Tragédia

“Senhorita, Lamia 2933, falha elétrica e sem combustível”

Áudio mostra suposto piloto do avião alegando falta de combustível antes da queda; na conversa com a torre de controle do aeroporto, o condutor Miguel Quiroga alega falta de combustível e declara emergência pouco antes de bater no Cerro Gordo

Atualizada em 11/10/2022 às 12h43
Avião que transportava a Chapecoense caiu terça-feira na Colômbia; no detalhe, os destroços da aeronave
Avião que transportava a Chapecoense caiu terça-feira na Colômbia; no detalhe, os destroços da aeronave (Avião que transportava a Chapecoense caiu terça-feira na Colômbia)

Medellín - Um áudio vazado ontem pode confirmar uma das teorias sobre a causa do acidente com o avião da Chapecoense que vitimou 71 pessoas. A gravação supostamente mostra a última conversa entre Miguel Quiroga, piloto da aeronave, com a torre de controle do aeroporto José María Córdova, de Medellín (COL). Na conversa, o condutor alega falta de combustível e declara emergência pouco antes de bater no Cerro Gordo, uma região montanhesa vizinha à cidade colombiana. As autoridades locais não confirmam e nem desmentem a veracidade dos arquivos.

O diálogo se espalhou por redes sociais e foi divulgado por veículos de imprensa da Colômbia na tarde de ontem. O áudio completo tem 11 minutos e 21 segundos de duração e envolve os quatro aviões que estavam perto do aeroporto (das companhias VivaCololmbia, Lamia, Avianca e Latam). Porém é na parte final que a conversa se torna muito mais tensa.

Conversa - Aos 4min40 do áudio, Quiroga pede permissão para se aproximar pois tem "emergência de combustível". Porém é informado que terá de esperar o pouso do Viva Colombia que havia declarado emergência anteriormente.

Piloto: Lamia 2933 solicita vetores para aproximação.

Torre de controle: Atento, tenho aeronave abaixo efetuando aproximação e ... Que tempo tempo tem para permanecer em em sua aproximação Lamia?

Piloto: Tenho emergência de combustível. Por isso de uma vez peço curso final.

Torre de controle: Conversa com outro avião
Piloto: Necessito descenso imediato, Lamia 2933.

Nos 17 segundos seguintes, a controladora desvia o avião da Latam que tinha indicação de aproximação e se comunica novamente com o voo da Lamia.

Torre de controle: "Capitão, você tem dois um zero, preciso baixá-lo de nível. Teria que virar para a sua direita para começar o seu descenso.

Piloto: Negativo, senhorita. Estamos iniciando o descenso.

A controladora então descia o avião da Avianca e dá novas instruções para a aproximação do Lamia. Nisso, já se registravam 6min58 no áudio.

Então passam-se cerca de três minutos, até que a comunicação entre o Lamia e a torre seja retomada de forma mais intensa e de forma crítica. São os últimos momentos no ar.

Piloto: Senhorita, Lamia 2933, falha elétrica, falha elétrica total e, sem combustível.

Torre de controle: Pista livre e esperando chuva sobre a superfície Lamia2933. Bombeiros em alerta.
Piloto: Certo senhorita, vetores à pista.
Torre de controle: Não tenho você no radar. Não sei que rumo tem agora.

Piloto: Rumo 360, 360.

Torre de controle: Pela esquerda….você se encontra. Pela esquerda com rumo 350.

Piloto: Esquerda 350, senhorita

Torre de controle: Está a 0,1 milha do (…) de Rio Negro. Não o tenho com altitude.

Piloto: 9 mil pés, senhorita. Vetores, vetores!

Torre de controle: Está a 8,2 milhas da pista
Piloto: Jesus!

Torre de controle: Que altitude tem agora?
Outra voz na torre de controle: Já não responde.

A reportagem entrou em contato com a Aeronáutica Civil da Colômbia, órgão que está liderando as investigações sobre as causas do acidente. Porta-voz da agência, Uriel Bedoya não confirmou ou desmentiu que a veracidade do áudio. Disse apenas que a gravação é "manipulada" e que a apuração segue em curso, dando a entender que os trechos vazados podem fazer parte da gravação original.

A investigação, informam as autoridades de Medellín, será feita de forma tripartite, dividida entre Colômbia, Brasil e Bolívia, de onde partiu o avião.

Sem combustível

A aeromoça Ximena Suarez, uma das seis sobreviventes da tragédia, contou logo depois de ser resgatada, que tinha acabado o combustível do avião. Nas redes sociais circula um áudio que seria de um copiloto que escutou a conversa entre o copiloto da LaMia e a torre de controle em Medellín. A versão dele vai de encontro a da aeromoça.

O áudio diz: “Solicitamos prioridade para proceder à pista. Solicitamos prioridade para proceder ao localizador. Temos problemas de combustível, agora temos falha elétrica total, ajuda, orientação, orientação, orientação para proceder à pista. E aí a coisa parou. Nós começamos a chorar no avião. Nós ficamos muito mal e aí mesmo escutamos a torre também chamando o avião e a controladora chora, chora e chora pela frequência. Responda, responda e não respondia”.

Piloto

Segundo o jornal El Tiempo, de Bogotá, o copiloto Juan Sebastián Upegui, da Avianca, será chamado pelas autoridades. O jornal diz também que a empresa não confirma essa versão e que se trata de um áudio pessoal e não corporativo. Ele estava em um dos quatro aviões que se aproximavam do aeroporto de Medellín, pouco antes do acidente.

Além do da LaMia, havia dois aviões vindos de Bogotá e um quarto da companhia Viva Colômbia, que estava indo para o Caribe e foi desviado para Medellín, porque o piloto detectou um vazamento de combustível. Ele pediu prioridade de pouso e os controladores atenderam o pedido. Enquanto isso, o avião da LaMia voou em órbita, como mostra a imagem do site Flight Radar 24.

Duas brasileiras que estavam no voo da Viva Colômbia conversaram com a equipe do Jornal Hoje pela internet. Elas confirmam que o comandante avisou que o avião em que estavam teve problemas. Elas viajaram de férias para a Colômbia e estão na ilha de Saint Andrés. Confira a conversa no vídeo acima.

Hipóteses
Só vai dar para saber o que realmente aconteceu no voo que levava o time da Chapecoense depois que as caixas-pretas do avião forem analisadas. Mas com as informações que vão chegando aos poucos, os especialistas começam a ter uma ideia do que provocou a queda do avião e a hipótese da falta de combustível ganha força.

O Avro RJ 85, de fabricação inglesa, estava em uso há 17 anos e oito meses. Poderia voar a uma altitude de até 10,6 mil metros e conseguia percorrer três mil quilômetros de distância, com capacidade de combustível para ficar no ar cerca de quatro horas e meia.

Calculando a rota entre Santa Cruz de La Sierra e Medellín, o voo deveria percorrer 2.985 quilômetros, quase o limite da autonomia. Quando chegou em Medellín, o avião já tinha voado quatro horas e 15 minutos. Tinha só 15 minutos de reserva, pouco demais, para o especialista em aviação, Jorge Sucupira: “Tem que ter previsão de chegar no aeroporto, se não puder chegar por qualquer motivo, alternar o aeroporto que designou como alternativa e lá chegando tem que voar mais 30 minutos”.

Outra peça do quebra-cabeças é exatamente o plano de voo. O piloto poderia ter feito uma escala para reabastecer em Cobija, extremo norte da Bolívia, e dali seguir para Medellín, na Colômbia. Ou até fazer um pouso na capital Bogotá, cidade que inclusive estava mais próxima.

Em uma gravação feita pouco antes da viagem, a tripulante Sisy Arias chega a fazer confusão entre as cidades. A falta desse plano de voo mais seguro, com reabastecimento é apontada como uma grande falha. A pane elétrica citada pelo piloto quando pede prioridade para pousar, pode, segundo os especialistas, ter sido causada pela falta de combustível que gera também falta de energia.

Segurança

A outra peça do quebra-cabeças é a empresa que opera a aeronave. Quem presta esse tipo de serviço deve seguir rigorosos padrões de segurança. Conversas entre pilotos e gravações que se espalharam nas redes sociais questionam a maneira de trabalhar da LaMia.

Por telefone, a LaMia confirmou que a aeronave que levava o time da Chapecoense era a única da frota e quem pilotava era Miguel Quiroga, de 36 anos. Ele era boliviano, morava com a família no Acre e era sócio da pequena empresa que pretendia decolar transportando equipes de futebol, mas que vinha sofrendo críticas por trabalhar no limite.

“Juntando as informações todas, vimos que esse cidadão vinha com uma prática usual de chegar no limite. O hangar reclamava, ele era mal pagador e em aviação não existe economia. São vidas humanas que estão tão em risco”, afirma Jorge Sucupira.

Imagens feitas com celular a partir de um helicóptero mostram a região montanhosa onde o avião caiu. De um lado da montanha ficou uma asa do avião. Tudo indica que esse primeiro impacto foi tão forte que o avião capotou para outro lado, onde estão a maior parte dos destroços e algumas das respostas que o mundo inteiro espera.

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