Entrevista/Leda Fischer

“Os profissionais precisam estar preparados para acolher as crianças”

Psicanalista dedicada ao estudo das psicopatologias graves da infância e da adolescência ministrará palestra em seminário sobre autismo e psicoses na infância, que acontece hoje e amanhã, em São Luís

Atualizada em 11/10/2022 às 12h47
(Leda Fischer)

ENTREVISTA

William Amorim - Especial para O Estado.

Crianças autistas e psicóticas têm organizações psíquicas diferentes e, portanto, necessitam direcionamentos clínicos diferentes. Essa é uma das mensagens da doutora Leda Fischer Bernadino, uma psicanalista paranaense dedicada ao estudo e a pesquisas das psicopatologias graves da infância e da adolescência. Pós-doutora em Tratamento e Prevenção Psicológica pela Université Paris 7, Leda Fischer viaja o mundo transmitindo seus conhecimentos sobre a constituição do psiquismo e os sinais de sofrimento precoces nas crianças pequenas. Um desses momentos se dará em São Luís durante o Seminário "Autismos e psicoses na infância: Diagnóstico diferencial", promovido pelo CIAMM e que acontece hoje, no auditório do Colégio Educator, no Calhau.

A psicanalista tem ainda um vasto campo de publicações sobre o tema, com sete obras que abordam o tema da psicanálise com bebês e crianças. Dentre elas, a mais recente - "De bebê a sujeito: a metodologia IRDI nas creches" (Ed. Escuta, 2014) - e “As psicoses não decididas da infância: um estudo psicanalítico” (Ed. Casa do Psicólogo).

Antes de recebê-la, em São Luís, conversamos com a psicanalista sobre a abordagem que trará ao evento na capital maranhense, e a importância da qualificação para quem trabalha com a saúde mental das crianças e adolescentes.

1 - Qual a importância dessa temática para profissionais, do campo da saúde e da educação, que trabalham com a infância e adolescência?

Leda Fischer - No campo da saúde, é importante que os profissionais possam estar preparados para acolher as crianças com graves dificuldades psíquicas e suas famílias, para propor uma hipótese diagnóstica que possa servir de direcionamento para o trabalho interdisciplinar de que necessitam. No campo da educação, é essencial que os profissionais estejam preparados para realmente propor uma educação inclusiva, conhecendo estas crianças, para lhes dar um lugar na escola como a todas as crianças, mas respeitando suas diferenças.

2 - O diagnóstico de psicose infantil foi suprimido dos manuais psiquiátricos. Hoje fala-se em Transtorno do Espectro Autista, em Transtorno Global do Desenvolvimento. Não existem mais crianças psicóticas? Alias, a senhora é autora de um livro que se chama “As psicoses não decididas na infância” (Ed. Casa do Picólogo).

Leda Fischer - Nos últimos anos observamos realmente uma mudança na terminologia psiquiátrica que retirou a categoria da psicose infantil. Certamente, os quadros clínicos continuam existindo, apenas acabam sendo enquadrados neste leque mais amplo do espectro autista, o que clinicamente dificulta bastante o trabalho, já que são crianças com organizações psíquicas diferentes e, portanto, necessitam de trabalhos com direcionamentos diferentes. No meu livro defendo a ideia de que a intervenção psicanalítica, que se dá pela via das palavras, com a criança que apresenta defesas psicopatológicas de tipo psicótico e sua família, pode incidir na organização psíquica da criança de modo tal a tornar desnecessárias estas defesas.

3- O trabalho com os sujeitos com autismo é, por excelência, interdisciplinar. Atualmente presenciamos uma clara e forte tentativa de desqualificar a eficácia da psicanálise no campo dos autismos. Para além das questões de mercado, o que está em jogo nesse grande equívoco? Afinal, a psicanálise foi pioneira no tratamento de crianças com autismo e tem um lugar bastante importante no trabalho interdisciplinar posto ser ela a disciplina que trata do psiquismo e da constituição subjetiva, exatamente aquilo que faz esses sujeitos tropeçarem no laco social.

Leda Fischer - Lamentavelmente vivemos uma tendência mundial a desvalorizar a subjetividade e intervenções, como a psicanalítica, que apostam na possibilidade de surgimento de um sujeito mesmo em casos de fechamento autístico. Buscam-se medicamentos para tratar sintomas ou técnicas para modificar comportamentos. Trata-se de um equívoco, em minha opinião, pois tratamentos técnicos que prometem maior eficácia em menor tempo tem se revelado, em vários países onde são aplicados, uma falácia. As crianças não têm as melhoras prometidas e, muitas vezes, não há estudos de seguimento para saber o que ocorre com estas após o tratamento. Não são trabalhos que possam levar as pessoas com autismo a uma verdadeira inserção no laço social. Em mais de cem anos de existência, com muitos estudos clínicos descritos na literatura, a psicanálise faz realmente esta aposta de que, mesmo em quadros graves, é possível um sujeito surgir e, à sua maneira, encontrar um lugar para si. Eu mesma tenho vários casos clínicos, pessoais e de supervisão, que tiveram esta evolução.

4 - Como é o trabalho da psicanálise com as crianças e adolescentes com autismos e psicoses?

Leda Fischer - Trata-se de um trabalho que precisa contar com uma equipe interdisciplinar e com parcerias institucionais. Promove-se o acolhimento do sofrimento psíquico das crianças e suas famílias e monta-se um projeto terapêutico singular, de acordo com o modo como a criança ou o adolescente se apresentam na relação transferencial, que é a base sobre a qual vai se construir o trabalho. Neste trabalho, busca-se oferecer à criança ou ao adolescente várias possibilidades de se enganchar em algo da cultura, visando acompanhá-la na possibilidade de encontrar um lugar para si no campo social, como, por exemplo, a escola. Assim, enquanto o trabalho psicanalítico busca ajudar a criança ou o adolescente a se organizarem intrapsiquicamente, o trabalho dos outros profissionais da equipe interdisciplinar e o trabalho da inclusão escolar, por exemplo, ajuda-os no estabelecimento dos laços interpsíquicos.

5 - A senhora foi uma das coordenadoras do IRDI (Pesquisa Multicêntrica de Indicadores Clínicos para o Desenvolvimento Infantil). Conte-nos um pouco da pesquisa e do trabalho. Qual a importância dessa pesquisa e por que pediatras e todos os profissionais da pequena infância devem conhecer bem os indicadores de riscos psíquicos nos primeiros 18 meses de vida da criança?

Leda Fischer - Esta pesquisa foi um marco em nosso país, pois foi a primeira vez que se propôs, em território nacional, um instrumento de prevenção e detecção precoce no caso de saúde mental. Foi conduzida em todas as regiões do país por psicanalistas, buscando capacitar os pediatras na detecção de riscos psíquicos durante as consultas de rotina em crianças de zero a dezoito meses, bem como validar o IRDI, o instrumento de detecção. Partiu-se do pressuposto de que os primeiros anos da criança constituem a base de sua saúde mental. Foi tão importante este trabalho que acabamos decidindo continuá-lo também no campo da educação infantil, propondo uma pesquisa sobre a formação em serviço para professores de berçários - a Metodologia IRDI, que está em fase de finalização. É a partir desta indicação de risco que podemos atender bebês na chamada "intervenção a tempo", quando podemos tratar as dificuldades antes que as defesas maciças - como o retraimento autístico, tão nocivo ao desenvolvimento - se instalem e se tornem uma psicopatologia.

MAIS

Seminário "Autismos e psicoses na infância: Diagnóstico diferencial"

Promoção: CIAMM - Centro da Infância e Adolescência Maud Mannoni

Local: Auditório Colégio Educator - av. Holandeses - Calhau

Data: 10 e 11/06/2016

Informações e inscrições: 3235 9186

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