à vida estão aí para comprovar esse mau comportamento. Há 20 anos surgiu o CTB como exemplo de modernidade, como uma lei mais rígida e preceitos inovadores para punições mais severas, porém infelizmente não foram totalmente absorvidas pela sociedade.

Quais as principais mudanças ou inovações ocorridas neste período?

Ao longo desses 20 anos, o CTB, passou por mudanças expressivas, sendo as mais importantes, a Lei 11.705/08, mais conhecida como a Lei Seca, que nos primeiros anos teve resultados significativos. Com advento da reforma do CTB pela referida lei, foi restringida à aplicação da lei 9.099/95 do Jecrim, onde os infratores tinham a possibilidade de realizar a composição civil e transação penal, o que dificultava a punição efetiva. Atualmente, a embriaguez ao volante e rachas são apenados de forma mais severa, sendo que a incidência da lei 9.099/95 ficou restrita aos crimes culposos, desde que o infrator não seja flagrado em estado de embriaguez ou racha em via pública. Posteriormente, surgiu a Lei 12.971/14, que acrescentou mudanças ao alterar dispositivos que tratavam de corridas, disputas ou competições não autorizadas. E mais recentemente surgiu a lei 13.281/16, que alterou vários artigos do CTB. As mudanças afetaram diretamente o condutor, principalmente o infrator de trânsito. As maiores inovações foram a punição, tornando infração gravíssima, dirigir com o celular na mão, recusa ao teste do bafômetro, bloquear a circulação do trânsito, alteração nos limites de velocidade, como também dos valores das multas, que passaram a doer no bolso. O que, de fato, não mudou nesses 20 anos foi a consciência do povo, que infelizmente atribui ao Brasil, o título de país da impunidade e que se comporta no trânsito no clima de vale-tudo.

O que falta ao motorista brasileiro para haver essa mudança de comportamento e mentalidade?

As estatísticas comprovam que 90% dos acidentes ocorrem por falha humana, ou seja, erro do motorista, 4% por defeito no veículo e 6%, más condições das estradas. Portanto, se sendo o homem a principal causa de acidentes, é questão de comportamento humano, e sendo questão de comportamento humano, é questão de educação, questão de prevenção e essa educação deve começar desde cedo, conforme preconizado no artigo 76 do nosso CTB. O que realmente falta ao motorista brasileiro, é reabastecer seus estoques de respeito humano, tolerância, solidariedade e, sobretudo, de amor à vida. Respeitar não só as leis de trânsito, mas acima de tudo o próprio mandamento da lei de Deus: não matarás.

Como está a colocação do Brasil no ranking mundial?

Somos o 5º pior trânsito do mundo, só perdemos para a China, Índia, Nigéria e Rússia. No Brasil, temos uma morte a cada 18 minutos, um 11 de setembro a cada mês, uma guerra do Vietnã a cada dois meses, e uma queda de um Boeing a cada três dias, totalizando a triste soma de 65.000 mortes por ano, sendo hoje os acidentes de trânsito a segunda maior causa de óbitos no país. Não e possível conviver com isso e achar que é normal, são números de calamidade e têm de ser enfrentados de frente com ações como tal.

Como mudar esse triste quadro e o que tem feito o Estado para melhorar?

A efetividade dessa mudança depende do comprometimento de todos nós e do esforço conjunto pelas ações do Estado, atuando através dos órgãos do sistema nacional de trânsito na prevenção de acidentes, traduzido pela educação no trânsito desde as escolas, conforme preconizada no art. 76 de CTB, com uma fiscalização efetiva, séria, justa e responsável e que ocorra não só aos finais de semana. Finalmente, para completar essa tríade do trânsito seguro, a punição exemplar, rígida e rigorosa, sem ver quem é quem. Deste modo, vamos redimir o trânsito brasileiro de ostentar esses níveis estatísticos elevados de acidentes, de transgressão das normas de circulação e inobservância de cuidados básicos com a segurança pessoal, coletiva e veicular.

Quando o estado de embriaguez ao volante é considerado crime?

A penalidade por crime é a mais severa e só se configura quando o infrator é flagrado com teor de álcool, acima de 6 decigramas no sangue ou 0,3 miligramas de álcool por litro de ar alveolar, preconizado no artigo 306 do CTB.

Quais os reflexos desses números de acidentes na economia do país?

A incidência maior é em relação à previdência social, referente às indenizações pagas pelo DPVAT às vítimas do trânsito e em relação aos gastos do governo com o SUS, que alcança o valor de 28 bilhões para gasto com acidentados do trânsito, que passam a ocupar leitos que poderiam estar disponíveis para portadores de doenças crônicas como também acometidos por doenças cardiovasculares, como AVCs e infarto do miocárdio, que se constituem como maiores causas de mortalidade.

As estatísticas comprovam que grande parte dos acidentes que ocorrem nas rodovias são ocasionados pelo sono, principalmente com os caminhoneiros. Como proceder em caso de sono?

Com sono devemos reconhecer que corremos sérios perigos. Dirigir com sono é tão ruim e perigoso quanto dirigir bêbado. Utilizar meios como café, chá preto, refrigerantes, cafeínas. Queimar-se com ponta de cigarro e bombons, podem auxiliá-lo a se sentir mais despertos, mas os efeitos duram pouco tempo, e infelizmente o motorista fica suscetível ao breve cochilo que dura de 1 a 5 segundos, mas pode ser fatal, o acidente ocorre num pestanejar de olhos. Evite álcool e qualquer remédio com efeito sedativo, faça parada a cada duas horas, abra as janelas, ligue o rádio, pare para esticar as pernas, sendo, porém, o ideal tirar um cochilo de 30 minutos ou parar para dormir e, assim, poder prosseguir a viagem. O fato é que jamais se deve dirigir “embriagado” de sono.

Como estão as estatísticas de acidentes no Maranhão?

Nos últimos 5 anos, segundo os dados da OMS, houve um crescimento de 20,6% na quantidade de registros de óbitos no trânsito nosso estado, sendo superado apenas pela Paraíba. Dentre os fatores para a realidade, ainda ineficaz, está a ausência de efetividade das ações da lei seca. Com experiência ao longo de 20 anos como perito e conciliador do juizado especial de trânsito, acompanhando as estatísticas in loco os acidentes em São Luís, destacamos como os principais motivos dos acidentes que ocorrem com o percentual de 70% nos finais de semana, estão primeiramente a embriaguez ao volante com 38%, velocidade incompatível com 22%, não manter distância de segurança 15%, ingresso em via de trânsito rápido 10%, não dar preferência ao condutor que vem pela direita 10%, e outros motivos 5%. Em relação à natureza dos acidentes 60% ocasionados por colisões, 20% abalroamento, 14% de choque e 6% outros.

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